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quarta-feira, 16 de julho de 2014

Não falarei mais sobre isso. De mentirinha.

Doeu. Se não tivesse sido doído não haveria tantos comentários, conversas na esquina, piadinhas.Ainda que de indignação. As piadas são boas. Inteligência como sinal. Reverte uma posição dolorida transformando-a em gozação sobre o que quer que esteja. E que nos perdoem os moralistas de prontidão. São os mesmos tarados que não saem do armário para o que quer que haja e o que se possa. O verdadeiro racismo contemporâneo esconde-se assim. Não está no caricato de uma suástica ou uma discriminaçãozinha - que todos temos em algum nível- aqui ou ali. No Brasil o que é da nossa lavra tem que ser destruído. O que vier da estranja- sobretudo Europa e Estados Unidos- sempre muito valorizado deverá ser. Mesmo que lixo seja. E eles sabem. Por isso, deitam e rolam. Seja no gramado dos campos de futebol ou em outros campos; em outras áreas e com outros artistas. Nas articulações políticas então....
Em 1970, abraçado a uma bandeira que trazia um urubu enquanto escudo-símbolo - ave sem vergonha que finge não ter predador- ouvi uma história contada por meu pai sobre aquele campeonato de bola mundial e que era- nesse ano setenta- disputado no México. Curioso: para as emissoras outras o México fica - está correta essa afirmação- na América do Norte. E para uma determinada filial oficial estadunidense localiza-se na América Central.
A história encantava o fato de que quatro ou cinco feras, leia-se jogadores, do então técnico- naquele momento ex-técnico, João Valentão Saldanha-, alertaram  o técnico de direito e seu substituto , Zagallo, que o esquema de jogo pensado até então estava equivocado. O esquema do comandante anterior deveria sofrer razoáveis modificações, segundo os jogadores. Dentre os manifestantes, um rei negro. Zagallo é uma pessoa inteligente, séria, ambiciosa, e tendo visto o que acontecera com seu antecessor, acatou a  reivindicação sugerida. Existem outros pais a encantar pequenos com as suas histórias que garantem que aquela conversa teve um tom um pouco mais forte. Feito zagueiro robusto ao despachar para o mato a pelota, sem escrúpulos, pois o carnaval e suas bandas valem campeonato. O resultado dessa mistura de feras, acolhimentos e gladiadores, a gente sabe e se orgulha. E joga a história para frente.
O que dói, como diria Saldanha - e esse é um lamento, quase epifania,  de um lendário jornalista na sua última transmissão pela Rede Manchete, na Copa de 1990, ao antever a eliminação da equipe para a Argentina de Don Diego Maradona-, é que existe material humano nos nossos lados  para se fazer direito.
De uma década para cá, a seleção de futebol do Brasil e seus órgãos incompetentes confundem Copa das Confederações  com o campeonato mundial que vem a seguir. Esse torneio- confederativo de mentirinha- existe de fato para checar se o país sede obteve a média mínima no dever de casa e para que os bancos suíços e afins ( seus inúmeros sócios)   faturem sem parar-, virou uma micareta carnavalesca. O carnaval de fato vem depois. A micareta é a preliminar do jogo. E as preliminares são importantes em todos os jogos sexuais. O time brasileiro tem estado muito bem de micaretas. Contudo, quando o torneio é para valer- outras coisas por fazer- o amadorismo desfila passarelas. As equipes europeias na sua grande maioria - e isso já foi dito por gente do meio esportivo de lá-não estão tão interessadas em micaretas. Interessam-se pela guerra sem fim entre eles - uma tal de Eurocopa- e até pela Copa Oficial. Se deixarem seguirão o bloco de mijões mais próximo. Porém, o que almejam mesmo é conquistar outras batalhas. Portanto, seriam eles mais ambiciosos? Menos conformados com o que já fora ganho? Visto que esses artistas de passar bolas ao chegarem nesse patamar já conquistaram independência financeira, prestígio, fama? E cada vez mais jovens são esses protagonistas, num esporte em que se pode postergar cada vez mais a aposentadoria graças aos avanços da medicina, da fisioterapia, da nutrição e quetais. Atleta de fuleca se metamorfoseou de fisiculturista com velocista. Junte-se a isso um empresário e um marqueteiro sem freio para suas perversões e o resultado pode ser um vexame na terra pátria mãe pouco gentil. Nesse caso, pelo menos.
