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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O alimento' tablet'.

- O serviço até que foi bom. Veio rápido.
- Não seja tão implicante. A comida também estava uma delícia. 
- Mas eu não comi nada! Você não percebeu?
Seria quase impossível notar. A não ser que tivesses uma visão periférica estupenda. Daquelas que os bichinhos répteis, aqueles lagartos e seus parentes mais invocados, os jacarés, possuem. São mestres na arte de revirar olhinhos, esses bichanos. Em breve, algumas moças poderão adotá-los e até estabelecer uma união estável. Proteção sem igual. 
Desde o momento em que entraram no restaurante, aquela família demonstrava que tinham pressa. Mamãe, papai e o casal de filhos. A menina- deixe a imaginação nos guiar- deveria ter uns 17 anos. O por quê dos 17? Um número bom. Talvez porque esteja sendo celebrado os 30 anos do retorno à pátria de São Sebastião, após um exílio de oito anos no planalto central do Brasil.
O menino, seu irmão- com quem ela passou parte da noite a implicar e desdenhar da sua simples existência- devia ser mais jovem. Talvez uns dois anos a separar os irmãos. E nessa fase da vida, podem fazer muita diferença. Muitos tabus- um tipo de neura reforçado pela cultura- passam a ser enfrentados, desafiados, pelos que acrescentam dias a mais no seu currículo. Meninas ou meninos que custam mais a perder a famigerada virgindade, por exemplo, podem sofrer represálias, humilhações. É o tal do bullying. Uma expressão americanizada do norte e que em bom Português significa sacanagem contra outrem. Sabemos, mas pode-se fingir  que não, que as crianças podem ser muito cruéis.
Conhecimentos que podem advir da escola ou na academia de ginástica ( arte marcial é um conhecimento e dos melhores)  valem - ao menos valiam- créditos na poupança da arrogância juvenil. E isso se dá em qualquer recanto, independente da condição social.  
Quando participei, durante alguns anos, de um grupo de pesquisa de campo, numa das comunidades mais pobres e violentas do Rio de Janeiro, início dos anos 90, conhecemos mães adolescentes com seus relatos que indicavam a gravidez como possibilidade- a única para muitas- de um futuro melhor. O melhor aqui é romanceado. Um mero futuro. E já era muito. A maternagem tornava-se cada vez mais, sobretudo nessas comunidades ditas carentes, um sintoma de posicionamento social relevante no mundo- aquisição de um poder-, sem contar o sonho ilusório de uma completude a ser alcançada mediante ato de procriação. 
Algumas das jovens chegavam a procurar os postos de saúde dessas regiões- com toda a precariedade que até hoje há- para indagar dos médicos o quê se fazer para engravidar, por exemplo. ' Ganhar neném, seu 'doutô'. O médico também relatava os seus embaraços e as suas dificuldades em lidar com tudo isso. Afinal, os códigos são muito distintos.
- Você quer saber sobre métodos para não engravidar, anticoncepcionais,  não é isso menina?- aflito, o doutor lhe indagava.
- Não 'doutô'...É para ficar prenha mesmo, É isso o quê mais quero.- ria alto, sem o menor constrangimento, a futura mamãe. Independente do que pensasse o código moral do tal 'doutô'. 
Na sua visão tacanha, tosca e ingênua , mas não burra, a adolescente, na faixa etária dos 12 aos 15 anos, ao engravidar de alguém com bastante poder na comunidade _ um traficante , também jovem, mas não tanto-,  adquiria prestígio imediato. Tornar-se-ia uma espécie de primeira dama do pedaço. O que não computavam em seu delírio juvenil é que o mais provável é que viessem a se tornar uma das muitas outras viúvas do mesmo pedaço. Afinal, os caras, os noivos escolhidos, não sobrevivem tanto tempo. Antigamente, e isso não é lenda, viviam muito mais. Dito por um sábio que malandro bom joga limpo. Colhe frutos desses dias a mais vividos com astúcia. Merecem respeito. Não se conformam com o não futuro que o Estado degradado brasileiro lhes reservou para sempre. Salvo raríssimos heróis ou heroínas, será bem previsível o seu devir. 
Nessa mesma época, um escritor-jornalista, com bastante prestígio na cidade maravilha, escreveu um livro que fez sucesso. Foi quase um 'Best-Book'. Contudo, houve um desencontro radical entre o que ele dizia e o que nós íamos encontrando. Os fatos colhidos, das nossas andanças nessas comunidades difíceis de se transitar , transar, da cidade. E quando houve ousadia ao indagar se o tal livro de sucesso não teria dado uma empurradinha para o túmulo no rapaz- traficante de uma outra região não menos perigosa e que lhe dera a entrevista arriscada, ou seja, abriu a matraca e falou dos outros companheiros de delito, fossem eles rivais ou não, e também sobre a polícia e sua falta de inteligência logística e outros quetais que circundam o universo policial-, a coisa ficou mais séria. O vetusto senhor da imprensa passou a nos boicotar. Recusava artigo ou entrevista que tivesse algum de nós envolvidos. Viramos, aos seu olhar e credo, nenhum de nós. Igual a nome de banda musical famosa.
Depois do massacre ocorrido em Vigário Geral ou daquele outro crime brutal ocorrido na porta da igreja da Candelária, ambas aniversariando 20 anos, qualquer piscadela fora de ritmo poderá custar caríssimo ao desafinado piscador e seus adjuntos. Ele também tinha um coração, bem sabemos, João Gilberto. E ele parou de bater, apesar do pouco tempo de avenida. Já que o compasso acertado dita a roda do mestre bamba. Seu destino.
Aquilo tudo que presenciamos era muito precário. Aquela vida empobrecida nas mais diversas formas de existência. Ao mesmo tempo, quanto vitalismo! Que tesão pela permanência! Se houvesse reflexão mínima- algo raro independente da condição social- a violência seria ainda maior. Por essas e outras é que as instituições religiosas multiplicam-se. Vou dizer algo que pode parecer incoerente para quem trava questionamentos e críticas contundentes sobre esses credos todos. Diante do abismo social e intransponível ao qual chegamos, juntamente com a explosão populacional, -e isso também justifica a permanência política de posturas advindas da Revolução Francesa, ou seja, esquerdas e direitas-, essas instituições assistencialistas opressivas e os seus códigos de conduta condenatórios, moralistas, e ainda por cima vendedoras de ilusões, são uma espécie de mal necessário. Ao menos pelos próximos 50, 100 anos. Não há inteligência analítica para se operar com material tão complexo. Ressalta-se: sem chiliques, ataques, barbárie, racismos...Talvez o maior golpe de Estado- golpe oficial- que houve nos últimos tempos foi a renúncia do antigo papa- o alemão- em favor desse atual. Decisão inteligentíssima. O eleito entendeu tudo da contemporaneidade e sua vocação- não é de agora , mas de um quase sempre- em puxar para trás quando certos poderes insistem na sua vocação de  progressão. O que é caminho espontâneo, dito natural. Mesmo que nessa progressão compareça de tudo.  Feito manifestação de rua. Separar, fractalizar, desconfigurar, conhecer, considerar, distanciar-se, integra o pacote da análise dos fatos.  A procriação de artefatos, via tecnologia, desconfigurou, degradou, muitas crenças. Portanto, o Estado que não consegue se antecipar às demandas, tornar-se contemporâneo de sua época, estará sempre em atraso. Diferentemente do que se observa nas nações mais progressistas, de fato, tais como os estados escandinavos. O Brasil e outros tantos países vizinhos, e outros mais distantes somente do ponto de vista geográfico, estão atrasados. E ele se arrasta, o tal atraso valorado.
