Marcadores

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O mundo já acabou?

O mundo vai acabar. Que ótimo então. Já aprendi que ele sem o que chamamos de Eu não há. O troço parece continuar havendo , mas sem a nossa tão preciosa presença - e o presencial é tão importante, ao menos numa sessão de análise- ele realmente não há. Para minha mãe, que já morreu, o mundo continua havendo, mas sem ela. O mundo para ela não há mais. Sem mamãe o mundo não há. Para ela, para além do suposto, evidência que dura. É quase uma equação: presença- ausente= saudade.
E qual seria a agonia desencadeada se o precioso haver desaparecer para nós?
Toda agitação histérica nesse exato momento se deve ao Sr. Nostradamus, um grande cientista da sua época. E já se passaram cinco séculos desde seu nascimento até as suas pesquisas. E era francês. E lá de Provence, onde visitarei seus hábitos cotidianos em breve. Imaginem um francês com alquimias e adivinhações? No país dos iluminismos, mas que sempre se preocupou com as sombras, com as trevas. Vide Deleuze, Foucault , Lacan, Valéry, Rimbaud, Cézanne, Milner, Dolto - que faz rima com Truffaut-,etcetera. Cézanne que ditou rumos para pintura no século XX, cubismo e outros impressionistas, também é filho da região de Provence. As suas perspectivas modificadas não indicavam um fim para o seu mundo, e sim a eternidade de sua obra, de sua autoria.
Então certos alinhamentos astronômicos, quem sabe um meteoro de porre cambaleando sem rumo, provocariam choques, impactos, era glacial a emergir, abalos sísmicos de grande intensidade, mares rebeldes, enfim, as  tragédias provocadas pela mamãe natureza - não somente mais a minha-, e suas vicissitudes a destruir o haver tal como o conhecemos.
Muito já se tergiversou - expressão esnobe para não dizer tagarelar- sobre isso: literatura, previsões ( Nostradamus é um dos mais célebres nesse ramo), teses acadêmicas, cinema, televisão, conversa de botequim presencial ou virtual (leia-se rede social) e outras ilusões. Os chamados fatalistas, por exemplo, são os melancólicos que se recusam a aceitar que desde sempre, ali pelos idos do bebê chorão, alucinamos, pela via de  um seio materno acolhedor, uma formação que não há e que pensamos que se perdeu. O que levou toda uma psicanálise lacaniana a supor- brilhantemente- que o que move o nosso desejo é algo faltoso. Não. Aprendemos com a psicanálise contemporânea brasileira, nomeada Novamente, que é algo impossível, que jamais sequer houve de fato, o atrator dos nossos caros tesões. Porque há,portanto, essa formação de direito. Afinal, não o desejamos?
Portanto, o luto - indicado pelo mestre- é o que nos acompanha sempre. O sentido disso: alegria! Espocar de foguetes nos céus do haver! Difícil, não é? Não. Do ponto de vista do entendimento enciclopédico não é difícil. Difícil é experimentar a sensação de solidão absoluta, quase derrelição,  a cada bom dia, a cada dia lindo, a cada fim do mundo eu. Difícil é se perceber covarde e impotente para mandar o mundo eu às favas, e não destruí-lo, pois se poderá ir junto. Aonde? Lugar algum ou o mesmo de sempre.
Com aquele sintoma de senhor-escravo que irriga a pança do perverso que só pensa em comandar, não haverá mudança sequer. E com o bundão neurótico que se regozija com a subserviência, somente atrasos e retrocessos. Falamos então de eu.
Abaixo do Equador, nos trópicos, é o vira lata em seu espírito de mundo. E não é vira lata cachorro não. Esse merece todo respeito. Alimenta-se do resto do nosso lixo, do desprezo, com nirvana. E ele, formação cachorro, nem sabe disso. Nem lhe pertence. Fala-se sim daquele outro bicho, primo irmão, que o gênio de Nelson Rodrigues rosnou em letrinhas, em profecias verificáveis. E ele acertou em cheio. Qual o mundo que sequer nasceu e que se quer destruir seu embrião?
O mundo eu terminou em alguns momentos. No beijo de boa noite, aguardado proustianamente pelo filho personagem ator ( logo no" Caminho de Swan", primeiro volume dos sete outros da obra de Marcel Proust, primeiro encontro ), da sua mãe que não viera cumprir aquele acordo amoroso de todas as noites. E o que se esperar de uma senhora - ofício de mãe- senão acolhimentos amorosos? Uma palmada   bem dosada ( sem a violência que se pode cometer, sabemos como funciona a boçalidade humana), no momento certo, constitui um ato amoroso. De quem cuida. O problema é o tal momento certo, visto que essa espécie humana funciona em atraso. É o que Freud nos ensinou através do conceito de "só depois". A neurociência de hoje já evidencia também esse fato. Demora-se alguns segundos - isso quando é uma tolice amena-, pois normalmente levamos dias, meses, décadas ou toda a havência que houver  para se compreender, significar, reconhecer algo que se apresenta, que se informa. Perguntemos pois a Nostradamus?
Também terminou, o mundo eu, na expectativa ilusória de que esse mesmo beijo resolveria tudo. Salvação.
A Salvação não há. É que nem felicidade. Tudo no plural, pois múltiplo, transitivo....Existem os diversos momentos, as incontáveis formas para salvar aqui e agora. E os tempos de felicidade: do aqui a outrora. Mundos futuros. Se um houver.


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

E quem disse que ele não esculpiu o Pão de Açúcar?

Certa vez, li num jornal de bairro, aqui de Ipanema, que uma famosa escritora havia pego um livro de Drummond  para reencontrá-lo ( prefiro a forma encontrar novamente), assim que soube da sua morte. Ele morreu poucos dias após a morte da sua única filha, Julieta. Eram apaixonados. Julieta, soube dela através de uma nota que escrevera, indignada, a respeito do assassinato de um mendigo que habitava a rua que me habitava " cette époque-lá": A rua Barão da Torre.
Atiraram pedras ou balas de fogo nele. Morreu deitado no chão frio, cruel, imundo. Julieta ficou uma fera.
O episódio me atingiu e agora eu somente coloco aqui um traço que deveria se tornar curva para falar da morte de um heroi brasileiro, carioca conterrâneo: Oscar Niemeyer. Morreu ontem, dia 5 de Dezembro de 2012, aos quase 105 anos de vida e curvas. O maior arquiteto brasileiro e um dos maiores de todos os tempos. Nada sei de arquitetura, mas sei que ele era maior e ponto! Desculpem-me: curvas e curvas.
Oscar foi sofisticado e simples, difícl e complexo. Generoso e firme. Entre o que tinha, ou seja, o que era, a sua referência teórica e sua prática, o seu agir, não havia fronteira nem divisa. Era único.
Habitei e fui habitado por ele. Carioca - assim como ele- fui nascendo, tornando-me. E em Brasília vivi oito anos. Ele, por sua vez, tornando-se a cada sopro uma espécie de gênio imortal. Tudo por ali foi grandioso: 600 obras, sendo uma centena de altíssimo nível, 76 anos de parceria em seu primeiro casamento e depois mais um outro casório aos 99 anos de idade. Quase uma criança. Trabalhava com tesão sem igual. E se espantava quando qualquer deferência lhe era prestada. Elegante.
Hoje, ele viajou tanto num tal de avião - uma formação que desafia um pouquinho a gravidade e com a qual mantinha distância seletiva-  que cansou de vez.
A aeronave - contemporânea sua desde os primórdios- fez uma curva sobre o Pão de Açúcar. Passou pertinho. Oscar calado e quieto sem se incomodar com o entortar para cima e para o lado daquele abutre de aço, ferro, querosene e gente.
Houve quem dissesse: " E quem disse que ele não esculpiu o Pão de Açúcar"?

domingo, 2 de dezembro de 2012

Bola de chutar. Uma conversa entre moços. Intenção e quereres.

Os moços conversavam sobre bola. Sobre um jogo de bola. Um jogo de bola que faz parte da formação mental de muitos. Uma loucura. É isso mesmo: uma loucura. Não a bola, mas o que corre em torno dela.
Nelson Rodrigues foi talvez o seu melhor tradutor. João Saldanha vinha junto. Armando Nogueira por ali também. Esses senhores, que cometeram o erro de falecer, conseguiam enxergar um jogo que não havia para maioria. Não eram somente românticos idealistas ou mitômanos ( mas quem é que não quer maior precisão, a resposta melhor, a tonalidade  mais bonita, o gosto saboroso e uma pitada de mentirinha ?),  buscando aperfeiçoamentos através da fala sobre o que se passou e o que poderia ter sido. Aqui se tem uma afirmação ou ainda questionamento? Não se sabe a resposta - e talvez seja para não se saber-,  o que não invalida a afirmação apostada. Tampouco idealistas , mas talvez iluministas - esses nobres senhores- que se ocupam também das sombras.O verbo aqui  insiste em se presentificar, já que autores desse calibre costumam não desaparecer. Sabem da vida com seus infinitos personagens. Por isso, há a vã, não menos heroica,  tentativa de acrescentamentos a cada frase, a cada texto, a cada comentário. Não há tampouco a verdade, a resposta derradeira e única para tudo.
Num tribunal esportivo já se reconheceu que muitos atores jogam o jogo dos moços. Do menino de calça curta ao árbitro. Há o moço agitado, fanático, que não torce. Ele só projeta o que tem de pior. O que deveria ser um 'hobby' tão somente - e um 'hobby' pode ser algo sério se houver seriação, sequência- transforma-se em barbárie, racismo. Em outras tribunas, não menos importantes, necessita-se da indagação cafajeste do 'jurar dizer a verdade ou 'nada além da verdade'. E qual seria ela? Conjectura-se tão somente algo que possa dar conta, dar cabo, do que está à nossa frente, ao nosso lado.  É consenso que existem evidências, certas provas mais contundentes, mas a verdade e ainda por cima para além dela? Não há nada para além de coisa alguma que não seja tudo o que se apresenta como está. Só que esquecemos sempre que tem muito mais.E não está aquém ou transcendendo esse aquém. Simplesmente , mas é dificílimo de entubar a ideia e mais ainda o seu viver - está por aí. Não se computa por que recai na nossa inadimplência ignorante. Daí a importância das lentes que constituem um olhar mais sóbrio, límpido. As lentes de Nelson e de outros tantos.
Relembra-se de Proust - um outro gigante e que por certo detestava  aquela jogo de bola que não havia em seu tempo achado- e que de tão alérgico ( haja sacrilégio!)  buscava com descrições minuciosas condensar tudo o que buscava exibir, dizer, num laço de fita cor de rosa de alguma madame, em algum salão mundano de Paris, início do século passado. Passava páginas, provavelmente anos, o que significa  a sua existência, a tagarelar como poucos sobre o tal laço de fita que condensava quase tudo sobre as personas envolvidas naquela saga de 7 volumes. Mais qual personagem? Pertencia a um deles especificamente? Ponto para Marcel, pois a confusão, um estranhamento proustiano- hiper realista, emergia. O laço já não tem mais uma cor e as personas rostos diversos. E o tempo perdido foi redescoberto. Logo, está de novo se perdendo. Passando.....
Será que essa turma acima mencionada marcaria uma penalidade baseada na intencionalidade de quem cometeu a infração? Teve a intenção ou não? Eis a questão da estupidez. Até porque sabemos que de boas intenções os infernos se abastecem. Portanto, tentam complicar as regras, os códigos, esse imensurável campo de anotações que também se chama simbólico. O curioso é que a cultura anglo-saxônica adota essas mesmas regras para o jogo dos moços com bolas de chutar. E a cultura jurídica deles é bem distinta do juridicismo romano. O romano - e aí nesse caso o juridicismo vai para o espaço da arquibancada-, não existe ( estaria denegado?), já que a interpretação passa a valer mais do que os fatos. Logo, não há juridicismo nesse caso. A regra é clara, tal como avisa um ex-apitador de jogo para meninos , e também meninas, com a bola de chutar. Se os fatos trazem mais confusão do que esclarecimento é porque a ordem do jogo é essa no momento, ou seja, a da confusão. Não nos preocupemos, pois não se procura com isso tudo que se diz aqui defender uma anarquia. Anarquia é impossível até porque é mal educada, incivilizada, burra. A tal barbárie como que muitos no jogo de bola de chutar, de bater, de socar, de fazer política, agem.
Recusa-se ainda hoje - e a temporalidade que descreve a realidade das rugas e dos brancos pelos que passam a fazer companhia no corpo, na carcaça, que se enfraquece-, aceitar o fato bruto de que muitas das ideias- de um mesmo jogo com diferentes pontos de vista-, e pelas quais se perdeu sangue e até a vida ruíram. Acabou. Sofreu acréscimos ou então transformações radicais. Portanto, outra coisa virou.
Os tais moços prosseguem na conversa de tentar dizer para um e outros que os seus pontos de vista (ou seria de cegueira?), suas preferências, seus gostos, sejam melhores, mais relevantes, mais campeão. Todos acham muitas coisas. Cheios de opiniões. E falam através de convicções que nada mais são do que suposições, intuições, e que não devem ser desprezadas porque falam apenas das  razões. Quão difícil é supor que a maluquice de outrem é tão ou menos maluquice que as nossas. E haja maluquice para não parar de correr atrás da bola de chutar dos moços, que ao menos numa mesma pelada, possam considerar afetos comuns.
Aqueles moços de ainda há pouco trocam de papéis, telefones, informações. Combinam o novo encontro com os uniformes de gala. Seus clubes, suas apostas. Cada um com o seu cada qual. E ninguém se convenceu de que esse cada qual para cada um é a melhor escolha do que a outra. E não tem nada por detrás: nenhum homúnculo-sujeito suposto pelo  fato de que ali não houve acordo entre os que conversam, discutem, aqueles que se curtem. Apenas fatos, relatos, tesões, informações e quereres.



segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Eu grito sim.