Outro fato se impõe: por que canarinhos não conseguem voar mais alto quando podem? Não foi o caso de agora, pois não eram os tais com a fuleca pelos pés. Se a memória não nos abandona, nas Copas de 1982 ( malabaristas sem igual) , 1950 ( pelas circunstâncias, pelo mando de campo e pelo time) e 2006 ( por causa da artilharia que dispunha) , a turma que jogou esses torneios era de primeiríssima. Então em que posição jogou o erro? No esquema pouco contemporâneo dos professores doutores da pelada? Na convocação dos reservistas menos preparados para essas guerras desportivas? Reservista que se preza hoje em dia tem que ter ótimos contatos na estranja. Uma mediação política que decide escalações.
Pois bem. Antes mesmo do enfrentamento que se faria derradeiro nessa enganação de anteontem, o vira-lata que não se assume como tal ao procurar por um pedigree distante e que não percebe que virar as latas todas lhe dá uma condição de flexibilidade, de expansão cada vez maior de conhecimentos, assiste ao viaduto padrão negligência em se erguer, vir abaixo. Soterrou uma trabalhadora do transporte público , sempre desprezado, e um outro civil em seu carro privado. Dias depois, na mesma cidade do monumento mal arquitetado, a petulância associada à incompetência desmoronou diante da engenharia germânica. Um genocídio futebolístico num horizonte nada belo. Fuzilamento implacável e que fora testemunhado por meninos e meninas de olhar esperança. A única fantasia respeitável naquela multidão de sonâmbulos. Sonho para dormir? Durmo para sonhar?
Mantenho com essa pátria uma relação inquebrantável de afeto. Fazer o quê? Felizmente, existe gosto para tudo e o meu esquema tático na manutenção dos vínculos continua com laterais que apoiam e volantes solidários com a artilharia. Que a nossa bola seja sempre macunaímica. Que um pensante-inventivo, Miguel Nicolelis- camisa 10- possa continuar produzindo golaços-próteses Pode ser  o gol da rodada, um gol Nobel. Em horário nobre. Ele também brinca de Pelé e Mané.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

1974-1994-2014, O primeiro beijo e a primeira Copa. Desilusões.

Soube , mas não li, que a escritora e jornalista Míriam Leitão escreveu um artigo intitulado " A Copa da Minha Vida".  Um ótimo título para se tagarelar sobre o carnaval suíço- canivetes, relógios e vultosas cifras bancárias - que nos assombra a cada 4 anos. Parece até desconjuro de ano bissexto. Aquela voltinha do planeta terra que deixa o mês de Fevereiro um tiquinho mais comprido.  Pensei em falar sobre isso numa entrevista para uma televisão holandesa, para qual uma amiga estava realizando um trabalho, antes dessa Copa do Mundo de 2014 começar. Infelizmente, não rolou a tal entrevista. Eu falaria sobre a Copa de 1994, mas que nem de longe foi a minha Copa inesquecível. A Copa de 1994 me fora sugerida porque a seleção brasileira de futebol venceu esse torneio depois de quase 25 anos de castidade. Portanto, um gozo aguardado tantricamente.  Talvez por isso é que freudianamente se pode aferir que, quando ocorreu de fato, o tal gozo aguardado em bodas de prata, ele se mostrou muito aquém do que aquilo que fora requisitado, ou seja: um gozo total.
Fato é que nesses idos de 90s ( american way)  a expectativa era outra. O país aguardava pelo resultado que uma novidade monetária-  que se propunha  reger as suas economias isto é, os seus ou os nossos, tesões, poderia apresentar. Uma espécie de trampolim de salvação para algo que se desenhava como impossível. O Brasil era uma piada mundial. Não se levava a sério uma economia que apresentava índices inflacionários de 3 ou 4 dígitos ao ano. Sem contar os índices de desenvolvimento dessa espécie que por aqui - até hoje- não são dos mais elogiáveis. Foram tantas as trocas monetárias- em três décadas houve pelo menos umas cinco-  que por pouco não se retornou a períodos primevos da nossa civilização onde podia-se cambiar um cordeiro por uma casa no campo ou título de nobreza. ' Eu quero uma casa no campo'...Canção de ilusões.Quem sabe não foi uma sábia previsão de Zé Rodrix?