No Rio de Janeiro, seja da favela com meninas de barriga precocemente contentes ou da favelização mental da roupinha mais engomada de qualquer dito bairro nobre, observa-se a fóbica atitude - tentando camuflar possíveis perversões- de mandatários diante de crises tão comuns. Corrupção, rivalidade, erros, acertos, negligência, cinismo...Esse pacote compõe qualquer governo. Esteja à esquerda ou à direita. Se lúcido estiver, alternará posições com maior frequência diante das demandas. E isso não constitui inconsistência de ação ou covardia. São as tais posições ad hoc que determinadas instituições e estados já entenderam e procuram colocar em prática. Toma-se, no senso comum do não senso, a disponibilidade para alternâncias como algo enlouquecido, incoerente, ineficaz, menor, paradoxal. Quando na verdade é a possibilidade de ficarmos menos estupidificados, engessados, pela grande máquina de produção de gessos que é a cultura. Em Estado de Rio de Janeiro ( minha alma canta, Tom)  refugiou-se até da possibilidade de um papo. O Príncipe em seu castelo envidraçado do bairro mais caro. Um gabinete de crise? Para quê? Indagaria o príncipe ao ser lembrado que soberanos, estadistas ( formação tão rara quanto um político de verdade hoje em dia) mostram-se, dizem o seu tamanho,  em estados de exceção. Reconhecimento de falha então...Algo quase impossível. Diria em tom de ironia refinada o patrício de um Cabral distante, Fernando Pessoa, que só existem príncipes e princesas nessa vida. Como reverter o que que quer que haja com um sintomão desses?  Aproveita-se o momento para se perguntar também sobre temas do cotidiano de um fim de ano tão desgastado pelo fato de se contar finais de ano por demais: pode-se mentalmente reverter um calendário? Driblar um pouco datas e estações? As estações já pregam peças na carne frágil. Não é raro haver frio de verão e calor de inverno. Sua santidade papal, exemplo contemporâneo, dribla feito seu patrício Diego, o Maradona. Anda perdoando todo mundo. Isso é libertário para culpados. Ainda que disfarçado de sentimentos tão somente. E nós aprendemos que sentimento de culpa, culpa também é.
Reverter calendário é bater de frente com situações enlouquecidas. Optamos por cair na sacralização de meros acordos convencionados para organizar um pouco a zorra total do dia a dia. Esquecemos, porque assim queremos, que são somente combinações acertadas ( ainda que na pancada). São invencionices possíveis à espécie . Despreza-se o banho de sol por uma solitária feita de breu. Com o progresso dos achados nas ciências, fica um pouco mais difícil crer na contagem desse fluxo andarilho que só evidencia uma insistência na permanência dos fatos. E esses fatos resistem às transformações, às reversões possíveis. Até mesmo de um calendário de papel. O tempo.
Aliás, a mesma insistência de prosseguir teclando letrinhas, aqui e agora, mais a tela vazia, tomada de signos. O humano contemporâneo avistado por Magno Machado Dias de sua caravela plerômica: O HomoZapiens.
Papai  e mamãe...mais os filhotes, divertiam-se à mesa. Calma. Não se trata de um teatro forjado à fórceps para polemizar com teorias antropológicas que evocam coisas incestuosas estabelecendo passagens do bicho natureza para bicho cultural. Funcionando de homozapiens, todos eles vão zapeando com seus aparelhos que falam e escrevem uma nova gramática. São seres 'tablets'. Tratando pois de fatos que parecem mais ou menos enlouquecidos, o que alimenta os aparelhos? Estamos num restaurante. Independente da fome de cada um, ( a gente tem fome do quê?- a pergunta precisa de uns Titãs)  há de se comer, hidratar-se, dormir para sonhar. A carne é frágil, já se provou, e a boca nervosa da pulsão-tesão não se satisfaz inteiramente nunca. Grávida ou não. Interagir? Sim. Desse outro jeito. Cada um na sua e com seu maquinário eletrônico portátil ao alcance dos dedos- extensão desse corpo que de fábrica é pleno de incompetências, salvo o cérebro homozapiens, órgão fantástico do rei da selva- apesar da solicitada e
necessária companhia.
Todos teclavam ao mesmo tempo. Agitados, dedos ágeis. As expressões faciais oscilavam pouco. Vez ou outra um sorriso aqui, uma contração de músculo acolá, um franzir para exibição de rugas. Tempos decorridos que se revelam. A carne data desde a infância. E ela é pojada de neura e pode ser cruel. E é frágil. Pode exibir pelota, bolota, pereba também pode. O menino de família parece se divertir um pouco mais. Depois de tanto desprezo por parte da irmã, ele desconfia que qualquer coisa pode ser séria, mas não tanto,se houver um pouco de saúde. Ele misturou os sabores e o garfo e a faca saíram de dentro do 'tablet'. Magia? Também pode. E quem disse que não há materialidade no celebrado mundo virtual?
A menina parecia acreditar um pouco mais. Dizia que era indolência o tal jeito do irmão e acrescentava- com o seu olhar de menina- que aquilo era da ordem de um infantilismo sem volta. Exílio trágico. 
Muitas meninas, por possuírem uma complexidade hormonal deveras especial, acreditam sempre que a simplicidade dos meninos e seus penduricalhos- que depois de uma balançadinha ficam novos-, não ultrapassa a adolescência jamais. Vejamos que todas as opiniões parecem ser definitivas, logo tão cruéis, opressivas. Não há reversão aos seus olhos juvenis. Tudo deve ser trágico e só quem se arrebenta ou até morre são os outros. E ela estava aflita.