Creio que NÓS, cariocas e fluminenses, ainda não nos demos conta do rombo que esse projeto que retira uma fortuna do Estado do Rio,  relativa aos royalties de petróleo, produzirá. Em alguns anos, serão 77 bilhões a menos para o Estado que produz 80 por cento do petróleo do país.

Roberto Campos já havia dito que o Rio de Janeiro era o único Emirado Árabe pobre que ele conhecia. Erros políticos se somam a tudo isso. Tem mandatário que acredita em estátua ou em seus companheiros em processo de mumificação semelhante.

No fim dos anos 50, JK teve um sonho. Mandou a capital para a região Centro- Oeste. Tudo bem e tudo mal senão fosse pela pressa histérica e pelo custo de toda aquela elucubração onírica. Não podemos esquecer, desde Freud, que sonho não deixa de ser produção delirante e sem interpretação possível. Mas vai lá: confusões entre as 3 instâncias políticas- União, Distrito federal, Estado- as ameaças de golpes militares ( finalmente ocorreu em 1964), o fato de ser uma capital localizada numa região litorânea , portanto, suscetível à invasões, e que no governo JK e no período eleitoral relativo a sua sucessão , ocorreram gravíssimos problemas com militares, incluindo cerco à cidade por navios militares, etc. O não apoio ( apoio com dedos cruzados) ao General Lott , seu ex-ministro da guerra e aliado , resultou no que resultou. O trauma estava por ali. O resto é sombra. E aí vieram desgovernos sucessivos ( o Município chegou a falir no início dos anos 80) numa demonstração clara de desarticulação política regional e ataques de caudilhismos aliados a uma oposição débil, infantil.

O Rio mergulhou num dos seus piores momentos. Só não virou uma Medellin porque a nossa classe média é imensa e o cinismo que lhe faz companhia também. É só oferecer alguns regalos que esquecemos, acomodamos. E tudo a mais que não sabemos. Pouco se viu de uma sociedade civil tão desorganizada, tão frágil. Agora, quando se inicia uma recuperação, um renascimento, ocorre essa tentativa de massacrar. Por causa do quê?

Não será com micaretas que resolveremos a nossa posição diante dessa situação grave. E os mais atingidos não serão jogos de bola, saltos em distância ou aquele guepardo que vem da terra de Marley e que corre mais rápido. Serão os pensionistas e aposentados que sempre são tratados com paratletas ( seriam para-atletas?), certamente enquanto parasitas. Justamente os que têm menor poder de barganha. O resto é conversa fiada, canalhice eleitoreira de parlamentares de outros estados e covardia.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Um banco. Um negócio.

O melhor do pior do capitalismo você pode encontrar quando tem que passar pelo desprazer de ter que comparecer ao banco mais próximo, a sua agência por exemplo, a fim de negociar alguma aplicação financeira, solicitar algum empréstimo ( algo que nunca fiz e espero não precisar), encerrar a sua conta, recadastrar-se, enfim, o que quer que venha a ser efetivado por lá presentifica a sensação de que a marionete que se costuma ser a maior parte da vida acaba de ser afanada de algum modo. A tecnologia aliviou bastante isso, isto é, a necessidade do comparecimento àquele hospício cínico, pois há a disponibilidade de se  dirigir a uma voz metálica, via telefone, normalmente aprisionada a umas 3 ou 4 instruções provenientes  da chefia, sem sair da sua casa ou local de trabalho e/ou vagabundagem, e até mesmo através das máquinas computadorizadas - ainda que por binarismos limitadores nas suas constituições básicas- , evitando assim aquele constrangimento presencial junto ao chamado Sr. Gerente. Em alguns casos, 'Sir'. Sempre detestei tal compromisso.
Abri a minha primeira conta aos 18 anos. Fui até lá com uma tia cujo conhecido era  funcionário trabalhando enquanto caixa ( nesse exato momento vem a sua imagem e o seu nome Geraldo) era na verdade um amigo familiar de muitas jornadas. Onde estaria Geraldo? Naquela época deveria ter uns 40 e tantos anos, creio. A idade, esse passar de tampo tão ilusório, nos engana quase sempre. E ainda bem. E isso é fruto da inútil ilusão de que as aparências que se apresentam são as únicas que existem. Por isso é que elas não enganam. Não comparecem todas. Isso é impossível. O cair de uma máscara revela outras tantas. Portanto, Geraldo tinha a idade de Geraldo. Para as impressões que dali recolho, ele tinha aqueles anos que lhe conferiam um saber desconhecido, ignorado pelo garoto presunçoso e com os olhos arregalados e curioso pela inserção naquele cassino oficial chamado banco. Uma tecnologia rudimentar de máquinas, com ruídos de tic-tac, eram atrações de época. Talões com cheques eram as armas para se negociar os desejos. Prometia-se algo ao se rasurar com nome próprio aquele pedaço de papel. No sistema financeiro existe - um fenômeno brasileiro- que vem a ser a promessa da promessa, a postergação da postergação que é o cheque para depois de amanhã; para o mês que vem ou para o que Deus quiser. Apelidaram-no de cheque pré-datado. A formação brasileira também acredita que um cartão de crédito possa não ter limites e que estrelinhas na sua conta, um mimo quase  cenográfico com taxas de juros malcriadas, confere-lhe poder ilimitado. Doce ilusão, amarga ignorância.
Pois sim, o banco de Geraldo - e que vinha das Minas Gerais- acabou e nem ao menos fechei a conta. Já havia pulado para outro.Um outro igual.e vizinho. Porta ao lado. Vizinhos também podem ser assim: concorrentes, rivais, bisbilhoteiros. E o contrário disso tudo também. E essa rede pode não ter fim.
Tempos depois, mudei de novo de banco. Diriam que sou leviano, mas preferia a adolescência da época. Desde quando mudar de lá para cá é da leviandade seu irmão mais próximo? Tem aquela turma que fica paradinha. Nem para frente nem tanto para trás.
O novo banco escolhido era mais popular. Tem em tudo quanto é canto. Não havia, de saída, nem um cheque general com 4 ou 5 estrelas. A maioria é meio soldado raso, recruta zero. Lá também não havia nenhum Geraldo familiar. Havia sim uns meninos e meninas começando no ofício de trabalhar em banco.
E foi justamente com um desses, de quem presenciei certo nascimento, que num dia, para ser menos obscuro um outro dia que faz tão pouco tempo, decidi negociar aquilo que juntamos, porque somos afinal otimistas para um fim em que não se haverá, por longos anos. O incômodo começa a partir do momento em que para alguém que gosta de investimentos mais voláteis, isto é, mercado de prostituição com ações- aquele jogo de mercado do faz de conta que somos sócios do Bill Gates-  essas coisas mais conservadoras para você e progressivas ao extremo para os donos dos cassinos-bancos não ressoam lá muito bem com os meus intestinos e certos gases. O principal contudo foi a pergunta que me deixou perplexo e seguro de que a marionete tem que andar sempre com os olhos circunspectos de quem não será pego por algum veículo que virá na mão contrária: " Esse produto é ótimo. Possui inclusive auxílio funeral"- disse-me um soco.
-Para quem?- perguntei-lhe reativamente.
Decididamente, não se entrará em questões mais elaboradas pois tão claras. A morte para quem se ela não há e nem haverá. Qual seria o benefício mesmo? E tinham outros.... Sorteios, por exemplo. Jamais ganhei uma rifa sequer! Enfim, uma sacanagem com índices oficiais e discursos oficiosos.
Após uma hora de equívocos, outros passos foram lançados. Quase que randômicos. Fui subido a um outro andar e diante de uma outra criatura, que também presenciara desmamar, escuta-se o papo de estranja." Usted puede para cá ...Mejor al otro lado". Não era tão pouco um Kama Sutra financeiro, mas alternavam posições. O rapaz já crescido e o gringo cliente novo perdido.
Saudade é algo que presentifica umas ausências. Por certo, presenças. Aquilo que o rei Roberto cantarola lindamente: ' ...Você é a saudade que gosto de ter. Só assim sinto você bem perto de mim outra vez.' Saudades de Geraldo e da minha tia. Jogávamos num time parecido. Muitas aparências.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Pessoa e grandezas. Coisas estomacais.

Existem umas pessoas que são invejáveis, pois elas venceram a vida e deixaram - e deixam, visto que essas autorias não morrem- uma marca, uma obra.
Toda e qualquer articulação, cálculo ou  raciocínio faz um esforço enorme para tentar dizer sobre o que é impossível, já que indizível. É uma empreitada enorme e não são poucas as vezes que nós - invejosos e detratores- os difamamos, chamando-os de megalomaníacos ou histéricas. Lacan mesmo o fez ao se reportar às tentativas hegelianas de supor poder teorizar sobre tudo. Dizer sobre aquela verdade impossível. Aquela da qual não se consegue dizer, pois nem ao menos sabemos sobre. Quanta pretensão!!! Mas quem- nesse confronto entre gênios da espécie esquisita homem- não insiste em tentar. Agir no mundo.
A lição de Feyerabend, moço genialmente inquieto, de que uma vida ancorada, construída sobre uma teoria, digamos pensamento, difere muito de uma outra que venha a se constituir sobre simpatias, medo, bom senso....
Quando mencionei numa rede social que a estupidez militar triunfante dos anos 60/70 no Brasil arrebentou com a educação, alguns concordaram, mas houve aquele reacionário a mais ou para menos que defendeu aquela boçalidade de inspiração claramente nazista. É normal e há que se escutar de tudo. O que torna a nossa função de escutadores do inconsciente quase impossível. Como operar sem juízo de valor numa hora dessas? Aliás, como operar sem tendências sintomáticas próprias - leia-se pessoais- o maior período de tempo possível? O estômago se manifesta. É uma formação que produz ácidos e até saberes. E quem não tem o seu estômago ou fígado pleno de aversões?
Fomos educados para isso também. Fomos nomeados, colocados dentro de um esquema cultural que nos restringe, nos limita. Em algumas situações é até melhor, funcional, a tal restrição, já que se deixarmos o bebê que nos habita sempre muito solto no berço.... A questão é saber administrar as intensidades.
Quem é que não é viciado em alguma coisa? Certos fígados são viciados em gordura, em cachaça, em republicanos até o são. A questão como lembramos acima é gerir as intensidades, pois dependendo da dose pode virar guerra nuclear, guerra para Adeus. Há deus?
As redes sociais são conexões de formações e entre formações que podem avessar o que quer que se diga, o que quer que se escreva. É a tal rede da gente, dos chamados humanos. Os cães que lá surgem não sabem do que se trata. Não foi feito para eles, logo não foi feito por eles. E ali desfilamos nossos quereres, nossos narcisismos, nossas mentiras, nossas simpatias, horrores e etcs. De preferência, as nossas gracinhas. Esse texto, por exemplo. Já já ele se tornará acessível aos amigos e detratores. E tanto melhor.
Reencontar um amigo ou passar a considerá-lo como tal é saber que ali há um novo amigo. Por mais antigo que tenha sido ou havido. E ele continua feito uma alma penada. Mas é um novo amigo. Faz um novo amigo. Ele não é o mesmo de 5 minutos ou 15 anos atrás. E não o será daqui os próximos 5 minutos. É difícil como o diabo entender essas coisas assim assim. Nossa educação reacionária, careta, para trás, nos causa estragos eternos. Tem gente que adora ficar congelado feito urso, lembrando só do que terá sido. E essa criatura, irmão carbono de todos- tem suas razões. Pra frente, pode ter vislumbrado um abismo fundo. Pra trás, ele relembra aquele gozo divertido, um saudoso.
Os tais heróis que conclamamos são essas pessoas que insistem na confrontação com os abismos, com as trevas, com o imponderável. Ele sabe do escuro, pois teme claridades. Coisa de Pessoa grande.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Certa noite com Tim Maia