Na entrevista não concedida, falaria-se sobre a expectativa desse novo momento para um jovem de 28 anos. O jogo de bola teria ficado num segundo plano sem acréscimos ou prorrogação. Morte súbita já experimentávamos desde sempre. O país sede- para essa hollywood-cup- não tinha tradição alguma no esporte. A maioria dentre a sua gente não sabia porque a bola, desenhada com os pés e que buscava por alguma consagração não tinha aquele formato de dirigível, um Zeppelin Fuleco, e que o Football estadunidense utiliza nas suas arenas. Além da disponibilidade, lúcida e generosa, que o futebol ( soccer para eles) viabiliza aos seus praticantes quando decretam o empate ( um armistício desportivo)  ao fim de uma batalha .  Repartem ali, sangue feito de grama, os trunfos de uma igualdade momentânea. Porém, postergando-se tal igualdade chegamos a  mais uma ilusão. Desde a declaração dos direitos humanos- após a guerra que parece não ter fim-, que a mentira sobre uma igualdade, impossível de fato, só nos afasta do que nos especifica.
Em 1994, a lembrança se mescla com as cenas de um 1974 ( 40 anos! ) e que desabaram sobre a cabeça, hoje pelada, feito um torpedo à Rivelino ou um furacão soprado de Jairzinhos. Quem disse que não ocorrem tornados abaixo do Equador? Pelas pontas, naquele período, ainda à direita. E não somente à direita das cabines de rádio ou à esquerda das tribunas de honra e cujo público que ali frequenta muitas vezes não merece honraria qualquer. 
Hum mil novecentos e setenta e quatro - era assim que se escrevia num talão de cheque, hoje um quase objeto para leilões e sebos-  foi a data que marca a estréia do pequeno ser- 8 anos então- nos mundiais futebolísticos.O primeiro jogo aconteceu num Sábado à tarde. Casa de amigo primeiro. Parece título de nobreza, e é. O amigo primeiro era o único irmão da menina do primeiro beijo. Ela treinava com os amigos do irmão a performance bucal, linguageira, para poder beijar futuros amantes entre boas e más maneiras. Olhinhos cerrados e ponto. Iniciados pela mocinha bem mais experiente que a gente. Claudia já tinha 10 anos de idade. Depois, descobrimos que esse órgão muscular- relacionado ao paladar e localizado na parte ventral da boca , segundo estudiosos-, chamado de língua, podia movimentar-se para os lados, para cima, para baixo, para outros órgão também podia. Vivendo e desaprendendo e aprendendo de novo. 
Não queria  portanto que a copa - realizada em território alemão, 1974- acabasse tão cedo. 'Pôxa ( expressão dos anos 70); Agora que a vida faz algum sentido, ele acaba? O sentido? Talvez? Mas qual? O da língua! Aquele gosto novo, macio. Aquele 'pas de deux' entre germes, fungos e outros micro elementos taradinhos. Aquela menina generosa e sua existência castanho-claro com óculos desde cedo a lhe facilitar as audiências. O irmão não se importava. Desfrutava de uma casquinha vez ou outra. E se divertiam à beça. Risos francos sem constrangimentos ou falsos moralismos. Enquanto essa felicidade aparece em memória, um livro de Marcel Duchamp se ilumina na mesa ao lado. Um pouquinho da sua história e por ali circulava aquela sua irmã predileta. Aquele tesão proibido que se articulou de um outro jeito, de outras formas.
Vinham de família da alta burguesia- os amiguinhos beijoqueiros- com toques de nobreza diplomática. A mãe se tornou consulesa na Itália. A madrasta  por sua vez figurou de comandante num famoso hotel. Um cartão postal mundial de uma cidade conhecida como: Bacanas em Copa. As melhores e piores coisas - e por coisas tomemos tudo o que a nossa ignorância pode alcançar ou não- ocorrem em camadas extremas da sociedade. Aqui e somente dessa vez ( algo difícil para quem é viciado nisso) uma pequena digressão de quem aprendeu - com outros mestres e línguas próprias-, que um dos males que acometem certas produções científicas nesse país verde-amarelo e também com a  famigerada Psicanálise é que ela está nas mãos de uma classe média paralisada, estacionada, cínica e encagaçada. E da América Ladrina. Não estou tirando o meu da reta. Muito pelo contrário. Até porque não há como fazê-lo. Qualquer ato de denegação evidencia a afirmação daquilo que está sendo negado e portanto recalcado, esquecido. Afastado do que se conhece como consciência. Nos anos setenta era comum a expressão 'semancol'. A figura insistia na recusa de não se mancar. Hojendía, fala-se em 'sem noção'. E os sem noção se multiplicam. Retornamos à Copa e algumas vicissitudes. 