Quando o telefone tocava, eis que derruba quase tudo o que estava à frente, incluindo nesse combo, o prato vazio. Alimentava-se de tecladas e da  ansiedade pelo chamado daquele outro menino, da mesma geração sua, e gatinho da escola. Aqui, comete-se um erro no imaginário da história. O menino, aguardado feito tesouro, era bem mais experiente. Tinha dezenove anos.Já saia só com o seu 'tablet' turbinado-androide sem necessitar de autorização prévia.Esses predicados nesse exato momento, visto que daqui a uma hora poderão estar obsoletos, constituem prestígio em qualquer comunidade e suas carências particulares.
O pai e a mãe por sua vez aderiram ao banquete. Degustaram- palavra mais pretensiosa para comilança e bebedeira- pratos e torpedos bombardeados para os seus brinquedos que comportam as diversas idades. E ele, o patriarca provedor, negociava mais um golpe na praça. 'Pago pelo que não posso'- divertia-se enquanto bebia um vinho caro. E crê que não haverá consequências. Seriam os tais hormônios machos a lhe eternizar infantilismos?
A mãe- espécie de Jasmine, Blue, de Woody Allen- acordava com tudo desde que não perdesse a posição social tão sonhada. Fingia-se de maluquete enquanto mera estratégia de sedução. Poderia então cometer maluquices 'bem intencionadas' pois confiante sempre se postava ao contar com a indulgência e o perdão dos outros para com as suas birutices.Uma espécie de 'bullying' dissimulado. Jantar de gente grande pode ser assim.
Num desligar de aparelhos, ciberneticamente mais rápido do que um piscar de olhinhos com potencial periférico extremo, quase espacial, a família se retirou. Com a mesma pressa com a qual pensa ter chegado em lugar qualquer. Do lado de fora da casa-restaurante, havia uma moça com uniforme de trabalho. Ela está sentada na soleira da porta da casa vizinha que também se metamorfoseou de restaurante. Cabisbaixa, a mulata, um 'upgrade' de beleza, teclava sem parar o seu 'tablet' cor de rosa. Não escutava mais nada senão o tec-tec  daquele ato. Um mundo todinho passava entre os seus dedos e olhares. O que passava diante dela, entretanto, não se fazia notar. Sabia que tinha uma gente perambulando nas cercanias e que fazia ruído de tec-tec tal e qual. De repente, levantou os olhos e trocou um específico tec-tec com a  menina que estava no restaurante-casa. ' O serviço realmente estava ótimo. Rápida conexão, tempero perfeito'. A moça da soleira da porta sorriu. Entendia aquele código. Era o mesmo na sua comunidade, hoje menos distante.. Aliás, a sua filha bem pequena, nascida de um pai já morto, adentrava o mesmo mundo. 
 -Acho que podemos nos alimentar de nada e sem adoecer. Esse nada faz parecer coisa à beça. Alguns de nós se recusam a entender- teria digitado a voz.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Nilton Rocha, Santos Pedro. Acelerador de partículas x melancolia.

Nilton Santos foi um atleta brilhante e que mudou o modo como os laterais no futebol jogavam. Eles passaram a atacar, ousaram definir o jogo marcando até gols ( o que antes parecia privilégios para atacantes) , para além das suas atribuições defensivas. Parecia um lorde a comandar pelotões de boleiros. Inventou Mané- junto com o jornalista Sandro Moreira- fundando assim a dupla endiabrada de fuzileiros, o tal Edson Pelé Arantes do Nascimento e o Mané Mais Querido Garrincha. Esses dois senhores juntos brigando no ataque canarinho, Mané de Pau Grande ( sem nenhuma alusão biótica)  e Pelé, contra os adversários de todos os cantos do planeta bola, jamais perderam um único jogo sequer.
Nilton parecia ser boa praça ( expressão que denota que o cidadão era agradável, simpático). Há quem garanta que mesmo vitimado pelo Mal de Alzheimer, ele não perdeu a elegância e a altivez. Nas suas entrevistas, apresentava humor discreto com dribles curtos nos inconvenientes microfones que tentavam lhe roubar a bola. Adorava preservar as lembranças dos tempos de Mané Garrincha. É quando ele se comove, falando sobre os excessos que derrotaram o craque da ponta-direita. Estabelecera um vínculo fraterno, paterno, sabemos lá, com o ex-marido da Dona Elza. Quem viu viu. É feito dirigível, mula sem cabeça, unicórnio....
Num jogo importante da Copa de 1962, no Chile, Nilton Santos comete falta no adversário dentro da área. Segundo as regras desse jogo, um pênalti - aquele momento em que se fuzila, sacaneia-se o goleiro sem piedade- não fora marcado pela arbitragem. No artifício mais burro jamais inventado- segundo Nelson Rodrigues- , o tal 'replay', vemos a imagem de um lateral esquerdo com a camisa canarinho, cabisbaixo, olhar de constrangimento e com os braços erguidos pedindo perdão. Ele dera uns passinhos para frente, para fora da área derradeira. O árbitro do jogo - a quem, 61 anos após esse fato, entrego-lhe o prêmio Nobel de sabedoria- marca a infração fora da área grande. Diante da altivez do maior lateral esquerdo do futebol, e que tivera a grandeza de reconhecer o seu erro malandramente, não se podia fazer outra coisa. Fato semelhante com o gol de alma portenha que Diego Maradona fez contra os ingleses nas quartas-de final, Copa do Mundo de 1986, no México. Marcar uma infração naquela mão artilheira seria atentado contra a humanidade. Felizmente, tanto em 1962 quanto em 1986, não existiam 60 bisbilhoteiras câmeras a atrapalhar o jogo dos erros. Feito a vida. Querem quantificar o futebol! Querem o futebol limpinho de equívocos! Perfumadinho feito Mr. Spice Beckham . O quê o genial Mané, pernas tortas, de Pau Grande, acharia dessa perfumaria toda? Nilton, elegante, soltaria aquela rouca gargalhada. Aliás, confabula-se também - o meio dos atletas futebolísticos é deveras corporativista-  que nunca um local de nascimento fez uma simetria tão notável quanto a de Mané e  a sua  Pau Grande querida.