Lá se vai o tempo. Há aproximadamente 20 e poucos anos, Tim Maia, cantor mais do que festejado pelas nossas bandas, fizera apresentação no ainda moribundo Teatro do Hotel Nacional. Aquele hotel que se posta imponente-decadente, diante da praia de São Conrado, e que respira por aparelhos licitatórios , há décadas. Virou escombro de sua própria história. Nesse seu palco desfilaram grandes personagens. Foi onde conheci, vivinho e a cores, a música de Miles Davis. As primeiras edições do saudoso festival de música, final de década de 80, ' Free Jazz Concert', ocorreram lá. Depois foi para o MAM ( Museu de Arte Moderna) e começou a ruir. A turma passou a considerar o cigarro, patrocinador do evento, o inimigo número 1 do planeta , para além dos pulmões e vias aéreas, o dinheiro minguou , desafinou e deu o último suspiro. Era início dos anos 2000. Não se conseguiu mais a grana nossa que dita o passo do mundo. Bem que tentaram, através de estratégias questionáveis, manter o evento. Aquilo virou uma espécie de carnaval fora de época. Os corredores do museu , que por certo jamais foram visitados pela maioria que ali gritava "Uuu! Galera!", ficavam apinhados. Importava tudo, menos o Jazz, o Blues....Hoje, temos as 'Flips' da vida.
Um pouco antes, fim dos anos 80, e ainda considerado vivo pela Rede Globo de televisão e que transformava aquele show, no hotel dodói por demais, em programa da casa, conheci o cantor da voz possante. Minha amiga, a quem adjetivo + querida e que tem linda e possante voz também, apresentava-se junto com outras cantoras ótimas, na banda do moço famoso. Após o show, houve um encontro festivo num importante hotel - ' in a very good shape until now'- do Leblon, zona sul da cidade patrimônio. Típico evento que detesto. Um cordão de aduladores em torno da celebridade midiática. Acho patética a postura de colonizados subservientes. Aqui farei uma pequena digressão - tão comum nas minhas notas- para dizer que me esforço , há pelo menos duas décadas, para mitigar o meu complexo de inferioridade em relação ao meu mestre e analista e  a quem considero um dos maiores poetas vivos. Portanto, tenho intimidade com esse sintoma vagabundo, safado! E o pior é que a manutenção do mesmo ainda busca por razões.....Ou seriam inadimplências insuperáveis? O que nós chamamos de impossibilidades modalizadas, regionais, visto que existem certas formações que se não forem desenvolvidas, estimuladas a tempo - sem contar as heranças genéticas somadas aos fatores epigenéticos -, jamais funcionarão da melhor maneira. É duro de escutar, mas é fato.
Então aquele senhor obeso, mal educado, grosseiro à medida da inconveniência, feio por demais, mas com aquele vozeirão que transformava canção para dores de amores em obra de arte, sentara-se à mesa do restaurante estrelado. Porém, cabe a pergunta: aprendeu ou ensinou para o Roberto, Rei, as canções que falam dos corações partidos? Foram parceiros de ofício e até amigos. Depois, os amores cantados se metamorfosearam em ódios. Nada mais comum. Daí que Fernando Pessoa já indicara o perigo desses amores todos.
Tim então cantou, ou melhor, vociferou para o garçom mais distante - afinal era motivo de exibição vocal- que lhe trouxesse umas garrafas do Whisky Bacana! Apareceram umas quatro ou cinco daquele malte que eu só tinha visto em festa de casamento de rico. Uma dessas garrafas era mais antiga do que a minha existência, à época. Quase lhe fiz deferência. O amigo que me acompanhava , levantou-se e a cumprimentou. Tim , o gente boa, quase o expulsou do recinto. "Que porra é essa? Será viado? Gostas de uma garrafinha, hein?" Simpático. A festa prossegue e mais e mais admiradores cercam a mesa. Tive a impressão de que tamanha comoção era pelo fato de que o nobre cantante tinha aparecido para trabalhar, já que tinha fama de não comparecer, vez ou outra, ao local de trabalho. Seriedade. Alguns goles depois, minha querida amiga se aproxima dos meus confusos ouvidos e alerta: " Sai fora , pois vai sobrar para vocês". Não entendi a princípio. Na expectativa de que ela fosse me encantar nos ouvidos, corpo todo, ela me intrigou com aquele alerta. Corneta avisando sobre possíveis temporais. Enebriado pela tolice de tiete, vi o rótulo dos tais escoceses egrégios a me piscar. Só faltava essa. Além da saudação, a bebida bacana exigia interlocução! Olhos esfregados, tudo piscava. Até o Tim. O amigo já estava íntimo. Cantarolava com os outros convivas. Um pouco depois, compreendido o sentido daquele recado, o tal alerta da tempestade por vir, restava então chamar, socorrer o amigo que se deslumbrara. O amigo também é alertado sobre o tamanho do prejuízo que aquela produção escocesa poderia desencadear. Não deu a mínima. Estava devidamente cooptado pelo vozeirão e suas tagarelices. Todavia, não se pestanejou. Porta de saída, a mais próxima à vista, e as escadas foram mapeadas uma a uma até o adeus final. Ufa! Sem olhar para trás. Vai que aquele malte bacana resolve tomar satisfações?
Dia seguinte, sem ressaca a cutucar, e de vagas lembranças. Dia chuvoso numa cidade que se metamorfoseia em pouca alegria. Ela tem essa sensação de que o sol lhe esnobara. Pergunte ao carioca-cidade porque essa pretensão, ou melhor, o porquê desse imperativo dirigido ao sol bacana , mas também cruel em certas épocas, por uma  presença contundente por demais a todo momento?
O telefone que se fazia de mudo, preguiçoso, logo será acordado. Imaginem uma onomatopeia de som de teclado de telefone antigo: número discado. Do lado de lá, sem nenhuma transcendência a ocorrer, a voz de desânimo a se esforçar a responder. Somente uma vogal se faz presente. Imaginem agora o som de um aaa quase natimorto. Diriam bastante depressivo esse alô de dia chuvoso. Perguntei-lhe então: " E o seu novo amigo, o Tim? Te deu motivo"?
O que foi respondido podemos até imaginar, já que o telefone desse lado de cá tremia, tremia. Sua voz ganhara vida, força! Filho daquilo, filho disso!E tanto amor fora proferido ao agora ex-ídolo. Também pudera: pagou praticamente toda a despesa daqueles escoceses, com saias feitas de vidro e a afetar
, com a sutileza de um murro, o nosso sistema nervoso central e outros comandos. Pagou com promessas, isto é, pagou com uns tais cheques pré-datados. Uma deliciosa e enlouquecida promessa a mais do mercado financeiro brasileiro. Negociou com o gerente do tal restaurante/bar que já estava acostumado com as 'maias' do Tim.
Quando morreu o Tim, voltava de uma prova para cargos públicos, e escutei a notícia no rádio. Era o ano de 1998. A primeira reação foi a lembrança do amigo. Estaria ele acompanhado de algum outro escocês a lhe consolar? A lhe dizer " Me dê motivo....( imaginem a música ).

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Eleições ainda mais.

Algumas notas a mais;

Eleição para prefeito no Rio sempre tem forte concorrência , para o postulante ao cargo, pois o carioca o vê como alguém que quer ser mais carioca do que ele. E como estar carioca é um estado sublime - para muitos-  , uma espécie de cartão de visitas, um achar-se tão belo quanto as praias, quanto ao Jardim Botânico ( Viva João VI ! ), quanto a Lagoa Rodrigo de Freitas ou o Aterro do Flamengo; achar-se tão exuberante quanto os monumentos todos, os centros culturais, os museus; tão grandioso quanto o Maracanã. O resto parece não sair bem na foto.
Os 18, 19% de certas intenções de votos nos candidatos novidades não são tão novidades. Sempre houve em algum momento. Recordemos o Bittar em 1998, a vitória de Erundina em São Paulo , no mesmo ano, o prezadíssimo Fernando Gabeira, mais recentemente. E o abominável Fernando Collor, codinome caçador de marajás, na campanha presidencial em 1989! Houve quem dissesse que essa vã caçada se converteria num suicídio ou num exercício erótico sado-masoquista. Sofremos os efeitos desse sexo , digamos, bizarro. E qual o sexo, qual a partição que não completa jamais, que não tem a sua faceta bizarra?
Há também aquele sintoma de quem -por razões somente pessoais- projetam frustrações ou realizações, enfim, sintomas das mais diversas ordens, até mesmo afetivas, na figura de quem está lá ou que candidata-se a estar. Se estou bem, o tal cara ou fulana valem até à pena. Se as coisas não estão lá tão bem ( aquele namorado/a que se mandou, aquele projeto que nunca acontece, aquele dinheiro curto, aquele não haver desejado que insiste em não haver, em não nos salvar ), o tal cara ou fulana não prestam. Não valem à pena.
O voto é sempre exercício inconsciente das ditas razões de cada um, e  que tem lá os seus corações bem pessoais.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Um pouco de política em tempos de chiliques. Pré-maresia.

Há um artigo, que li  num blog  e que fora recomendado por um conhecido 'faceebokeiro partner' ( deve ser bem prestigiado, visto que foi mencionado também  por pessoas com certa influência na mídia ), tecendo opiniões , com dados bastante precisos, sobre as eleições municipais desse ano, aqui no Rio de Janeiro. Lúcido e bem escrito. Não concordo com o título, pois o considero um tanto quanto forte e passional - a não ser que o articulista, quem escreveu o  tal artigo, conheça muito sobre o personagem - candidato. Não deveríamos misturar também ficção cinematográfica - ainda que baseada em fatos reais - com uma possível governabilidade por parte dos personagens atores-candidatos. Quem se recorda das elites, sabe muito bem que as tropas estão bastante desfalcadas, desde 1964, quando a ditadura militar arrebentou com o sistema educacional no Brasil. Recentemente, matéria jornalística denunciou o assassinato de Anísio Teixeira, um dos maiores educadores do mundo, pelos gorilas do regime. Além do mais, uma coisa é a campanha que normalmente vem permeada de fanatismos e infantilismos - como se estivéssemos num ringue "sanguinolento" de lutas marciais ou na arquibancada do futebol-, e outra é a postura , o trabalho realizado, projetos propostos, os chamados programas de governo, etc. Não se faz distinção, muitas vezes, sobre o que se discute. Seriam todos sócios? O quê pode nos afetar de tal ordem, quando sabemos que o próprio eleitor brasileiro costuma virar as costas para o que acabou de apostar, de enfiar urna abaixo?
O voto obrigatório traz essa faceta de vários gumes e perigos. Ao mesmo tempo que mantém uma certa mobilização, gera malcriação, rebeldia tola. Figuras pensantes importantes tais como Raimundo Faoro , já falecido, ou um José Murilo de Carvalho, defendem a obrigatoriedade do voto, pois consideram que se houver a não obrigatoriedade, a desmobilização por parte do eleitorado será muito grande e ainda mais prejudicial ao jogo político. Há controvérsias. Acredito que num primeiro momento haveria um comparecimento maior do que o de costume , já que os que defendem a obrigatoriedade do voto diriam que a não obrigatoriedade é golpe de estado. Mais ou menos como o plebiscito, realizado no início dos anos noventa, sobre a escolha do sistema e forma de governos. Monarquia, Presidencialismo, Parlamentarismo....Estão lembrados? Ganhou a República Presidencialista ou seja: mantivemos tudo como antes, sem ao menos discutir com calma, prudência, todo processo de forma e sistema de governos. O que talvez resultasse numa reforma político-partidária necessária. Reforma essa que é evitada a todo custo por todos nós que estamos implicados no processo político enquanto sociedade civil. De preferência sem chiliques.
 Lembro-me da figura austera e cautelosa de Ulisses Guimarães e dos seus olhos azuis da cor de um oceano singular e que se tornou seu túmulo. E ele dizia que ao morrer, naquele caixão suposto onde estaria o seu corpo inerte, haveria por ali um homem contrariado. Não houve caixão e seria impossível estar contrariado àquele do qual se diz morto. Mortos não se contrariam mais. Contrariado, enquanto obviamente vivo, ficara ao ver as tolices que cercaram os debates - e o velho Ulisses quase sempre sereno para ficar se debatendo-  sobre o tal plebiscito. Houve quem quisesse votar - e o voto era por escrito à época - no rei Roberto Carlos ou na rainha Xuxa. Não me pareceu nenhum absurdo! Isso está na chamada alma das pessoas! E ainda sobrava um gol para o rei Pelé. As pessoas são inteligentes e possuem o rei ou a rainha que merecem. O raciocínio está perfeito. Se há obrigatoriedade de voto, também para plebiscitos, que votemos, portanto, no rei que mais gostamos, ora pá!
Os presidencialistas já diziam que o tal plebiscito era tentativa de golpe. Recorda-se de ACM, Maluf e outros arautos da democracia no Brasil a vociferar essas palavras de ordem! Tinha gente também à esquerda a proferir sacrilégios semelhantes. Os tais institutos de pesquisa , desses que dizem em quem a turma vai votar ( e no pior dos casos há um imperativo que diz "devem votar") , afirmavam que se  muitos políticos apoiassem a ideia Parlamentarista, teriam diminuídas as chances numa pretensa eleição futura. Resumindo: a política enquanto a arte da distribuição dos poderes tornar-se-á tão somente ( perdoe-me Hilda Hilst pela mesóclise. Deve ser inspiração de Janio Quadros ) o meu quinhão, a minha turma, os meus dividendos e ponto. O resto não tem uma tal ética, logo, não presta. Nada de maniqueísmos, e sim uma perversidade eleitoreira a mais. Tudo, infelizmente para muitos, mais do que normal.
Nos últimos anos, assistimos a uma onda, quase que um fetiche, de denúncias e apurações e prisões - um show protagonizado pelas polícias e incentivado por autoridades de primeiríssimo escalão -, de políticos, empresários, servidores públicos, envolvidos com as maracutaias centenárias, milenares. Sempre haverá maracutaias. Alguns praticantes contumazes dessa farra com o erário público alegarão que fazia parte do processo de gerenciamento dos interesses públicos. O que é da ordem pública já se misturou com os interesses privados para muitos. O Estado, policialesco  por excelência , desmoralizou-se inteiramente e diversas milícias se multiplicam fazendo concorrência desleal. Os que defendem a manuntenção de uma presença do Estado cada vez maior, apoiam-se  no fato de que uma política econômica um pouco mais liberal tenha fracassado, esquecendo-se porém da falência em diversos níveis e regiões da política assumidamente estatizante que certos países praticaram por décadas. Deixar que as pessoas resolvam e decidam seus rumos com uma presença mínima do estado ou permitir que esse mesmo estado comande e decida sobre quase tudo sobre a vida da população estão na mesma ordem de cegueira.
A ordem política para os próximos tempos é o da consideração 'ad doc', ou seja, o caso a caso e  a cada momento. Igualzinho o que se deve fazer num processo de análise. Nesse momento econômico em que o país está estacionado - feito formação neurótica a reclamar do vizinho, a quem supõe enxergar no próprio espelho- , em que a mandatária maior decide reduzir as tarifas da nossa energia - e brasileiro tem de sobra , tal como nos apontava  o poeta , então diplomata e irmão da escultora célebre, Paul Claudel, "muitos reflexos e pouca reflexão", assim se reportava ao povo brasileiro- , a partir de 2013 , senão a energia da casa, dos palácios, cairá de vez. Portanto, depois da gastança do governo anterior, desenvolvimentista por demais , agora seremos monetaristas a fim de preservar a nossa moeda, nossas reservas até.....a próxima crise. Aprendo com a Nova Psicanálise, do poeta MD.Magno, que temos que lembrar que a crise - na sua própria etiologia nos aponta para oportunidades- e que a economia é sempre libidinal. Freud estava certo.
Logo, não há  aquele que é de esquerda ou  direita ou de centro. Existem sim aquelas formações que estão mais à esquerda, mais à direita ou em cima do muro no momento. E isso não é o cinismo contemporâneo da ocultação permanente do que está em jogo. Ao contrário: é assumir que nenhuma postura é definitiva. Sobretudo, a priori. Pois aí teremos preconceitos e maniqueísmos terríveis. O tal artigo que li indicava esse movimento, mas a nomeação ficou comprometida. Chamar qualquer um de fascista é até fácil. Agora mesmo, uma professora universitária , no Norte do Brasil e que tem vínculos com movimentos de estudos raciais e é até praticante de cultos religiosos de origem africana, está sendo processada por discrimação. Alguém lhe barrou o caminho e a solução adotada foi chamar, aquele que lhe barrou o passo, de macaco.
É extremamente difícil abordarmos o que quer que haja sem preconceitos. Nesse próprio texto do tal blog, com dados importantes, uma das comentaristas do artigo, publicado no blog, insulta quem o escreveu. E aí vem uma outra e insulta quem insultou o insultado primeiro. O quê é isso? No mínimo, deveríamos suspeitar dos insultos aos próceres envolvidos: articulista, candidato, eleitor, militante.
O ressentimento, praga indestrutível da nossa falta de educação, da falta de análise dos sintomas de cada um, funciona como projeto de governo, enquanto visão e postura de mundo. Há partido político- e partido político muitas vezes inviabiliza A Política - que não se definiu jamais em termos teóricos, ou seja, através de referências ideativas mais consistentes e que norteassem suas ações. No Brasil, os partidos multiplicam-se feito cupins. São meras rivalidades regionais, desde o coronelismo que ainda perdura, que alimentam essa procriação promíscua. Fora, é claro, a piada sem graça. Um país com seguidores religiosos aos milhões ( maioria absoluta) possui dois partidos comunistas e outros tantos ditos socialistas. Possui também diversas legendas à direita sem qualquer referência  nítida sobre os seus projetos. É uma confusão proposital. E quem é que acompanha tudo isso? Lembro-me dos debates - horríveis e semelhantes a programas de e para calouros- com os candidatos à Presidência da República em 1989. Ao final do ringue, a empregada de uma tia disse que finalmente entendera a tal "reserva de mercado". Eram as compras feitas no supermercado e que ainda restavam. Perfeito. Não deveríamos confundir ignorância com burrice. A moça sacou direitinho.
Nos tempos do Império ou no início da República, existiram políticos que escreviam cartas, memorandos, destinados aos eleitores. Um dos mais célebres - e depois fiquei a saber que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso apreciava muito o livro-, foi a coletânea de artigos de Bernardo Vieira de Vasconcelos intitulado " Carta aos eleitores da Província de Minas Gerais ". Ali, o político esclarece fatos e intrigas e projetos e o que fez/faz. Decente, corajoso, brilhante.
Quando se estuda alguns dos autores da política brasileira como Bernardo Vieira, Assis Brasil, José Bonifácio de Andrade (um gigante), Frei Caneca, Joaquim Nabuco, percebe-se que havia ali um pensamento político genuíno e ignorado por estudantes , inclusive das ditas ciências políticas em cursos de doutoramento. Fui testemunha enquanto ouvinte num desses. Preferem exclusivamente o Montesquieu , o Montaigne , a Hannah Arendt, o Carl Schmitt, o Maquiavel e outros egrégios pensantes da estranja. Vivinho da Silva, pode ser nome próprio, temos um FHC pensando o novo século, faz tempo. Um Darcy, Ribeiro de saudades, e tantos outros tão importantes como os citados acima.
O poder vem de baixo para cima também. Alguns ceguetas se recusam a enxergar. Não é só de cima para baixo que se institui, que se configuram os poderes, mas daqui para lá também. Feito audiência de programa televisivo. Quem hipnotiza quem? De onde vem a demanda? Ninguém tem esse poder absoluto. Há uma cumplicidade de todos. É preciso entender onde nos situamos nesse momento e qual será a nossa de agora? Caso contrário é somente confusão, paixão = cegueira, racismo, egocentrismo, narcisismo barato, perversidade. Tudo isso movido por crenças que não deixam de ter fundamentos religiosos. E aí cada um que prepare a sua cruz para aquele vizinho do apartamento ao lado. Cheios de amor.
Só não venham dizer que eles não sabiam o que faziam. E nós todos? Sabemos?