Assentados conforme o tamanho do traseiro de cada um, aquele primeiro jogo ( Brasil x Iugoslávia em 1974) terminou empatado. Algo que um estadunidense e sua voracidade típica não se conformam. Preferem até mesmo perder e sofrerem com a humilhação em serem xingados de 'losers' ( ofensa grave por lá) àquela igualdade impossível.  No máximo algumas aproximações. Pode-se dizer o que se puder sobre eles, mas o pragmatismo que os caracteriza é de uma lucidez invejável.
O segundo embate foi contra a turma que veste uma saia colorida, eles a chamam de 'kilt', e são amamentados por um bom destilado. O embate foi testemunhado naquele colégio onde não me sentia tão bem. Tinha modos de uma prisão. Meia três quartos no vestir, hino nacional a ser cinicamente cantado ( adoravam cortejar a ditadura vigente) e um clima de esnobismo no ar. Típico de uma classe média com aspirações de deslumbramento. O primeiro dia foi terrível. Separando-se da mamãezinha, apavorado. Quem disse que sintomas próximos com o que se xingam as pessoas de autistas ou outras querelas não se apresentam a qualquer um enquanto mera possibilidade? Estão presentes em todas as mentes. A questão é saber onde está o gatilho para se ver como fazer.
Uma televisão com imagens preto no branco, pequenina e colocada no centro da sala de aula, encantava os pequenos. Era uma espécie de recreio extraordinário. Novamente o embate terminou empatado e com os mesmos gols não marcados. 'Cadê o Pelé?' - alguém reclamou. 'Parece que amarelou'- concluiu um segundo especialista. ' Vai se tornar astro de cinema estadunidense'- profetizou erroneamente um terceiro colega, cujo pai havia morrido e ele para mim era uma criança infeliz. Um dia, o namorado da mãe veio acompanhado-a num evento escolar. Ele fingiu um sorriso. Esse evento celebrava o dia dos pais. O filho sabia. Perguntei-lhe se queria o meu emprestado, mas ele disse que não era preciso e que estava bem. Leonardo, seu nome próprio, era o melhor aluno de matemática da minha série e eu tentei persegui-lo nesse talento durante algum tempo. Houve até um campeonato de matemática em que os nossos acertos eram metaforicamente transformados em espaçonaves feitas de papel ( espaçonave brasileira com tecnologia de época e própria).  A cada acerto a espeçonave -e que fora desenhada por cada aluno- avançava universo a dentro. O filme de Stanley Kubrick , 2001 Uma Odisseia no espaço, era realidade recente. Kubrick parece que anteviu que o século XXI teria início em 2001 mesmo. Só que não foram naves e sim uns aviões malcriados, meio tortos, cambaleantes e repletos de boas intenções a assombrar os céus de Nova Iorque , num Setembro iniciado.
Eu  admirava Leonardo do alto dos seus 8 anos incompletos. Contudo, como seria sem o pai? Já entendi que ele morreu, mas porque não retorna para jantar? Essa é a pergunta freudiana para exemplificar a não inscrição de morte no inconsciente. Fora feita por um garoto da sua época. E o mestre vai nos indicar então que aquilo que conceitou como Inconsciente- e que se tornou frase qualquer do botequim ao lado, mas profundo-  não se trata de  um adjetivo, e sim um substantivo. Melhor dizendo: uma estrutura.
Veio o terceiro embate contra uma seleção africana cujo país mudou de nome: o Zaire. Finalmente, uma vitória convincente. A primeira para o garoto. E depois houve mais um. Novamente contra um país que não há mais: Alemanha Oriental. Cabe o esclarecimento. A Alemanha comunista morreu no fim dos anos 80 , início dos 90, século passado. Juntou-se ao lado Ocidental e rico. Apesar dos muros e afins fizeram um pacto durante essa copa de 1974 - disputada na Alemanha Ocidental- para que fosse ela, a oriental e não a anfitriã, a enfrentar a seleção canarinho nas oitavas de final do torneio. Quanto receberam pelo acordo é segredo que nem os muros derrubados revelaram. Afonso Romano de Sant'Ana, poeta brasileiro, escreveria 15 anos depois (1989) que algo se erguera sobre ele com a queda desse muro. Bonito texto. Então, contra essa parte oriental da Alemanha, o craque Rivelino e sua patada atômica decidiram a peleja numa cobrança de falta.