Nessa semana em que se termina o texto preguiçoso, Pedro Rocha, outro comandante supremo da pelada oficial, também faleceu. Vivia bem mal, há tempos. Foi um artista brilhante de seu tempo e não conseguiu prosperar financeiramente. Para muitos, meninos de programa do mercado financeiro, isso qualifica alguém como fracassado, 'loser'. Certamente, trata-se de um fracasso regional, de um setor específico da vida. E as outras riquezas que não são ou foram computadas? Afinal, quanto vale um fracasso? Quem ou quais as formações que obtiveram sucesso com ele? Quantos pernas de pau- no caso dos futebolistas e que jamais disputariam um jogo pela seleção de seu país com o ombro quebrado, tal como Rocha o fez , No Mundial de 1974, pelo Uruguai-, reinam com a ausência ou falência de um Pedro 'El Verdugo' Rocha? Toda invenção apresenta novos poderes, ganhos e perdas também. E sobre o nosso fracasso? O livro de Moisés Naim, ex-ministro Venezuelano e diretor do Banco de Filantropias Globais, O Banco Mundial,- aliás, um dos negócios mais rentáveis para os bolsos e imagens de celebridades vedetes ou políticas-,  traz a definição preciosa para crises capitalistas, ou seja, a degradação do próprio capitalismo. De fato- e esse é o título do livro ( O Fim do Poder)-, a degradação é dos poderes em jogo no mundo todo. Sejam eles políticos, financeiros, religiosos, éticos, científicos....E não se está fazendo nenhuma defesa de socialismos enquanto projeto político com seus estados gigantes, ineficazes, propondo igualdades que jamais existiram ou existirão, mas há de se reinventar o capitalismo ( baixar o seu freio de mão, tal como dizia Deleuze em sua sofisticada e difícil filosofia) e suas aplicações do aqui agora , feito o que ocorre na dinâmica movimentação que transcorre numa análise. Baixar o freio de mão em análise é importante para dissolvermos recusas, resistências.
Quando se fala, no presente, da sua vida passada, sonhando com futuro, em que tempo de verbo nos situamos? Daí aquela variação enorme- estou forçando a barra, bem sei-, dos tempos de verbo nas línguas, nas gramáticas, ao menos ocidentais, que conhecemos um tiquinho. Só restam coisas presentes, feitas de material antigo, e que  pretendem pra frente continuar, persistir, havendo. Até porque não há como voltar para trás. O relógio faz da hora espécie de  ilusão e o ponteiro indica lá longe um não-fim. Essa pergunta já foi feita por alguns pensantes: " Qual era mesmo o tempo antes do Big-Bang?" 
Enquanto um acelerador de partículas não avessar experimentalmente o que deseja demonstrar, aguardemos o início do segundo tempo. Sem preliminares. Aquela peladinha, preliminares, que aconteciam antes do jogo principal, nos estádios brasileiros. Lembram daquele São Cristóvão versus Bonsucesso ao som de My mistake, do Pholhas? O São Cricri - intimidades reveladas- trouxe ao mundo, parto natural, o Fenômeno Ronaldo Gorducho.
Arthur Dapieve, adorável e excelente escritor, e também botafoguense em luto, reporta-se, na sua coluna de sexta-feira passada, dia 29/11/13, no jornal O Globo,  a alguns textos de Freud ( a nova versão brasileira realizada por Paulo Cesar Souza recebe muitos elogios.Paulo é conhecido pelo seu ótimo trabalho em torno da obra de Nietzsche no país) em que o luto e a melancolia são temas abordados pelo mestre, além de algumas correspondências que trocou com contemporâneos bacaninhas tipo o Sr. Albert Einstein. Falavam sobre a guerra e seus efeitos. Freud teve os 3 filhos homens enviados para primeira guerra mundial (1914-1918). Apenas um deles teve ferimentos pelo corpo, mas nada grave. Freud morre pouco tempo, acho que algumas semanas, antes do início da Segunda Grande Guerra.Já estava em seu exílio londrino. Teve que se mandar da Áustria com a ajuda de uma aristocrata francesa, analista e sua ex-analisanda, Marie Bonaparte. O lunático de bigodinho estranho, Adolf, aprontava demasiado. 
Freud não era saudosista, muito menos o era  Lacan. Fez do luto que o acossou a vida toda uma virada mais alegre, um passo adiante, tal como significa o seu nome. Freud! Freud! Ecoa um trecho do coro na nona de Beethoven. E a sinfônica ressoa: alegria!
Dapieve descreve a tristeza que lhe invade o peito nessas datas em que um calendário ultrapassado, reacionário, dito Gregório, invade multidões. Intui através, um viés, da sabedoria em Freud uma possibilidade de virada. Talvez um mero saber, conhecimento clarificado, algum sentido para desobstruir peitos lacrados. 
O acelerador de partículas bate progressivamente no peito do universo, multiverso ( expressão de MD.Magno), e aposta na derrocada da melancolia. O que resta é mundo, ainda que de poeira. O luto pode se tornar alegria futura. E qual será ou seria o tempo, havente, desse verbo? 
Bola para Nilton Santos que acelera o passe para Pedro Rocha que enfia a bola no pé do peito da bola e....  

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Onze minutos e um funeral.

Onze minutos. Petrificaram-se em horas, talvez em alguns segundos, e a eternidade marcando um tempo único para o restinho de esperança que adentra o gramado para evitar a tragédia que se anunciava.
 Foi assim que tudo aconteceu e os comentários que se perpetuaram  na coxia dos coliseus da pátria amada ( mãe gentil?) é que naquela tarde de Junho de 1950, o país presenciou o seu maior velório desde então. Quatro anos mais tarde, em Agosto de 1954, um outro velório marcaria nossa história. Um soberano getulista SE MATAVA-SE. Isso mesmo, assim escrito. Um vitalismo de redundâncias. Morte morrida pois matada pelas mãos do próprio soberano com aparência cândida de um vovô que nos brinda com guloseimas. As balas, que não eram tampouco adocicadas ou de borracha, e o avô em jogo não era de Noel, estouraram-lhe o peito varonil. O pijama real, aquele que encobria a pele e suas rugas da velhice, antes do atentado contra ele mesmo, exibe-se sob o leito derradeiro num quarto abandonado do Palácio Guanabara, sede do governo federal naquele período, Rua do Catete. Traz o sangue perdido pelo coração esgarçado de um dos egrégios farroupilhos eleito caudilho.
O velório de 1950, contudo, era um velório campal já que o número de moribundos confundia os recenseadores daquele tempo. Milhares, talvez milhões. E a tal cerimônia funesta ocorrera num imenso tapete verde ornamentado para uma guerra. No início, uma guerra de confetes e serpentinas. Promessas, políticos e mentiras. Esse era o cenário, a cenografia teatral montada num tapete verde estendido para batalhas entre meninos-homens que corriam atrás daquela formação esférica, à época alaranjada, e com seus gomos expostos ao destrato, ao desprezo do chute alheio. E eles a chutavam sem piedade alguma. Pode-se ouvir, ainda hoje, o grito da bola bandida ao passar de um pé para outro e assim adiante. Devassa! Um repórter deveras bisbilhoteiro, tanto mais do que os outros que ali testemunhavam  o epitáfio daquele mundo todo-  mundo esse que naquela tarde de inverno no continente sul-americano se resumia por aqui-,  ouviu esse tipo de impropério dirigido, ou melhor, chutado na direção da bola, da gorduchinha, para os íntimos. 'La pelota' para os gringos platinos. Os adversários eram platinos uruguaios. Seriam inimigos? "Prefiro que não sejam".