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Suicidados? A gente toda.

Artaud escreveu aquele belíssimo texto sobre um Van Gogh suicidado. Ele mesmo foi um suicidado. Poucos, muito menos aquele médico, conseguiram escutá-lo.
Um dia, apresentou-se para análise um rapaz diretor de teatro. Naquele momento, dirigia uma peça sobre o poeta/escritor francês, morto em 1948, aos 52 anos de idade.
Falava feito metralhadora que não permite nem ponto vírgula. Quanto mais umas vírgulas  a recuperar o fôlego. Já soube de gente que faz assim: " quando cansar coloco essas tais vírgulas".
O rapaz diretor era paciente terminal, pois à época não havia tratamento eficaz para o HIV. Era angústia transitando pelos palcos. Sabemos que a Aids tornou-se uma enfermidade crônica e que requer cuidados constantes. No início, existiam aqueles coquetéis insuportáveis, repletos de efeitos colaterais. Não que eles tenham desaparecido, esses 'side effects', com a invenção das novas drogas, mas houve considerável redução e melhoria, por conseguinte, da qualidade de vida das pessoas.
O drama maior era ter que compartilhar com as pessoas sobre a doença. Os pretensos candidatos a um romance, desaparecem. Opta-se então por esconder o que se tem, o que se carrega no sangue. Uma batalha de esconde-esconde, que de tão desgastante, fazia emergir sintomas colaterais, alguns graves, e que poderiam trazer as temíveis infecções oportunistas. E qual é a infecção que não é oportunista? Qualquer gripe é assim. O vírus entra e abre as portas para as bactérias, sempre presentes e à espreita, agirem.
O tal diretor, e ator deveras, sabia do que o aguardava. Vociferava , Artaudianamente, toda aquela dor, aquele "dead line" irrremediável. Irremediável para todos, mas ele não se via ilusoriamente tomado por certos saberes míticos que deslocam, nas nossas mentes, essa condenação, esse tesão de sumiço.
Aprendi que a Psicanálise é uma ferramenta, na verdade é um modo de pensar.
Ali, restava somente acompanhar os passos e que o já sabido fosse mais leve.
A nossa transferência, esse vínculo que se estabelece entre curador e curando e que sem o qual não haverá análise possível, chamou-me atenção pelo fato de que , frequentemente, a Pessoa que pode ou não exercer essa função analítica parecia não existir. Aquele olhar passava por cima, por baixo, por viés....
O adorador de Artauds atropelava pessoas. Considerava-as feito coisas tão somente. Logo, tinha conflitos com a direção das pessoas-atores. Não com o texto. Tudo era só articulação. Ele era um diretor do século passado, fim do século XIX talvez. Homem de ciência e suas manipulações de laboratórios, de pipetas....
Esse conflito com os atores-pessoas a serem dirigidas, trouxe-o ao consultório.
Um dia , deixei-o mais uma vez só. Para concluir assim, acreditei que  ao  catar uma água ou um café, no aposento ao lado, efetivava a solidão que já era imensurável, independente da presença física. Ao voltar, lá ainda estava: manuseando os brinquedinhos em cima daquela mesa. Aquelas coisinhas que a gente traz de viagem, para esquecer todo dia um pouco mais.
Agora, lembro-me desse moço que sumiu.
Soube que faleceu num ensaio teatral ( e qual é o ensaio que não é teatral?), em São Paulo, cidade natal. Tinha levado o seu poeta francês a passear perto da família. Pode ser bem perigoso, tratando-se sobretudo de um Artaud lúcido pois louco. E quem os teriam suicidado senão a gente toda?

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Uma entrevista , uma lembrança.


Ouvindo a colega que revela ao mundo uma importante passagem na sua vida, um talento (desconhecido por alguns) , um outro personagem a mais , pode-se evocar 'recuerdos'. Histórias que se tocam, feito a nova tendência cinematográfica , que não é nem tão nova assim, se levarmos em conta produções realizadas a partir do final do século XX, onde diferentes histórias e seus respectivos personagens se intercalam, transam, misturam-se, num roteiro de aproximações.
Pois então, nossa amiga recordava momentos experimentados quando trabalhara numa importante companhia teatral carioca. Naquele tempo, início dos anos 60, essa companhia ,Teatro Tablado, era uma espécie de vanguarda na formação de jovens atores e sobretudo nas montagens de peças infantis. Maria Clara Machado, sua mentora, foi uma das figuras mais importantes da cena teatral brasileira. Seu pai, Aníbal, um intelectual de ponta.
A casa da família em Ipanema abrigava os famosos saraus. Aqueles encontros musicais que mesclavam música, teatro , literatura e que normalmente ocorriam aos Domingos. Escolha sábia , já que os Domingos foram feitos , ainda mais naqueles tempos, para melancolias. Até hoje, certos sons , alguns tons, nos dão arrepios , visto que remetem aos pesadelos escolares obrigatórios , verdadeiros imperativos de opressão a nos matar aos poucos no dia seguinte. Matava-se a criatividade, a disponibilidade para se fazer de outros modos. Aquele evento, o tal sarau, era um momento de suspensão das estupidezes presentes e vindouras. E nós por ali a espiar, da janela da sala de jantar, do terceiro andar, desse edifício que me habita e que se postava ao lado daquela casa.
E de um colo outrora amoroso, acolhedor, chamado mãe, o bebê que aqui posta lembranças era sacudido pelos sons e arranjos que subiam pelas paredes, pelos postes de luz, pelo cimento fresco da obra ao lado. Balançavam a criança ao som do sarau de Aníbal e sua Clara filha.
Esse período, o dos embalos do bebê aos domingos à tarde, era um pouco posterior ao ano celebrado e comunicado à imprensa - celebrado hoje, e daí a razão da reportagem televisiva , pois comemora-se os 50 anos do Teatro Tablado, agora em 2012- , já que a criança só apareceu em 1966.
A mãe amorosa , por sua vez, ensaiava em seu piano, marcado pelo romantismo de um Chopin, Bruckner , Liszt e um choro - não do bebê - , mas de Ernesto Nazareth ( som frequente nos saraus junto com Villa Lobos ), e portanto tentava se fazer escutar. Acho que ela queria dar uma passadinha por lá. Dizer uma Mazurka ou um Noturno, carregar um sonho de amor, sabe-se não. Jamais foi. Era tímida, escondendo arrogâncias. Tinha sido aluna dileta de Oriano de Almeida, célebre pianista. Paraense nascido, mas radicado a vida quase toda em Natal, e cuja fobia de avião atrapalhara a sua carreira. Venceu um festival para intérpretes de Chopin, em Varsóvia, terra do moço.
A mãe minha , aquela do colo amoroso, um pouco  depois, seguindo os passos do mestre , foi aluna , aqui no Rio, da não menos conhecida, Magdalena Tagliaferro. Oriano morreu há alguns anos, sob os ventos das dunas natalenses.
Sempre havia, desse modo, uma desculpa para não ousar um cadinho mais. Havia, por exemplo, uma formação diagnosticada como asma e que atrapalhava , mas que também era gozo bem prezado. Afinal, chamava atenção. Era um Noturno aterrorizador.
Não foram poucas as ocasiões que a vimos sufocar. Qual era o tom daquilo? O que se calava então? Sem resposta. Apenas elocubrações....
Na tal entrevista da televisão, que me atinge,  e iniciou essa conversa de agora, segundo o dizer da amiga, após saírem de um desses encontros memoráveis, santuário dos Machado, seguiam para um bar tipo Rock and Roll chamado Zeppelin. E assim o périplo Nazareth - Rock and Roll se fazia.
Anos depois, o Zeppelin também desapareceu. Não explodiu , nem tampouco houve sabotagem nos céus estadunidenses, igualzinho o dirigível. Virou foi samba.Tornou-se mulata. Oba! Oba! Houve quem gritasse assim. E era desse jeito que o lugar se dizia.
Tinha sargento e tudo a comandá-lo. Botafoguense, o sargento virava general no comando das suas musas ou ao guerrear pelos artistas da bola. Jairzinho - uma espécie rara de discípulo de Mané Garrincha, era um deles. Na Copa do Mundo de 1970, realizada no México, para além de Zeppelin , Jair tornar-se -ia furacão! Perguntem aos gringos da Inglaterra, da Itália, do Uruguai, o tamanho do estrago que os vendaval Jair provocou por lá.
Crescido então o bebê - sempre haverá controvérsias entretanto- o movimento samba-sarau despertava atenção dos transeuntes. Aquela mulatice toda. Aquele vai e volta dos artistas dos picadeiros diversos. Atraía gente dos mais diversos cantos.
 Um tio, certa noite, encantou-se. Seus olhos claros lembravam os do Chico famoso, o Buarque de Holanda. As mulheres adoravam, mas ele também era tímido. Feito a irmã que não foi à festa dos Machado. Eles, os irmãos, tinham esse tesão de espiar, de butucar de longe.
Os olhos sedutores desse parente tão próximo, e que vivia distante da gente, a ponto de não poder encontrá-lo a uns dois ou três passos de um simples querer, fixaram-se nas curvas daquela mulata definitivamente. Declarou, com firma reconhecida e tudo, que preferia aquelas curvas do que as curvas da estrada de Santos , tal como cantarolou o poeta-rei.
Ele as marcou implacavelmente feito zagueiro brabo que só Furacão-Jair sabia desgarrar-se.
Avisei o pai, chamado meu, sobre o que se passa. Esse pai invejoso  orientou o pequeno que cresceu de escutar saraus: " Vai lá é diz para ele que mamãe chama para jantar". 'Inocente',  missão cumprida. "Papai! Mamãe chama, na verdade quase clama, que o jantar está na mesa!Oba!Oba!Papai!"
O tio bonito-solteiro, perplexo, olhou-me boquiaberto. E ele a supor que o pequeno, ex-bebê, sobrinho preferido, era confiável. A musa, indignada, retirou-se. Para sempre. Saiu de acordo com os bons preceitos feministas que Millôr Fernandes sempre reconheceu: o movimento dos quadris. Um espetáculo!
Foi a primeira vez que vi um ídolo meu, de minha então breve história, ficar com cara , não de curva abençoada da mulata, mas com cara de bunda pelanca, necrosada pelo constrangimento, feito zagueiro caído, esparramado pelo chão. Dá-lhe Furacão!
A inveja, o ressentimento e o ciúme são formações muito perigosas .Ou ainda , sabiamente dita por um anônimo - esses todos a quem chamamos em algum momento de nós, em situação genial , afirmando portanto: 'o que os olhos não vêem , a paranóia inventa'.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Olimpíadas e Mensaleiros. Heroína e vilões?