Em seguida, as quartas de final que costumam ser os primeiros jogos mais difíceis para quem almeja acariciar troféus ao final da brincadeira de bola. E não poderia ser outro senão o vizinho mais conhecido e odiado, porque muito querido em algum canto da alma.: aquela Argentina. Aquele sintoma clássico que está mais ao sul e que sempre pretende se fingir de alguma outra coisa que tenha lhe atingido via a vetusta - quiça sofisticada- Europa. Primeiro jogo colorido. Televisão recém comprada na loja que exibia essa novidade da tecnologia de outrora: a vida mais colorida. Tudo isso se passando na casa de um tio que nos levou após a partida para um boteco em que ele iniciou pós graduação. Tornou-se pós-doutor e sócio atleta do local. É quase uma lenda por lá. Bebeu com os amigos e a garotada brindou com umas balinhas infantis. Ah! A seleção venceu por  2 x 1 ( O furacão Jairzinho ainda a soprar e Leivinha. Os seus algozes), e alguns garotos tornaram-se pós doutores em outros botecos afins.
Numa tarde-noite de uma terça-feira ( o dia da semana pode não ser bem esse, mas passa a ser), do mês de Junho de 1974, fiz um dos primeiros lutos da vida. A esperança morria diante daquele aparelho - nesse caso descolorido pela apatia do resultado- e da irreversibilidade do fato. Não se podia passar o jogo novamente e mudar o seu resultado. Aquele chute torto, aquele goleiro feito de intransponibilidades, aquela falta equivocada, A equipe atônita diante de uma laranjada que não se fazia com laranjas tropicais. Não se conhecia aquele sabor. Pareciam o menino e seu beijo primeiro. Aquela formação boca macia de uma menina. Não havia rede de satélites, faxes, e-mails, internet, celulares e outros brinquedos deliciosamente chatos de hoje. Um autorama era o máximo que um garoto queria para se pretender Emerson Fittipaldi  ou Ronnie Peterson. Esse último foi um sueco que voava com armas gravíticas. Morreu asfixiado pela fumaça do seu carro que se incendiou na largada de um desses grandes prêmios. 
Ninguém naquela comissão técnica tinha estudado o esquema dos caras da Holanda. Achavam que Van Gogh poderia estar no ataque batendo bola com Rembrandt ou até um Spinoza, excomungado por todos os lados, a provocar algum Erasmo e o seu catolicismo fervoroso. Partida entre artistas e artistas. Chamados filósofos. O Ajax, clube da capital do país, era tricampeão europeu e a base daquele mágico sabor laranjada. Não se conhecia a artilharia inimiga e tínhamos o caneco anterior nas mãos ( 1970). Ignorância ao transar com arrogância pode ter efeitos colaterais amargos. Era coisa de um outro mundo. Hum mil novecentos e setenta e quatro teve início há muito tempo e prossegue por aqui. Não mais pela caneta esferográfica a dar-lhe sentido, mas pelo tec-tec de um teclado computadorizado com seu binarismo contemporâneo. 
Já não há lembrança se havia escola descente, transporte tampouco. Segurança pública era desnecessária , pois os militares e a sua autossuficiência- que se revelaria impotente com os anos a correr- supunham possuir uma blindagem intransponível. Nas cidades, cujo crescimento era histérico, as favelas se multiplicavam. Nunca aquela planta- daí a etiologia do nome que batiza esses condomínios- pudera supor que brotaria de tal modo e com tamanha extensão. Ao lado da janela do quarto de dormir ( Nosso obrigado a Beto Guedes pela canção),  hoje, exibe-se um  monstro tal, arquitetado pelo poder público e com a cumplicidade da sociedade civil, podendo-se avistar nesses dias de inverno- verão ( é bipolar a estação)  a destruição que um dia se chamara de engenharia. Vejam no que transformamos a cidade ex-maravilha! Esse engalfinhar de cimentos, pedras e rochas e almas penadas a viver imprensados e imprensando a todos os  mesmos. Ah! É que o espaço por aqui é curto- advertiu um moço que destrói sonhos. E um certo tipo de ganância é a mãe de todas as histerias- lembrei-o.
A única manifestação que importa, pela qual insisto em gozar, e com palpitações e um corpo aquecido pela tara que nos estrutura é daquele primeiro esbarrão de línguas e lábios da minha infância presente. Toda neura perece de infantilismos.Obtenho de retorno esses nossos 8 anos que prosseguem.