Alguma cidadã torcendo o lenço perfumado de lágrimas e suor - pode fazer calor no inverno carioca, caracterizando assim a sua bipolaridade climática-  murmurou a negativa. Cento e noventa e nove mil outros cúmplices, e que também presenciavam o combate, auscultaram o sussurro da companheira de torcida. Parece que não se conformava com essas definições belicosas para espetáculos esportivos. Esportivos? Pode-se ao menos indagar se não acontecia ali, no tapete esverdeado, uma guerra entre dois povos vizinhos. Irmanados? É bem possível. Daí o perigo.
Existia de fato uma batalha com resultantes conhecidas por  vencidos e derrotados. Se bem que no esporte das patadas atômicas, gols de letra, dribles da vaca, canetas e outras artimanhas, o empate há.  Os estadunidenses, por exemplo, não aceitam essa tal resultante que empata coisas, jogos, guerras. Alguns precisam receber o rótulo de "losers"  para poder prosseguir, poder aprender a cair. Aquele tal soberano, aquele lá do tiro nos peitos, não suportou. Os esportes na terra do estadunidense Pluto sempre resultam em 'winners' and 'losers'. Diz a lenda do velho oeste lá deles que num certo dia, Pluto, cachorrão simpático, teria empatado com o Scooby doo, outro bichão agradável, divertido,  num concurso de beleza canina e o bafafá entre ambos se estabeleceu. A binariedade que envolve os ultra liberais republicanos e os igualitaristas democratas terminou em ameaças bélicas sérias.  Pluto requisitava a antiguidade enquanto posto. Scooby por sua vez o chamava de ultrapassado, tradicionalista de racismos, oligárquico ser, meio fantasmagórico e proveniente de  um século muito, muito antigo: o século XX.  O final dessa história terá início com alguma canção melodramática. Daquelas típicas melodias em que as produções do cinema estadunidense se apoiam quando o roteiro do filme não funciona bem. E eles proclamarão a vitória da Demo-cracia e vaticinam que Deus abençoará a América ao dizer: 'In gold we trust'.
No réquiem de 1950, Mozart ou  Schubert estavam a postos. Cada um defendendo a sua estilística singular. Nas arquibancadas do então coliseu- recém destruído pelos incautos- duas centenas de milhares de compatriotas se espremiam a fim de celebrar a conquista derradeira. O triunfo dos atletas boleiros mais se assemelhava- na mente daquela gente toda- a uma conquista napoleônica.
A segunda grande guerra terminara fazia 5 anos. Herói e gênio geralmente estão mortos há mais tempo na nossa postura colonizada. E aquela guerra era muito recente e havia devastado o velho continente. Portanto, já que Roosevelt ( depois Truman) , Churchill  e o "democrata" Stalin disputavam o posto de herói principal na guerra contra os lunáticos nazistas, a torcida preferiu escolher o inverno russo como soberano maior, para finalizar uma era cujo protagonista fora aquele psicótico rapaz das alemanhas e de bigodinho esquisito. Parece que dessa vez acertaram na escolha. Quem disse que não sabemos votar? Aquela vitória redimiria o país e o seu sintoma em não se assumir feito de vira-lata. Não é o complexo em ser ou não, mas de não se assumir. É negar o óbvio. Ululantes razões, diria um atento e também torcedor, Nelson Rodrigues. Um outro torcedor, cujo país de origem tem na bandeira nacional as mesmas cores do tricolor carioca, time do escritor, diverte-se com a algazarra na nova terra.  
Vindo da guerra, só que da primeira, esse italiano que, nascido na região sul do seu país,  migrara para o país canarinho e tendo vencido a vida, leva com o peito aberto a única filha para o jogo-batalha final. Eram tempos em que pais, mães ( essas formações imperiais)  preparavam os rebentos para guerra, ou seja, para vida. Será que escutaram os ensinamentos freudianos? Atravessaram diversas e severas batalhas. Tinham a marca decifrada na carne. Tatuagens belicosas. Mimar filho era como praticar bullying. Não são bonequinhos para deleite materno- ilusão de completude- e outras  doenças do tipo. 
Já do outro lado imaginário desse mesmo coliseu estava um jovem proveniente do nordeste brasileiro e recém chegado de São Paulo, estado soberano, e que assumirá o comando financeiro do país no fim da década de 50. Juntamente com um amigo carioca, de uma família respeitada nos cochichos sociais, e que marcará a sua vida. Eles estão na maior galhofa e fofocam sobre as pernas das moças do andar de baixo da arquibancada de cimento fresco. Um deles, o nordestino aventuroso, refestelava-se com os olhos. De repente, um grito surgiu: " Olha lá o Zagallo"! Todo fardado de soldado, o então militar. Ainda era Mario Jorge Lobo e Zagalo com um L só. Estava de costas, o velho Lobo, para o campo de jogo, fazendo do olhar do torcedor aliado (estivesse ele na arquibancada, na geral popular ou na pretensiosa tribuna de honra) seu espelhamento particular.
Aos 34 minutos do segundo tempo daquele 'Waterllo" brasileiro, a algazarra se transformou em drama. A seleção brasileira de bola no chão deixava escapar a taça de campeão do mundo da modalidade. A festa já tinha sido combinada, o resultado antecipado, os sonhos a confirmar. Houve 3 momentos desperdiçados. O início sem gols, após a vantagem adquirida no placar, uma nova igualdade entre as tropas futebolísticas e por fim aquele lance de mestre por parte de um ponteiro certeiro uruguaio, despretensiosamente negligenciado, e o silêncio com todas as oitavas a ressoar perplexidades. A segunda guerra mundial terminara para os brasileiros naquele petardo, gritado de gol nas diversas línguas, de Ghiggia, o ponteiro direito. O empate, que favoreceria a nossa equipe, foi esnobado. Teria a tal equipe se deixado levar pelos ventos estadunidenses? Ao invés do vira-lata não assumido, um cachorrão da Disney resolvera nos apossar? Empate nem pensar! Aqui no nosso território e ainda por cima diante de um imigrante com sua filha adolescente? E o jovem vindo do Nordeste e suas aspirações? E aquele soldado bem comportado que dava pinta que um certo dia talvez pudesse atirar de volta algum petardo certeiro ao adversário destemido? Uma espécie de retribuição de gentilezas?
Onze minutos e a terra brasileira foi para o ataque, para a defesa, embolou no meio, reclamou da falta que não houve, do lance que nem viu. A guerra estava por um fio, a rendição a se decretar. Uma terra que nasceu na porrada, origem uruguaia, não se abate com ilusões, chiliques, elucubrações precipitadas, promessas sem rumo, arrogância desmedida. São pragmáticos. Adoram cassinos e um baseado oficial. 