Certos eventos são exemplares para se observar os comportamentos e sintomas praticamente incuráveis. Nesse momento,aqui na terrinha, dois eventos nos atingem nesse mar de ocultação cínica. O chamado julgamento do mensalão, um escândalo político em que se tentava comprar votos , obtenção de apoio político parlamentar para os projetos governamentais e os jogos de peteca e outros 'games' , realizados na capital britânica. Naquela metrópole cujo reino, não tão unido assim, se orgulhava da máxima-  relativa aos seus poderes intervencionistas, invasivos-  de ser o Império em que o sol jamais se põe. Todavia, depois da reincorporação de Hong Kong à China, a máxima poderá ser revista.
O primeiro esporte olímpico bretão é da ordem do cinismo cafajeste. Além do mais, transformam meritíssimos em celebridades cinematográficas. Jamais deixamos de ser aquelas crianças que querem se exibir a todo custo, a toda hora, nessa sociedade do espetáculo, assinaria embaixo Guy Debord,falecido em 1994, mas lembrando que o próprio pensador francês ao escrever sua obra também sobe no palco. O que chamo de eu, por exemplo, faz seu textinho burguês por aqui, agora, nesse palco chamado de blog. Vira-se tela de computador a tagarelar com o mundo.
 Assim sendo, a dita mídia televisiva é o canal exemplar para essa postura. Obviamente , acrescenta-se uma dose considerável de vulgata -  justamente por ser eficaz - o que se poderia acresentar , com o perdão da ironia, que a democracia alcançou o seu tento, o seu destino feito ônibus, para todos ,afinal. Julgamento para não haver julgamento, eis a questão.
Há , dentre os notáveis da magistratura, um prócer que advogou para gente interessada no não julgamento. Pesa sobre ele o fato de ser  amigo íntimo de um dos principais articulistas do lamentável episódio. Ah! Sua consorte ,dir-se-iam os doutos com as leis e mexericos, advogou em defesa para certos reús envolvidos também.
Faz vinte anos,  um outro importante magistrado, recusou participação própria por ser parente, ainda que distante, quarto grau, do acusado: o próprio Presidente da República , à época. Decisão, no mínimo, coerente, decente. Nesse caso de agora não se observa isso. O magistrado- rapaz  -  bastante jovem nessa função, o que não significa incapacidade para tal e que fora indicado ao cargo pelo Presidente, cuja gestão em certos aspectos é investigada-, recusa-se a não participar do jogo. Quer porque quer ajudar o ex-chefe-amigo.
O jogo portanto é bastante interessante e a paranóia está instalada desde sempre. Todos de olho uns nos outros e preocupadíssimos com o que cada um pensa sobre o que o outro magistrado fará, dirá ou sentenciará. Já aconteceu até bate boca. Sobe a audiência.
Depois que instalaram câmeras para transmitir cada sessão - Nossa ! Quanto interesse!-,  ao mundo interesseiro , a situação parece piorar. Já houve bisbilhoteiro da imprensa que flagrou troca de mensagens entre uma toga e outra. E se fosse uma declaração amorosa? Cabe recurso? Transitado em julgado?
Faz pouco tempo, já se aposentou , um outro notório notabilizou-se por escrever textos eróticos. Eróticos? Como assim? Pornografia para babacas ou erotismo para taradinhos? Já sentenciou, e não cabe recurso, um grande pensante- poeta - vivo da língua brasileira,em Seminário proferido nos anos 90, do século que morreu : século XX. O erotismo oculta as taras e a pornografia erotiza as babaquices? Ou seria justamente o contrário?
Com audiência bem mais significativa do que os jogos jurídicos, os jogos olímpicos nos trazem aquele sentimento ontológico de vira lata. Já dizia o centenário rodriguianismo de Nelson que o nosso espírito olímpico rosnava mais ou menos por aqueles canis. E ele terá razão para quase sempre. O desagradável fica por conta da ocultação, da falta de vergonha nossa . Nas mãos, nas pernas, no nado das borboletas - e a cada braçada um tornado pode se formar láááá .....nos confins do Timor Leste -, nos achismos de cada brasileiro-técnico.
Deve ser fácil, sem educação adequada, nutrição, condições técnicas e materiais,  o cidadão/ã chegar ao olimpo e ter que guerrear com as tropas poderosas, preparadas desde o berço para o combate. E mesmo para essas tropas que possuem a mesma configuração primária, biótica, de boneco mal acabado, as pressões culturais e também as pressões primárias da chamada natureza - entenda-se aqui o clima, o ambiente, o fuso horário, altitude ou não altitude- promovem alterações consideráveis no rendimento daquele organismo que , para alcançar objetivos maiores, deve funcionar feito relógio suiço ou de acordo com  a engenharia mecânica daquele carrinho popular de propriedade da família real semi-unida: o Rolls-Royce.
Felizmente que, e infelizmente para as nossas pretensões arrogantes enquanto filhos de um geneticismo que caducou faz tempo, pretensões essas relativas às previsões possíveis, sempre haverá um herói, uma heróina.
Agora a pouco, uma senhorita magrinha , quase esquelética e que me faz recordar algumas das imagens impactantes do seu país , acaba de vencer uma competição de resistência. Desbancou britânicas, japonesas, européias...E ela veio, parece que chegou correndo, da poderosa Etiópia. Atravessou o Tâmisa correndo sobre as águas geladas do 'caloroso' povo inglês. Houve e ouve-se, da masmorra daquela torre shakesperiana ao 'pub' moderninho londrino, uma ovação: quase histeria.'Milagre'! - teriam vociferado alguns ébrios musculosos. De outros cantos, mulheres desmaiaram, crianças atônitas, velhinhas de porre com o próximo chá. No meio do caminho, não havia mais uma rocha, e sim lenços a acenar-lhe com a direção a seguir. Houve também quem lhe desse água. Ela , desconfiada , hesitou. Água potável na sua terra é uma formação tão rara quanto o ouro que ela carrega no peito, sob metamorfose de medalha.
Bertold Brecht, em um dos seus mais conhecidos textos, A vida de Galileu Galilei, afirmara que pobre do país que necessita de heróis. Aprendi que ele estava errado.
Precisamos muito dos heróis. Em todos os campos , em todas as áreas do conhecimento. O heroísmo reverte as impossibilidades regionais, modais.O heroísmo é ato de criação. Heroísmos transformam aparentes tragédias em dramas, comédias, poemas.... Bertold Brecht, esse grande dramaturgo alemão, foi um deles.
O mal - e desculpem-me pelo mau jeito maniqueísta ,talvez por efeito do pagamento mensal ainda não depositado e olimpicamante ,com a pistola na mão, aguardado -, confunde-se com concentrações financeiras demasiadas, apoio político aos de sempre ( mesmo quando fantasiados de novidade justiceira ), e ignorância não reconhecida enquanto tal.
Amanhã, pularemos corda outra vez, E assim ,chegamos ao olimpo. De mentirinha, é bem verdade. Mas será , ao menos, ainda mais divertido.

terça-feira, 24 de julho de 2012

D'uma Argentina.

A primeira vez que nos vimos foi há pouco mais de vinte anos.Início da década dos anos 90,fim dos anos 80,de um século passado. Aqui faço uma pequena digressão ao acusar o desconforto que a realidade crua do conceito 'século passado' me proporciona.
Talvez por acreditar -feito tantos ,feito milhões, que o fim do século significaria fim de tudo.Crendice infantil.Infantilismo que custamos a abandonar.
O século passado é muita coisa e quase nada.Nasci por ali e o atravessei para um outro que o desconfigura ,e que o desconfigurará muito mais até o seu fim. Aí sim.Teremos um fim daquilo tudo,daquele conceito que vem junto com o século XX inteirinho. A tecnologia dos homens através das suas próteses engolirão vorazmente vários modos de existência que foram tão preservados por gente do tal século passado.
No século XX também foram desenvolvidas armas poderosas capazes de destruí-lo juntamente com quem      as criou. Apelidaram de cogumelo um oceano de sangue oriental que chamuscava horrores nossos.Tão íntimos que causaram aquele estranhamento esquisito. Igual ao crime do cinema recente,lá nos Estados Unidos da Disney-Metro-Universal,onde o personagem da história mágica para crianças-adulto aparece pessoalmente e faz girar sua metralhadora encantada.Ao fim do espetáculo ,o policial ,apavorado pela verdade,pergunta-lhe em fuga: " Who are you? ( Quem é você?)". E o anti-herói lhe respondeu:  'I'm the joker' ( Eu sou o coringa!).
Nesse século XX ,personagens como esses aterrorizavam nossas pretensões.Sempre se quis o automóvel mágico do herói de voz grossa,ladeado pelas mulheres-gato de então.Mulher-Gato é o cúmulo do pleonasmo! Se virasse coisa de realidade , os homens estariam liquidados para quase sempre.Para quase sempre já que alguma dentre elas - e isso já bastante século passado ,pois passa a excluir alguma coisa em termos de conjunto- entregará o ouro,ou melhor,o 'Batmóvel' aos 'Jokers' não menos redundantes.
Há de tudo isso um pouco na expectativa de se eternizar até mesmo um século inteiro.Pelo fato de que sem a gente presente ele não haveria,fazemos essas ilações.
E assim nos encontramos pela vez primeira ou derradeira - quem poderia supor jamais?- naquele aeroporto com 'olor' de conspiração. Tudo bem que a conspiração era ainda peça imaginada sob influência dos coringas de sempre,mas havia algo no 'aire'..
Era noite adentro e minha mãe fazia companhia. Nunca tinha saído do país Brasil e achava aquilo tudo fascinante e assustador. Não falava aquela língua curiosa - tão próxima em alguns verbetes e substantivos - e tão distante enquanto sonoridade. Aquela língua que tem que ser apontada para o céu da boca, a fim de que consigamos a compreensão necessária dos nossos 'nuevos' interlocutores.
Havia alguém para nos buscar no aeroporto.Era homem enviado por companhia contratada.Até então,e o vício persiste até hoje,sempre há alguém lá fora que fora contratado para nos buscar.Sou filho,neto,irmão,sobrinho de servidores públicos federais que insistem na tal estabilidade. Fiquei viciado por gente que apanha em aeroporto. Gente contratada,diga-se ,pois não quero parente ou amigo por lá.Senão serei obrigado a fazer o mesmo (a tal convenção social dos bons modos) e o aeroporto de minha cidade ,alcunha maravilhosa, transformou-se em local digno de escárnio,chacota,desrespeito.Não gosto nem um pouco de ter que estar ali  a não ser para partir ou partir de volta.Recalque acusado! Tive dois romances com  moças que residiam fora do Rio de Janeiro e o aeroporto era local de despedidas sofridas.Sofria com uma semana de antecedência.Os curiosos das questões relativas ao comportamento dos meninos-meninas chamavam isso de ansiedade. E eu lhes dizia que era uma forma de tesão desviada do tesão que movimentava aquilo tudo.Eles riam da gente."Arroubos de jovens"-classificavam.
De casa dos pais ,afastei-me aos 18 anos.Lembro-me do dia exato e de uma mãe aos prantos como se fosse perda irreversível.Ela era semi-irreversível,mas não perda absoluta. Aeroporto sempre foi sinônimo de saudade,de anteparo para irreversíveis de momento.
Essa senhora que pranteava naquele exato dia -do qual não me esqueço- apresentou-me as Recoletas,os Retiros, os Palermos e suas decantações,o tango e sua melancolia ,a imponência dos seus principais teatros, a soberba do seu mais humilde habitante ( nessa última estada,ocorrida há uma semana tão somente ,o habitante com moedas nas mãos vira-se para mim,plantado que estava diante de uma loja qualquer, e me diz ' Cúanta hipocresía'.), e todo o resto.
Percorreu-se muito desde então.Até os locais onde nos  refugiamos -chamam de Microcentro ,Puerto Madero-,quarteirões enormes são percorridos em largas avenidas -dentre elas a mais larga do mundo e que aniversaria em 9 de Julho- e outras ruas mais modestas.
O classicismo típico - valorizadíssimo por eles ,apesar de Borges- é um dos pontos que nos distingue.O brasileiro é maneirista,desde Camões.Depois vieram os Andrade,Mario e Oswald, Glauber,Guimarães Rosa,Augusto ,Um Anjo,Anísio.......Eles viram coisa barroca quando transam empresarialmente.E assim como aqui ,em terras macunaímicas, sacaneiam -se.Sacaneiam o próprio jeito que deram para reverter brilhantemente impossibilidades locais. O brasileiro faz o mesmo com o que batizou de jeitinho.Confunde flexibilidade,capacidade de suspender juízos e/ou convenções demarcadas,de jogar no aqui e agora da vida,com esculhambação.Nisso somos 'hermanos'. Uma outra diferença que nos marca é que o brasileiro,felizmente,não se leva tão a sério. Eles,'los hermanos', acreditam.
Desde aquela vez nos vimos ,pensei que poderia haver fusão.Depois, entendi que haveria ,aí sim, confusão demasiada.As diferenças que nos atraem são formações afrodisíacas.Temperamento, e esse tempero não se dissolve com qualquer feijoada ou 'chorizo', faz marca quase indelével. A confusão proposital entre as duas línguas oficiais e os seus sintomas indestrutíveis se incluem nessa transa latino-maneira.
E as 'chicas' ? Desafie o seu potencial para paciência: entre  numa loja para meninas -daquelas em que,sobretudo para  recém-enamorados,o infeliz  é torturado por ter que provar seu bem querer ao permanecer, pela eternidade, espremido,humilhado,esnobado por qualquer par de sapato reluzente-, e você presenciará os raios cortantes provenientes dos olhos das moças que vendem às moças que compram.Imagina-se que se por mais que ventura -quase um esporte radical - o tal evento ocorrer nas férias de verão,os modelitos desejados, e que se façam  mais que curtinhos, poderão descarrilar entraves diplomáticos graves.Uma guerra em que Malvina alguma - seja a da Ilha disputada ou a jovem rebelde nascida de um pai  Amado-Jorge  - gostaria de se omitir.
Ainda sobre aquela vez ,e que definitivamente já não sei mais se foi primeira ou agora-anteontem, o vento gélido do rio prateado nos empurrou avenidas e mais avenidas por detrás do 'coche viejo' daquele homem contratado para nos 'saludar'.
Sendo assim ,sempre se sonhará com  um automóvel velho,geralmente de cepa francesa,total século XX, e seu condutor impaciente caloroso,grosseiro de gentilezas, a nos esperar? Será que terei 'cambiado' realmente de século? Virou somente a folhinha do calendário?E o vento será aliado?E o rio? Continua rio.

terça-feira, 10 de julho de 2012

From Rio to Woody .Sir..Allen.

Woody Allen decidiu fazer das capitais europeias cenário novo para seus filmes.A crise financeira que atingiu o mundo em 2008 fez com que os custos da produção cinematográfica subissem aos céus. Além do mais,Woody preza por produções caprichadas,ótimo elenco e é democrata-estadunidense na pátria em que o cinema tem republicano enquanto chefe supremo.
Uma das coisas que mais gosto nele é que ele se põe na reta.Como dizemos aqui - e me perdoem pelo mau jeito- coloca o rabo próprio na reta. Ninguém,sobretudo o que ele acha que é ele mesmo, escapa da sua lente atenta,sarcástica,lúdica,sensível.
Presta honrarias aos países que o acolhem, para em seguida puxar-lhes o tapetinho. Critica os saudosistas e os convida a  uma viagem no tempo.Obviamente,ilusória.Já que tratamos do tempo.Demonstra vasta cultura ,mas não é feito de pedra ou cimento,visto que prossegue e joga pedra no que já foi apreciado.É um vai e vem de considerações sobre o que considera importante e desprezível.
Homenageia a atriz bela jovem tesuda e até talentosa, e em seguida mostra toda a sua ignorância  que fora recalcada.Ela vira coisa feia.Coisa horrenda.
O machão ,o galã,o diretor galinha-boçal,o esquerdista-revolucinário ingênuo,o patrimonialista direitista  também não são esquecidos.E a música? Sempre há ótima música para Woody Allen.Ele a prefere do que cerimônias formais,infantilóides de premiações e aplausos que mais parecem autômatos....Randômico Oscar. Prefere a companhia do seu saxofone e seus amigos "new yorkers". Não foi à toa que a única vez que soube de presença sua na cerimônia de discursos patéticos ,foi há tempos.Mas precisamente no ano seguinte aos ataques de' September Eleven 2001'. Estava ali para saudar sua pátria.Nova Iorque - hojendía infestada de Brazucas- é seu país dentro de um outro gigantesco,chamado Estados Unidos da América do Norte.Um californiano ou um ser do haver oriundo do Texas são iguais a um alienígena para Allen. Roma ou Paris estão mais próximas de alguns dos seus tesões.
'To Rome with Love' é uma declaração de amor à sensibilidade auditiva de quem a tem "woodianamente".
Ele captou o espírito italiano tal e qual os grande da Cinecittà. Descortina Roma e arredores feito ária mais bela.E a coloca no banho,molhado,pelado,ousado,bravo! E manda Freud devolver-lhe uma grana mediante a burrice interpretativa abusiva de um ouvido pouco atento.
Nesse último filme - penúltimo pois já já haverá mais e mais- o exibicionismo boçal,cafona que afeta o mundo apresenta-se feito o cantante debaixo do chuveiro.Só que o cantante sabe cantá-la.E coloca -assim como Woody- o seu traseiro na reta.Molhadinho....
Há de se saber cantar na chuva do chuveiro,na chuva do riacho,num temporal medonho sem se queimar para sempre.Talento para poucos.Mas não é impossível.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Fato bruto.

A vida é o que nos acontece enquanto planejávamos outras coisas.
Essa frase vem do Sr.John Lennon,falecido em 1980.
Lembro-me do dia em que o ex-Beatle foi morto.
Dia de semana,dirigia-me ao meu curso de inglês para receber uma medalha por desempenho obtido naquele semestre.Nada demais.Era o início de uma trajetória em torno da língua inglesa e que perdura até hoje.
Rádio do carro ligado,meu pai escutava a notícia.Houve silêncio.Meu pai não gostava de rock.Aliás, meu pai só gosta do efeito festeiro que alguns ritmos podem suscitar. Era conhecido como pé de valsa.Apelido que lhe fora dado nos tempos do Cassino da Urca.Ele gostava mesmo era de agarrar pela cintura as mocinhas de sua época.Se lhe perguntassem qual era o cantor,qual era a canção, provavelmente não saberia a resposta.Não era disso que se tratava.
Lembro-me do noticiário em torno do crime.Um porra louca,parece que havaiano, resolveu matar aquele que dizia amar.
É assim .A turma que não sabe o que é o tal do amor faz assim.Pois, recalcam o ódio que vem junto.Se há consideração sobre os opostos, há jogo e lucidez possíveis.
A vida corre assim assim: amódio.
 Sai do meu campo de arrogante certeza, sobre o que suponho conhecer, um imponderável.
Ele varre a minha pretensa serenidade com promessa alguma.Tão somente um fato bruto.Uma porrada.Por vezes,irreversível,indecidível.
Vejo-me então feito poeira de estrela,solta num espaço.Sem chão.Nefelibata com purpurinas.Somos também carnaval,caos organizado.
Atectônia ou um homem que flutua.Parado  no ar feito nuvem que sopra ,que range.E passando por lá, há de tudo: de trovão a  lumiar.

domingo, 27 de maio de 2012

Celebrações.Pagadores e suas Promessas.Dias.Codinome Nunca Mais

Um dos nossos assuntos preferidos é celebrarmos os anos passados de um determinado evento,fato,nascimento ou perecimento de uma pessoa.Todo ano é a mesma coisa.Há sempre um festejo enquanto projeto de vida para muitos. Cem anos sem fulano!Como devia ser muito chato,celebraremos o seu desaparecimento!Mas como assim?Se celebramos o seu desaparecimento, obviamente,  mantemos alguma coisa dele bem viva.
Seria melhor esquecê-lo de vez?Deixemos o tal fato ou Pessoa finalmente morrer?!
Em algumas casos é impossível. A tal Pessoa é maior que o tempo que nos ilude ao fingir que somente passa.
Maior para quem?Maior que o quê?Extremamente difícil,pois é situacional.É para cada um.Até porque cada um tem a saudade que merece.
Aquelas impressões mnêmicas não desaparecem.Restam ,ainda que disformes,pelo tempo,pelo desgaste da formação cerebral capaz de ressuscitá-la a cada vez.
Quando alguém morre, o que nos permanece senão essas marcas?
Um som,um grito,um pranto,um sorriso,uma sacanagem,uma porrada...Tudo pode ser computável. Para o bem ou para o mal.E novamente caímos na impossibilidade em discernir se é bom ou ruim ,a não ser na consideração de cada situação.A Priori , somente pelo fato que não conseguimos empiricamente comprovar e nem tampouco precisamos desse critério tão cientificamente fechado, já que existem outras evidências , tornar-se-á ,por certo, preconceito. Um preconceito é uma intuição errada.Não sabe dizer ao certo do que se trata,mas focalizou algo,Isso é intuitivo,segundo MD.Magno em sua obra.O que se torna preconceito,quero supor, é ignorar a nossa sintomática de ignorâncias, e que é gigantesca.Reúne diversos elementos.Desses que marcaram,pois fixados outrora.E outrora pode ser também agora.
O que faz ignorar essa rede gigante está sob a tutela daquilo que se reconhece enquanto recalque,ou seja, uma operação que afasta certas formações do nosso ponto forte em poder focalizar mais intensamente qualquer coisa,qualquer fato,qualquer qualquer,enfim,qualquer um que haja.Isso se chama ter consciência sobre algo.
Caso contrário, produzimos mais e mais preconceitos.
São muitos achismos,opiniões.Sobre quase tudo.É impressionante que os diálogos e/ou interlocuções estejam se tornando quase que impossíveis.Mas é mentira,pois a impossibilidade que há de fato é coisa feita para gente grande.
Não é por outra razão que há tanta gente preocupadíssima com a saúde dos animais.Não estão suportando o quê? O próprio auto-retrato? E tem que ser assim mesmo...Com toda essa redundância do próprio auto -retrato.
Adoro os animaizinhos.Acho uma sacanagem,perversão mesmo, tratá-los com maldades e crueldades.E lá estamos aqui achando coisas sobre outras espécies também. É que talvez haja um tipo de gente - gente?- que nem para criar bicho inferior sirva.
Claro que também há a comodidade-covarde em tratar mal aquele de quem se supõe fidelidade eterna.Até porque certos bichinhos não sabem dizer não!Morder não quer dizer isso não!Pode ser o contrário.
E existem também aqueles outros - nós mesmos-  que estendem essa arrogância aos pares,ditos humanos. Parece que se garantem pelo querer próprio.E olha o próprio aí de novo...E esse próprio está mais para aluguel.E nem mesmo o aluguel nos dá a estabilidade do outrora-agora.Virou moeda especulativa em terras futurísticas.Países emergentes,"new richies".
Creêm que podem predizer os passos de amanhã também.Não somente os que pretende dar,mas os dos que estão ao lado.No prédio em frente, no elevador apertado,na cama do inverno,na mesa que se brinda,no espetáculo que nos regozija,na tal família que mudou de cara e ninguém quer ver.Isso é mítico.Ou seria o tal do amor?
Vejamos o drama das insituições escolares.Aquele fluxograma e aquele formato clássico na disposição de quase tudo, e que não atende mais à demanda com quem se pretende dialogar.Escola é lugar de transmissão de saberes.Infelizmente,reduzem os saberes às tais disciplinas.E aí excluem um bocado de competências e saberes outros.Certamente, conhecimentos tão úteis  para a vida que se pretende prosseguir @.com.
O pensador radicado na França,mas Tunisiano de nascimento, Pierre Lévy ,tem um ótimo livro denominado 'As árvores de conhecimento'.Deveria ser adotado em todos os lugares enquanto exercício a ser ,não somente pensado, mas posto em funcionamento.
Lembro que tentamos,certa vez,na nossa instiuição.Funcionou e depois dissipou-se.Sabe com é....Não há tanto tempo,já que ele continua pra frente.Somos tão bacanas...Só não sabemos cozinhar direito,caçar, trepar....até em árvores e seus outros conhecimentos.E como nos ensina Magno,o que não é da ordem do conhecimento?
Algumas instituições de ensino então resolvem democratizar as coisas.O que é falso ,pois há hierarquia,muitas vezes pouco democráticas,existe polícia e será convocada,se preciso for.Fora a catequese que está à espreita para o bote derradeiro. Então que se faça o jogo com as regras nítidas!Caso contrário,não se pode reclamar que o jogador sacaneou,visto que a sacanagem - referência clínica para quem está vivo- não foi pedagogicamente bem apresentada.
Será tão difícil enunciar que : "Aqui existem protocolos bem específicos para fazermos ,quem sabe,o mínimo.Senão ,está fora!" ?
É difícil. Somos poucos os que suportam  a irreversibilidade de um 'Nunca Mais'.
Tal qual o desaparecimento daquele ou daquela;daquele dia,daquele evento...
Imaginem então a pérola: "Temos que flexibilizar ,pois vocês são importantíssimos para a nossa instituição"!
Primeiro: flexibilizar - postura do futuro-presente- não é sinônimo de esculhambar.Segundo: só se será valorizado ,pois foi compultado na mente, o  risco da perda.Ainda mais se houver no horizonte o axioma traduzido pela língua enquanto - não somente significado,semântica- mas enquanto movimento de ... ' Nunca Mais'.É uma língua que diz sobre uma descontinuidade radical.
Descontinua para continuar em movimento,em celebrações,em 'bloguiadices de bloguiadeiros',etc.Eterno retorno das maravilhas e tolices.
Nosso prezado filósofo ,o Sr.Nietzsche, estava certíssimo. E Pessoa alguma parece não ter conseguido escutar aquele piano sem teclados que ele insistia em acariciar , na sua reta final.Dizem que estava doidinho.Talvez mais lúcido do que quem proferiu essas internações.E quem foi? Nós mesmos. E não se pode retrirar da reta impunemente.Só pelo fato de que muitos lá não estavam.
Cinquenta anos do Zé do Burro.Não era somente adjetivação,e sim substantivo.Dias Gomes ,seu autor, pagou caro a sua promessa. Ganhou Cannes,mas o ódio de certas autarquias.Dias morreu ,num estúpido e patético acidente de carro,faz 13 anos.Tinha setenta e sete anos e escreveu um Brasil com menos de 40 anos de idade.
O Pagador de Promessas é o nosso filme mais premiado.Zé do Burro é o Burro mais comovente dentre todos os galãs.
Noventa anos de Dias,centenário de Jorge ,mais que amado, centenário de Nelson,O Rodrigues.
Celebrações. Autores que driblam à maneira maneirista de Garrincha pra Pelé.Esse  adversário inarredável codinome Nunca Mais.