Durante anos, Zizinho, um craque brazuca, achava que se comunicou por telepatias e sonhos com Obdulio Varela, craque e xerife do time uruguaio. Parece que ambos eram discípulos de um treinador lá da estranja mais distante: Kardec, seu sobrenome. Outros brazucas diziam que sonhavam que o jogo ainda não havia sequer começado. Reinventavam o tempo. Fazê-lo passar ao contrário, transformando aquilo que houve em algo que não tenha ainda havido, por favor! Impossível. Essa é a tragédia, esse é o maior dos velórios já presenciados num campo de batalha esportivo.
Por falar em tempo que, parece não fluir, não joga para frente, Ghiggia, nosso carrasco para sempre, permanece vivo. O único sobrevivente jogador que esteve na linha de frente naquele amaldiçoado jogo. São quase 87 anos vividos naquela terra e cujo tempo parece ter sempre os mesmos 11 minutos finais semelhantes aos minutos transcorridos de 1950. Ele, um inveterado patriota, bebe um reluzente Tannat, sorri,  e ainda joga com essas histórias. E lá vai o ponteiro certeiro direito da celeste...

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O Mar ao amanhecer. Derradeiro.

Um grupo de jovens comunistas- época em que o mundo se preparava para entrar numa fria pós guerra dos anos 40 , século XX- e que não sabiam ao certo o que faziam, decidiram matar com tiros pelas costas um importante oficial alemão. Oficial dileto do 'fuhrer', o condutor lunático das tropas alemães com aquele bigodinho ridículo, as consequências por causa do crime- ato irreversível, definição para o trágico- seriam as piores possíveis. Por isso que a ingenuidade, inconsequência juvenil no caso, revela o não saber o que se fazia apontado antes. E é bem verdade que não sabemos o que fazemos nem tampouco o que queremos, em última instância. Caso contrário como supor a havência, enquanto estrutura, do inconsciente freudiano?
 O que comparece esconde o seu contrário. E essa operação mental chama-se recalque. Portanto, quando alguém costuma se referir a outrem como um recalcado- com a intenção de ofendê-lo- está de fato nomeando, a quem quer que seja da nossa espécie, corretamente, a tal pretensa figura. Uma boa definição. Se o tal agressor e sua verborragia desenfreada não for do tipo que passa a vida negando o que lhe diz respeito e colocando em contas alheias, enxergará o mesmo do que proclama de si no recalcado daquele tal outro. Nascemos recalcados. Ninguém escapa. Tem corpo, fudeu. E daqui a pouco não se precisará fuder mais com corpos humanos para que eles se reproduzam. E se há gravidade, por exemplo, o voo necessita de muita tecnologia para alçar outras nuvens. A ave que aqui habita consome alpiste em forma de querosene. Polui bem mais o vasto mundo de tantas outras aves, mas também  consegue reverter uma asinha defeituosa aqui, com agulhas, seringas e anestésico e outra acolá, num outro hangar.
Tanto as aves humanas mecânicas quanto as mais antigas, isto é, os gaviões, urubus e outras fantasias aladas têm seus fãs. E outros animais menos esvoaçantes também. Já existem mulheres, seres da nossa espécie, convidando amigos ou adeptos, para festas nupciais entre elas e o seus bichinhos de estimação. O tradicional chá de panela, rito para angariar regalos para lares futuros, traz a foto com o pedigree do pretendente. Dizem as bocas rotas que esses tipos constituem um ótimo partido, os seres caninos e felinos, já que não dizem não e aceitam coleiras com menos resistência. Tensões pré-menstruais também não os afugentam. Muito pelo contrário! Eles se sentem atraídos por odores mágicos, reprodutivos, e não se melindram com aquele novo ser que emerge mensalmente. E o erário fica por conta da senhorita e sua boa vontade.
Portanto, estamos no auge das diversidades amorosas, faz-se necessário o entendimento de que a sexualidade é uma formação psíquica, e numa era em que pensamentos totalitários não cabem. Já houve estado que proclamou o seu totalitarismo particular, tanto à direita quanto à esquerda, e obteve até algum êxito para logo em seguida fracassar. Igual a certos casórios. Exceto os dos bichanos e com os bichanos.
Ao assassinar o oficial alemão graduado, na cidade de Nantes, com dois tiros, os dois rapazes franceses, heróis da resistência à invasão nazista no início dos anos 40, foram imediatamente traídos pelos colaboracionistas - termo técnico para alcaguete- nascidos no mesmo país. Franceses, em diversos cantos da nação Paris, entregando seus próprios compatriotas à forca germânica, para deleite gozoso do psicótico de bigodinho estranho. Pouco importava a idade ou ofício. A paranoia- importante método de produção de conhecimento- triunfava onde a lucidez morrera. Todo mundo era comunista, totalitário, estatizante e conspirador. Até mesmo os jovens de 16, 17 anos que acabaram de nascer. Poetas eram os terroristas mais temidos.
As anotações dos diários e as cartas enviadas às famílias dos condenados viabilizaram o roteiro para essa história, para o filme. A cena em que todos estão escrevendo e lendo as suas últimas palavras a serem lidas pelos últimos habitantes do seu mundo a se importar com o que ali acontecia é belíssima. E com a vantagem de que não havia trilha sonora melodramática- tesão maior de diretor estadunidense- a amanhecer com oceanos.
O que amanhece é a dureza do irreversível fato de que aquele amanhecer terá sido único e derradeiro. Inclusive para quem fica.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Odorico-Gracindo-Paraguaçu.

Muito bom o documentário de Gracindo Junior sobre o seu pai, o ator, locutor e sábio, Paulo Gracindo.
Paulo Gracindo nasceu no Rio  mas dizia ter vindo das Alagoas, pois para lá foi bebê, para no retorno à cidade natal, um pouco mais crescidinho, metamorfosear-se  de Odorico Paraguaçu, Tucão, Coronel Ramiro Bastos, e outros personagens dele mesmo e das diversas regiões que encarnou. 
O documentário foi lançado em 2009. Paulo faleceu em 1995 aos 84 anos de idade. Trabalhou, apesar da cegueira e do Mal de Alzheimer, até o final. Na mini-série Agosto, direção de Paulo José, de 1991, Gracindo pai obtinha as orientações para marcações de cena vindas do Gracindo Jr, seu filho. Comovente a cena em que, ao lado do personagem interpretado por José Mayer, declara a sua mágoa e espanto pelo desprezo que a cultura brasileira, a gente, tem pelo velho, pelo idoso. Um país que prefere constituir-se de mediocridades juvenis. A carne fresca que só presta enquanto carne fresca para luxúrias. Sejam essas mesmas luxúrias efetivadas ou somente sonhadas. 