terça-feira, 1 de maio de 2012

errata 2

O erro ,espístolas ,da carta enviada-desviada,texto ,agora pouco mais abaixo,já foi corrigido.TeCNOLOGIAS,FOREVER!

errata

E no final,da carta enviada,texto abaixo, a digitação me pregou uma nova peça.Onde se lê espístolas,deve ser EPÍSTOLAS.Até aprendi.

A carta desviada.

A tecnologia mudou para sempre - e o para sempre se deve ao fato de que a nossa presença temporal é curta ,apesar de eterna- as vinculações entre os chamados humanos.
Parece-me um caminho sem volta.
Isso que está sendo escrito ,por exemplo,pode ter um alcance inimaginável,do ponto de vista quantitativo e também na rapidez com que o espanto - mediante pretensão e conteúdo- pode emergir.
Sou de um tempo em que havia as cartas de papel,as epístolas proustianamente enviadas por um sistema que percorria os subterrâneos parisienses.Mas isso era Paris,início do século XX .Sonhos para Woody Allen.
Aquele papel de sentimentos nobres e torpes provocava alvoroço por antecipações e atrasos.Não foram raros os momentos em que se desejou os piores destinos às instituições e seus preceptores, pelo desaparecimento daquele envelope com aquele papel dobrado e colado de cuidados.
Em alguns lugares,normalmente em casas com quintais exuberantes ,onde não havia local adequado a abrigar as cartas do mundo todo,o maratonista vestido de amarelo e sua sacola azul  ,fiel escudeira, desafiavam animais domésticos - adoráveis cãezinhos - e suas mandíbulas, determinanadas a manter a fama de uma lealdade ,inquestionável pelo cinismo ou cãonismo - Diógenes a uivar em tonéis greco-alexandrinos- de seus donos.
Recorda-se de uma madrinha que ,em estilo mais que proustiano, escrevia por todos os lados e margens da folha, até a mesma dizer basta!Não percebes que não há mais espaço e que aquela história passa a não fazer mais sentido algum.Já não juntas mais o sujeito com aquele predicado.... e tem aquele verbo também.
 ' O nosso cão foi ao parque'. O cão foi ao parque.O sujeito é o cão.E esse é modesto,pois num período recente da história do Brasil-querido, um certo cão andou frequentando exibições palacianas em sessões de cinema.
Parece que fez críticas bem pertinentes.Logo, o cão foi ao cinema e fez sua parte enquanto espectador. O Sujeito entre o significante cão e toda a significação, que compõe a crítica à película inconteste , é o espectador pertinente com as quatro patinhas. Bacana. Vivendo e desaprendendo.
Houve aquele dia ,porém, em que alguém seduziu o outro ,na verdade seduziu  a si mesmo,enviando uma carta chamada de erotismo. A carta, segundo uma prezadíssima e querida colega,deveria conter lascívia nas tintas da caneta.Não havia impressões por computadores,nessas horas .Esse binarismo que nos aproxima.
Foi pessoalmente, a enviada, entregar ao seduzido - as mulheres costumam escolher quem irá escolhê-las- a tal lascívia,ou melhor, a tal carta.
Parou o carro no meio da rua,alheia aos xingamentos provenientes dos carros que aguardavam ,curiosos,no engarrafamento colossal que se formara.
O funcionário,diz-se porteiro-futrica,correu lépido a pegar o envelope que tremia de tesão.
Tinha nome- o futrica- de cidade satélite da capital brasileira.Acolá no Planalto perdido.
Sumiu com a correspondência....Dias se passaram e a angustiada de Ipanema sem resposta por vir, a roer algumas francesinhas das mãos, vociferando contra o seduzido ,no mínimo,negligente.
Esperou.Compartilhou e confabulou com amigas sobre  os passos seguintes.Xingava baixinho: 'Esnobe,negligente,pedante.Como ousas não corresponder àquela  erótica toda'?
Certa manhã,bem cedinho, sabendo que o seduzido mantinha romance duradouro com a cama,telefonou-lhe.
Do lado de cá,ou melhor,de lá ,voz rouca de quem está bêbado sem beber, o rapaz incrédulo, ou seja,- negligente + 'BlASÉ',garantia-lhe que nunca recebera tão honrosa missiva.
Silêncio.Perplexidade.Agora,quem estava incrédula era a sedura de todos os bairros.
Teria o futrica,funcionário prestativo do edifício,lido e por alguma dessas vicissitudes do haver , inveja ou até o seu primo mais nocivo,o ressentimento, interrompido o fluxo daquele tesão intenso?Tesão metaforizado sob a forma de uma missiva entre jovens e seus hormônios agitados?
Mistério.....
Semanas se foram e o fato ocorrido emergiu.
Homônimos podem ser perigosos.Se você é o José do apt x e há um José ,obviamente outro,residente no apt x2,você deve contar com o esmero, e não ressentimento,de um futrica mais atento.Ele pode ,conscientemente sacãna ou não, atrapalhar tudo: entregar o seu tesão para o seduzido errado.Logo ali.No andar de cima.
O tesão era tanto que subiu um andar a mais.
Hoje ,o risco ainda há.Vai que se digita o endereço eletrônico do andar de baixo?
Sem perder o sinal da conexão, a sedutora, em seus múltiplos encantos, propôs ao reativo-blasé um encontro presencial,a fim de  construir ,descontruindo certos equívocos com futricas.
Mas aí,virou uma outra história.Uma outra epístola. A caminho,quase sempre,incerto.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Cordilheiras que se movem.Uma Bailarina e um ladrão.

A bailarina e o ladrão estão em cartaz.Aliás, nunca saíram de moda.
Existem outros nomes ,apelidos,para esses ofícios tão antigos,mas ambos superam os modismos que foram feitos para ser superados.Modismo é para passar de moda.E é uma prova de inteligência,pois produz vida.Faz série.
O único mal dos modismos é que existem muitos a acreditar demais neles.Aí vira vulgata,uniforme,gueto.
Não confundir pois modismos com o fato de Ricardo Darín -ator Argentino que tem sempre a mesma cara e ela é diferente sempre-com modismos.Ele é sim,um tremendo de um ator.Não faz o próprio personagem pensando nos próximos filmes.E lá está Ricardo,já está íntimo,depois de uma dezena de filmes vistos,a trabalhar talentosamente seu novo bandido.Semelhante ao que fizera em 'Nueve Reynas',uma década atrás.
Semelhante e completamente diferente.Esse de agora tem uma grande dose de humanidade.
É bandido bom ,ou seja, bandido que rouba bandido.Um Robin Hood portenho e que não é brega e nem tampouco moralista.
Não que bandido ruim não tenha tudo isso,mas é que de bandido ruim o cansaço nos enfadonha.
Ele sai da cadeia,após temporada breve,isto é ,eterna, e é saudado e temido.Está no Chile cujo cenário são aquelas pinturas:cordilheiras,seu retrato.
O Chile se faz misterioso.Suas pessoas fazem charme com esse enigmático no ar.
Não se vê terno amarrotado e nem sorriso desbotado,já que há pouco de sorriso.Parecem muitas vezes saídos de um abalo sísmico.Elegantes,contudo.Tristes também.Existem marcas sofridas.Existe muito ressentimento mal tratado.
Um dos grandes assassinos do século XX foi de lá seu Presidente.Por uma eternidade.
Na América do Sul,assim como na Central, em terras Africanas,no Oriente Médio,em vários cantos,vagabundos desse naipe fizeram história sórdida e fortuna.Independente se eram canhotos ou destros.E à revelia,as cordilheiras se movem.....
Tem puta,corrupção,dança,miséria,riqueza,cinismo,beleza,soldado e general, cafetão ,criança chata ,mulher perdida e que se encontra ( ela queria poder.Mulher inteligente) ,moça que pensa que não fala,marido com pinta de corno e até um alazão.
O alazão se reencontra com uma antiga paixão.Uma paixão humana.A puta se apaixona pelo não cliente.Esse não cliente é sábio.A puta entendeu.Ela tem ofício mais antigo.
São essas expressões ditas humanas que compõem o roteiro desse belo filme.
Dr.Freud gostaria de assisti-lo.Sigmund,seu nome primeiro, adorava perambular por Roma,pois ali testemunhava o inconsciente operando entre formações ditas modernas e o Coliseu,o Fórum Romano....
O filme não tem abomináveis "Happy Ends" para alavancar bilheterias rentáveis e talvez por isso equivoque,surpreenda.Ninguém tem pena,esconderijo meio cínico do ódio,da mocinha-protagonista que sofre.Uma ótima jovem atriz.
As cordilheiras estão nuas e cobertas de gelo.Parecem não sentir frio.
Elas se movem.Junto com o alazão e toda essa sobra. E é coisa à beça.