Supunha-se então que Paulo Gracindo tinha 257 anos. Um número bom e escolhido aleatoriamente.E que nascera ator na  e para vida. Trocava de pele feito camaleão na relva. Nascera inclusive antes do teatro brasileiro, da rádio nacional, da emissora oficial que o consagrara. A mesma emissora que não enviou nenhum grande dirigente de lá para os seus funerais talvez pelo fato de que Gracindo tenha declarado o óbvio e ululante aforismo, quase Rodriguiano: " Faço novela porque preciso ( na verdade queria) sobreviver". E isso há duas décadas atrás. Se ele presenciasse as besteiras que eles - espécie de onipotente ser-  insistem em chamar de teledramaturgia nos dias atuais.....Um dos seus últimos atos se fez numa peça-filme (creio que norte-americana, lembro-me de Henri Fonda no papel principal e seu derradeiro trabalho também) chamado num Lago Dourado. Há um momento em que alguém, uma moça bem bonita diz para seu personagem dourado: 'O senhor é muito velho'! O velho lhe responde sorrindo. A entonação de ambos provocou risos na platéia.
Gracindo pai quando trocou seu nome de batismo, Pelópidas, por algo mais simples, sofisticou-se. Odorico Pelópidas! Casou e assim permaneceu até o fim com a mesma senhorita. Moça rica, bonita e que se apaixonara aos 16 anos de idade. Tiveram um menino e duas meninas. O quadro cômico famoso em que  um personagem rico (primo rico) e um pobre ( primo pobre) vivido por Brandão Filho, no programa 'Balança mas não cai', surge dos diálogos, quase surreais, que Gracindo teve com o seu sogro abastado, no palacete que o então velho para ele possuía em Ipanema. O ator lhe contava sobre as dificuldades da profissão, os problemas financeiros que um jovem em início de carreira enfrenta e tinha que aturar as extravagâncias do afortunado ser e suas histerias, pois para o homem rico, o arranhão no seu Cadillac reluzente era o assunto mais relevante. As histerias sofrem de egocentrismo crônico, ou seja, o mundo só há por causa deles. O mundo só há para nós porque aqui estamos, logo, o mundo somos nós. Mas ele continua independente da gente. Ele, o mundo. Dos outros. Porque o nosso é esse que a gente considera aqui e agora. E é igualzinho a gente. Mas ele pode funcionar sem a gente. E funcionou antes. Se fizermos essa conta para trás, estaremos perdidos. O bonde já passou faz tempo. E ele sempre está em movimento. Só se pega, qualquer que seja o bonde, andando, movimentando-se sob trilhos. 
O egocêntrico portanto faz do seu sintoma a referência para o mundo. O mundo só  funciona de acordo com o meu sintoma. O sintoma meu é que tem que determinar as coisas. Elas funcionam a partir dessa referência. Logo, o Cadillac novo era mesmo o barato mais caro para aquele senhor do que o gotejar intermitente vindo daquele cano antigo e furado e cruel da casa humilde atrapalhando o repouso e as leituras do promissor ator, futuro genro. Surreal prosa, personagens eternizados. Max Nunes e Gracindo pai, seus autores.
Do alto da diversidade dos oito anos de um garoto assanhado - e movido por uma inveja que não abandonei ( ainda bem) , declarei guerra a Gracindo Jr. Ator, diretor e autor do documentário mencionado, mas tal-qualmente a outros galãs por um certo tempo, o ódio a se espalhar. Tudo isso misturado pois eu tinha traçado planos para me casar com a Sandra Bréa, uma bela atriz e dançarina, nos anos 70/80. Povoava o imaginário juvenil, a diva com trejeitos maluquetes, desde os tempos em que as imagens da TV eram não-coloridas. Tentativas, foram inúmeras e que se revelaram inúteis, para que a proposta matrimonial fosse recebida, e por um milagre, aceita. E esses meus planos, delirantes ou não, contrariavam os planos desses moços bonitos, e também mais velhos (Tipo Gracindo, Filho) , visto que bem mais experientes e cheios da grana, supunha-se. Eles a queriam só para eles.Sério problema! É o tal egoísta, talvez não egocêntrico. Aqui, o cidadão está se pondo em primeiro lugar nos seus interesses.O que lhe confirma alguma sabedoria, pois se não o fizer, quem o fará? Ele não deixa de reconhecer outros interesseiros. Não usa o seu interesse - bom ou mau- como guia para tudo, incluindo certas paixões. Não está centrado, focado, na sua configuração sintomática, egoica. E também seria em vão nesse caso já que a musa de outrora tinha uma constelação egoica imbatível. Desisti por negligência de musa. Insistia em não me receber. Quase acampei - e aí entende-se a dedicação patética dos iniciantes a esperar o aceno frouxo do ídolo distante- de alma e cuia na soleira da porta do seu templo midiático. Que mal poderia lhe causar? Uns beijinhos infantis sem más e mais intenções?! No mínimo, para fecharmos acordo de uma única interesseira parte, um tesão juvenil feito outro qualquer. Quem sabe capa em algum periódico, tal gesto? Esquecestes? Em qualquer um, desses que não têm maiores assuntos a tratar. Vivem disso. Ressentimento? Imagina.....
Com o passar dos bondes e cemitérios a inaugurar, os personagens foram mudando de rosto. O que era senhorita virara senhora, mas ainda bela se conservava. Contudo, Odorico-Gracindo permanece, para sempre, com quase 3 séculos de encantamentos. Talvez seja melhor preparar a festa para semana que vem? Junto com a inauguração daquele cemitério. E com o famigerado bêbado, o Nezinho do Jegue, a xingar a rodo. Em horário nobre. Feito de costumes.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O dinheiro e as paixões.

Dinheiro não está interessado em comprar felicidade. Está interessado na compra de felicidades. É plural, múltiplo. Não promove totalizações. Indica, sim, diferenças, multiplicidades.
Multiplicidades que possuem as suas particularidades e podem ser nomeadas uma a uma. Felicidades múltiplas tipo automóvel bacana, bons planos de saúde, aquela viagem, aquela casa, a inveja do vizinho, aquele articulação sob forma de escultura, pintura.Bons livros, aquele restaurante...Até mesmo aquela paixão. Pensam que não? Quem já trafegou pelas rodovias dessa vidinha que se apresenta conhece do riscado. Os que cinicamente denegam a função curativa da grana, mentem. E sabem disso.
Minha geração se fez ingênua mediante ditadura militar à direita. E os de direita costumam acreditar cegamente naquilo que lhes ensinaram, alertou Millôr Fernandes. Homem sábio que conhecia do riscado. Inventou, juntamente com o estilo próprio das suas traduções o frescoball - aquele joguinho com raquetes de madeira e bolinha de borracha para se jogar na areia da praia de Ipanema. E que de frescura nada tinha. Millôr, falecido em 2012, acrescentou também que os canhotos e suas ideias fazem o caminho contrário dos destros adversários. Segundo ele, cegamente, acreditam no que ensinam.