domingo, 1 de abril de 2012

Millorianas....de Fernandes

Não consigo reproduzir sensações ou experiências que foram atravessadas na vida,a não ser num relato pós- evento e editado por certo.
Uma das feridas narcísicas que a invenção do Dr.Freud nos trouxe - essa tal de Psicanálise- foi a de que estamos condenados ao atraso.Sua ideia de um só depois ,ou seja, de que a significação a ser dada ,para o que quer que haja, emergirá sempre depois, evidencia-nos uma impotência irreversível.E esse depois possui as suas gradações, ressaltando a importância do 'a cada caso' e do 'a cada situação'.
Existem criaturas mais reativas que outras.Ontem mesmo, peguei-me em delito de ansiedade: uma colega falava e uma suposta ideia - pretensão juvenil de aquilo fosse alguma ideia- caiu-me,emergiu,brotou na face.Percebi o fato ,após o brotar na face.Já tinha florescido e por pouco não atrapalhei a prezada colega,visto que desejava falar-lhe algo que julgava ser fundamental para mim.Quase a atropelei com algumas tolices astutas que calara antes.Aguardei.Aguardei um pouco mais.Aquilo foi eterno.Contudo,era necessário esperar.Faz parte de um exercício mínimo de quem tenta estabelecer uma conversa mínima.E pode ser ainda mais grave se o seu interlocutor/a em questão estiver lhe dizendo algo que lhe seja desagradável ou que contrarie seu ponto de vista,sua visão de mundo,suas convicções.Na mesma hora,pinta o cãozinho que nos habita.O cãozinho racista,fundamentalista,preconceituoso que escondemos das visitas pouco íntimas.
É aí que aparece a imagem de um grande brasileiro,morto há poucos dias: Millôr Fernandes.
Enquanto digito seu nome,um corretor ortográfico indica estranheza com relação ao Millôr .Nada mais normal já que corretores ortográficos binários não estão preparados para grandezas maiores,para essas figuras que se portam além da mera combinatória entre oposições,por conseguinte,da chamada criatividade.
São personagens que criam ( criação é algo bem maior que a mistura de elementos disponíveis e a sua possível combinatória) e inauguram novas formações,novos discursos.
Millôr nasceu Milton. O moço do cartório que fez o registro errou, ou a caligrafia estava confusa ,e ele lhe sapecou dois L ao invés de um único T.
Não houve maior alarde dentre os seus familiares por causa do equívoco.Aceitaram de prontidão o novo e raro nome.Pareciam antever preciosidades.
Nascera no Méier ,tradicional bairro da Zona Norte carioca. Ainda bebê,perdera o pai..Aos 10 anos ,despede-se da mãe.Fica órfão e a pobreza financeira lhe atinge.Passa a viver num quartinho ,nos fundos da casa de uma tia.Tia que lhe fora cara por toda a vida.Tem um irmão -não sei se teve outros - que se faz jornalista importante.Um dos principais do país.
Inicia trabalho ainda bem jovem e pagava para estudar com as economias que fazia.Retornava do trabalho e às vezes deparava-se com uma sardinha que o aguardava no forno de um fogão ,da casa da tia.Ela não se esquecia dele. E ele nunca se esqueceu desse fato. Foi muito pobre,quase miserável.Passara fome,antes da sardinha.
Estudou jornalismo e foi um dos mentores do Pasquim.Periódico fundamental para inteligência tupi-guarani ,sobretudo em tempos de gorilas com arcos e tanques e bolas e choques a tirar toda a nossa energia.Justo a energia daqueles cujo talento fazem esse planetinha azul girar e rodar.
Foi tradutor,escritor,ensaísta,enfim,um cara pensante e sem temores idiotas,apesar de reconhecer a idiotice nossa diária. Millôr foi talvez o maior filósofo brasileiro.Um dos seus maiores amigos, o cartunista Ziraldo,afirma isso com convicção.
Mudou -se para nossa pátria comum,Ipanema, e se fez notório.Inventou também aquele jogo ,maravilhoso para quem o pratica e terrível para quem passivamente o assiste e leva uma bola perdida no rosto, o frescobol.
Enquanto tradutor,é considerado,em versão brasileira, o maior de todos em termos de To be or not To be.Aquele toque a menos de Shakespeare,pois a língua dele não alcança a dimensão do Haver ou não Haver,essa sim a nossa questão fundamental.O que há deseja o que não há e continua desejando esse sumiço.Sumiço de Nirvana,mas continuando a desejá-lo.....o tal sumiço.
Li a sua versão para Hamlet e fui insone para o colégio.Passei a noite ,feito as obsessões paranóicas do seu protagonista, a deliciar páginas Millorianas.
Cutucava Freud e a psicanálise,não para destituí-la ,mas para provocá-la.Era um polemista genial.
Numa dessas, acredito que a protagonista-entrevistadora não entendeu,ele afirma a sua decepção com a historia da humanidade.'Um vexame.Veja esse século XX ,por exemplo!'
A apresentadora ,nascida no século citado e supondo-se uma maravilha televisiva,não gostou.Sua vaidade fora atingida em cheio.Não conseguiu mais entrevistá-lo.Ele era muito grande para o caminhãozinho daquela jovem senhora.
Millôr -Milton era pouco ou nada reativo.Botava o rosto para apanhar e bater.Incluía-se na porcentagem de idiotices que enxergava à frente.E era sábio.Tinha humor refinado.Era um cara corajoso e sofisticado na sua simplicidade.
Fui vizinho de Millôr,vizinho de bairro.Encontrei-o algumas vezes.Ele passeava.
Sua mente era ágil.Creio que Millôr tinha um tempo para significações,para tomar ciência das coisas bem mais rapidinho que a maioria de nós.Sacanagens de um demiurgo elitista?
'OH,Senhor!Dá-me um pouco de Millorices cognitivas!Sejas gentil para com os incautos!'
Ele foi um desses que se tornam contemporâneos do seu tempo.Portanto,eles são capazes de enxergar e escutar o óbvio.
Na verdade,invejava-o.Queria ser um pouco Millôr-Milton.

terça-feira, 20 de março de 2012

Boy Interrupted.Luto cultuado.

Dana Perry é uma americana corajosa e perdida.Ao menos até o capítulo de anteontem.
Essa típica estadunidense da alta burguesia realizou um documentário para HBO,em 2007 se não estou enganado, intitulado "Boy interrupted".
O documentário trata da saga da sua família em torno de suicídios ocorridos na mesma.
O primeiro deles data de mais de 40 anos.Irmão mais velho,creio que sim, do marido de Dana.Rapaz bonito e proveniente de família rica do Estado de Nova Iorque.
Cometeu suicídio colocando uma mangueira na boca;mangueira atrelada ao cano de escapamento do carro que, guardado na garagem ,supostamente segura,casa da mamãe,não o salvou.Ele conseguiu!Conseguiu?Sim,pois morreu.Conseguiu o quê mesmo?Deixemos em aberto por enquanto o caixão mais que lacrado.
Esse cunhado era menino de vinte e poucos anos.Casado. Todos estavam passando um fim de semana na bela casa de campo da afortunada família.Creio que era um desses 'Thanks Given' estadunidenses.Data religiosa das mais importantes por lá.Feriado nacional com direito a várias fatias de 'apple pie' e outras delícias.
Nada disso parecia interessar-lhe mais.Preparou o suicídio com antecedência.Ofereceu-o à família reunida.Uma tremenda agressão.
A família desorientada,a mãe do morto sucumbiu mentalmente a partir desse petardo,resolveu prestar-lhe homenagem.Construíram seu túmulo nos jardins da mansão sob uma escultura enorme ,produzida e encomendada a um artista espanhol.Virou sarcófago para um morto.
Uma década depois ,nasce Evan Perry,seu sobrinho.Quero dizer: sobrinho do tio morto.Seu pai,o pai do menino que acaba de nascer,era irmão do tio morto.
Evan cresce e vai apresentando projetos semelhantes aos do tio que jamais conhecera.Enquanto pequeno,ele tem olhar distante e comportamento diferenciado,segundo os pais.Ainda segundo os seus pais,ele era uma criança muito amadurecida para a idade.Por quê?Será porque pensava em se destruir ou coisa parecida?Ou seria mais um daqueles assanhamentos neuróticos de mãe que acredita que o seu bonequinho é mais bacana ou menos bacana que todos os outros bonequinhos?
O garoto tinha visíveis comprometimentos emocionais e dificuldades em se adaptar às atividades que lhe concerniam.Faço aqui uma pequena digressão para garantir que também tive certas dificuldades adaptativas,ou melhor , ainda as tenho.
A mãe passou então a documentar,registrar,filmar o crescimento do rebento.Coisa mais insuportável.Por mais que tivesse sérios problemas,aquilo promovia um recorte em cima do garoto que tornava tudo o que era proveniente dele tão especial! Sobretudo as birutices,as chantagens, a sua tristeza em viver.
Escola especial,depois uma regular.Ali,aos 13 anos, escreveu umas peças de teatro,ensaiadas no colégio .Curiosamente,os tais colegas se divertiram muito com a peça escrita pelo tal prodígio da mamãe.
Seu pai tem outro olhar para o filho.Um olhar assustado por causa do trauma vivido,décadas antes.Trata o filho como um doente e não o idolatra por isso.É um homem de olhar triste.
Evan Perry tratava da própria morte.Era um diletante funesto.Curioso....ainda restava vivo.E preocupava-se, como em qualquer boa neurose, com a reação dos que sobreviveriam ao seu enterro.Parece que acreditava que seria possível estar presente nele,depois de morto.AH!AH!AH!AH! Piada de Vaticano!Ninguém lhe ensinou direito essa anedota.Ninguém tampouco lhe perguntou se ele entendia o que era morrer?O que significa nunca mais?Cadê o titio?Sacralizado em seu gesto tão comum: o de querer morrer.Todo mundo quer ....um pouquinho.
Evan Perry frequentava um Psiquiatra que fora corajoso ao prestar depoimento para o filme da mãe.Não estava nem um pouco confortável.Na minha opinião,tinha medo desse cliente.Parece que em certa passagem do documentário,o Dr. confessa isso.
Relembrei uma paciente que também declarava suicídios no horizonte.Eu fazia supervisão com o meu mestre e analista sobre esse reencontro.Isso foi a tempos.Também estava nervoso,inseguro, com toda aquela agressão camuflada de depressão.
Viciada em coisas brancas que se colocam no nariz, era jovem e bela.Seria parente do Dr.Fliess,colega querido do Dr.Freud?Um famoso médico, do seu tempo de Áustria, que pesquisava sobre narizes e psiquê...
Também era rica e mimada,essa minha paciente.Rica financeiramente ,pois a pobreza em outras regiões era comovente.
Alardeava que ia se matar.E eu ali firme:cagando-me e andando-me, tal qual me ensina o mestre.
Ela me perguntava se eu não iria mais atendê-la e eu lhe dizia que enquanto estivesse viva é claro que sim.Caso contrário,não seria mais comigo o papo.E com mais ninguém.Nunca mais.Será que o jovem Evan,esse garoto com o qual perco meu tempo aqui,tinha a dimensão dessa irreversibilidade?
Um dia ,a moça, bela paciente, entrou com uma arma e depositou sob a minha mesa de trabalho.Disse que eu ficasse com ela.Ela dormia ao seu lado,a tal arma.
"AH! Então você arrumou um novo namorado"?- teria lhe perguntado.Ela sorriu e depois chorou.Havia desistido de algo que, creio eu, é um direito para qualquer um,mas a maioria de nós não sabe o que faz.
Suicídios não são sinônimos de fracassos clínicos.No consultório do Dr.Lacan houve alguns,segundo seus biógrafos não autorizados.E Lacan foi um gênio da clínica.
Evan tinha, de acordo com o seu psiquiatra,transtornos bipolares - iguais a quase todos nós- e outras esquisitices.Tomava lítio.Um famoso fármaco para crises psicóticas.
Quem o escutou parece acreditar numa única saída: a medicamentosa.
O garoto já estava ,desde sempre ,entupido por drogas pesadas.
Compreendo o pânico familiar,mas é preciso rever certas coisas.Esses medicamentos,fundamentais em muitos casos ,são também perigosos.Todos trazem efeitos colaterais importantes,sobretudo se ministrados com pouco critério e por longo tempo.Afetam a memória,o metabolismo,o sono,a frequência cardio-respiratória,dentre outros 'side effects'.
O cérebro tem reações e características eletroquímicas.Não resta a menor dúvida.A mente tem tudo isso e muito mais.
Não são endorfinas e dopaminas ou certos outros neurotransmissores a fundamentar comportamentos ,escolhas,desejos,angústias.Eles são meras formações que atuam no nosso organismo.Esquecemos ,por exemplo, que existem mais células nervosas espalhadas pelo nosso tubo digestivo do que no nosso cérebro.
Ancestrais japoneses creditavam grande poder aos intestinos da vida...Diversos estudos revelavam que alguns deles acreditavam que a nossa dita psiquê existia por ali.Seria divertido,não?.'Hoje, botei uma neura vaso abaixo!O problema foi o cheirinho.Então que se chame o Dr.Fliess'!
O que se quer dizer aqui é que não se deve fundamentar a depressão pela pouca presença ou ausência desse ou daquele neurotransmissor,e sim enquanto efeito sintomático das diversas peças de uma complexa engrenagem.
A substância química que não está sendo secretada numa intensidade satisfatória - e isso se assemelha muito a resultados obtidos num exame de sangue para se avaliar ,por exemplo, dados relativos a lipidogramas ou se o número de plaquetas no sangue está na quantidade exigida, etc- é resultante de outros processos de articulação mental.E para cada Evan que há por aí.Cada Evan que somos nós também.Nós tampouco.
É bem provável que a angústia daquele olhar de pai triste fosse fruto de um luto postergado,na verdade por vir, e de um outro que perpassa a história daquela família.
Transformaram uma obra de arte em melancolia para sempre.
Existem perdas que não são superadas jamais.E isso é doença grave.Forma uma lesão,tal como uma fratura e seus pinos a lhe acompanhar pela vida inteira.Um novo esqueleto.Contudo,tão somente esqueleto.
Doutor Freud não era lá um grande frasista,mas um grande pensador e outro gênio da clínica.Teve culhão para analisar sua própria filha,Psicanalista famosa, e a namorada dela,numa época em que escolhas como essas,nada mais normal,poderiam render uma prisão ou quem sabe uma fogueira?
Todavia ,relembro uma frase sua,na verdade o sentido da frase já que não estou seguro se foram essas as palavras proferidas, e que exemplifica um pouco o que se poderia encontrar num quadro de melancolia mais grave: " Numa grande tristeza existe um buraco enorme no mundo.Numa melancolia há um buraco sem mundo".
O problema é que existem os truques canalhas de quem pratica tais esportes.
Para quem era a última carta ,escrita e largada para sempre na tela do computador ,desse jovem norte-americano debutante de 15 anos?
Se a vontade ,ela nos pertence a todos ,de gozar absolutamente para não restar mais nada,gozar da e com a morte que não há,diante do abismo sem mundo?O que o prendeu por mais algum tempo?Para quê a tal mensagem derradeira, sem destino,sem interlocução?Por quê sucumbir às pressões que se despreza e que não são tão minhas ,pois o mundo não há ,nesse buraco fundo?Esse mundo que posso fingir não ser tão meu também.Bela estupidez.
O olhar distante daquele pai perdido é olhar de quem ainda não viu.Talvez não enxergue jamais.De quem não conseguiu se distanciar o suficiente para não ficar tão parecido.
Alguns vínculos são indestrutíveis porque são da ordem de uma neo-etologia. Coisa de bicho.
Talvez uma das razões pelas quais nunca quisera ter filho.Sou bicho assumido e a minha maluquice não será herdada.Acaba por aqui.