Os tempos contemporâneos nos cercam com possibilidades de jogar com todas as possibilidades. Resta saber e aplicar o que for mais profícuo, eficiente naquele momento. É o que MD.Magno chama de um movimento político ad hoc. Não se toma partido, muito menos a priori. Considera-se cada situação, região, sem valoração disso ou daquilo outro. Sem catequese ou imperativos tampouco. Há uma tentativa de neutralização, suspensão, dos nossos sintomas e gostos para se poder considerar as possibilidades em jogo sem maiores pré-conceitos. Indiferenciar algo, um fato, uma coisa, alguém, não é desprezá-lo. E sim, considerar as disponibilidades, o máximo de formações possíveis, que se apresentam. Todo o sintoma racista e xenofóbico que sempre caracterizou a nossa espécie, e nesses tempos recrudescem com toda virulência, podem se diluir com tal estratégia. Política envolve disputa pelo poder. Qualquer um que se imponha. É uma guerra. Não se escapa disso. E qual a melhor guerra a se travar no momento que se está e por vir? Aliás, para o futuro....
Em distintos momentos do jogo político brasileiro em que se aplicou algo próximo, mas não bem isso que fora mencionado, as resultantes foram melhores. A dupla Campos Sales- Rodrigues Alves (ambos ex-presidentes na chamada Velha  República) 'locupletaram-se' sem saber. O primeiro optou por uma política austera, contenção de gastos, poderia até se dizer monetarista, ao colocar o trem em rumos mais aprumados.Saiu do Palácio do Catete (RJ) sob chuva de ovos, tomates. A multidão e suas razões. Tarefa bem feita, popularidade em baixa. Seu sucessor, Rodrigues Alves - distinta Avenida do centro do Rio de Janeiro- nascido em Guaratinguetá, Estado de São Paulo, no vale do Paraíba, pode adotar uma política desenvolvimentista o que gerou enorme progresso para  a capital do país à época. Quem diria? Quiseram os  caprichos desse haver que dois paulistas trouxessem progressos para cariocas e fluminenses. Campos Sales também nascera no Estado Orgulho Brasileiro, na cidade de Campinas. Décadas depois, veio a Dupla Getúlio-JK. No segundo reinado de Vargas, as leis trabalhistas renderam vendavais esperançosos de um 'welfare state'. Aquele desenvolvimento socioeconômico de inspiração Keynesiana. Lei trabalhista exarada em pleno estádio futebolístico do clube desportivo que desde a sua fundação teve preocupações com inclusões sociais: O Clube de Regatas Vasco da Gama.
Juscelino Bossa Nova tocou o desenvolvimento para frente. Seu plano de metas acionava o cronômetro em cinquenta anos em cinco. Audácia para quem se deslocava em fuscas e outras potências tecnológicas do período em questão. Foi deveras gastador, perdulário com as contas públicas ao inventar a capital que se ergueu no centro-oeste do país: Brasília. Um sonho seu, pesadelo para muitos. Com a nobre participação inventiva de dois brilhantes arquitetos-urbanistas: Lúcio-Costa-Oscar-Niemeyer.
O que explodiu, após comício do homem mais marginalizado e desprezado da história fascista brasileira, o Ex-Presidente Assassinado João Goulart, repercute estilhaços até hoje na carne exposta de cinismo, covardia, molecagem carnavalesca. Até a música do filme dedicado a ele, filme de Silvio Tendler, foi incorporado à morte, aos funerais, do que ganhou no tapetão parlamentar e não desfrutou. Um destino Guimarães Rosa? Não. Sobretudo, sem a mesma genialidade e originalidade do escritor conterrâneo. Lá das montanhas de Minas, veio e se foi Tancredo Neves.
 Conta-se que Rosa faleceu vitimado por um mal súbito, algum incauto-douto nos convenceria que foi de virose sertaneja, três dias após a sua posse na Academia Brasileira de Letras. Alívio para certos idiotas imortais que proclamavam que Rosa inventava coisas, palavras que não existiam. Como não existiam se ele as dizia e eles proclamava? Esqueçamos ou não, somos povoados por entidades supremas e imortais. Diadorim, mais que suprema em sua singularidade menino-menina, deve ter se encantado feito de Rosa. Já Tancredo Neves adoeceu poucos dias antes da sua posse enquanto primeiro presidente civil pós ditadura militar. Morreu sem botar a faixa no peito e tirar aquelas fotografias feitas sem graça. Presidente por essas bandas deveria balançar um cetro abarrocado, porque maneirista seria.
A História brasileira é quase sempre ignorada pelos brasileiros. Perguntado sobre eventos , fatos, significantes da história mundial sempre aparecerá a Revolução Francesa, Russa, etc. Pelos nossos lados, nada há de especial. Talvez por essas e outras é que o assassinato de ex-dirigentes ou acidente aéreo que vitimou algum algoz ditadore nunca foram muito do interesse popular. E o que vem a ser de interesse popular seria algo tal como....Maquiavel mostrava o pão, alimento nobre, um circo de verdade e seus palhaços seríssimos. Nomadismo de malabares. E não se trata de nenhuma teoria conspiratória, paranoia válida e não necessariamente doença, mas que conforma vitimizados. Descobre-se que o mundo sempre foi esquisito, que a espécie homem produz - além das maravilhas protéticas e saberes importantes- muitas canalhices, sujeira. Logo, desinteressado por ele nos tornamos. Paralisados, estéreis. Pois, para que se mover visto que vasto mundo tem certos horrores e eu, tu ou ele "kiko" com isso? Contudo, não largamos o osso. Quanto investimento para o deslocamento quase zero! 'Jamais conheci alguém que tivesse levado porrada. São todos príncipes nessa vida'- Fernando Pessoa.
Há um filme de István Szabó , cineasta premiado húngaro," Sunshine o despertar de um século" , de 1999 , e que é exemplar. Retrata três gerações de uma família austríaca judia e seu périplo por diferentes épocas, regimes, sistemas de governo. Desde o fim do século XIX até a Revolução Húngara de 1956. Guerra e guerra. Nunca paz. Só há guerra entre as formações que querem mais e mais poder. Até o almoço familiar de fim de ano. 
Homenageia-se àquele que, numa tarde de elucubrações, momento para se despir para outro, traz uma cena para o cinema desejado.
Dizendo Adeus à máquina binária que só declama 0-1, por enquanto, e prestes a fechar a cortina vermelha do cinema de infância, eis que surge um menino, a menina e um convite. Dinheiro orgulhosamente apanhado no fundo da vida daquele bolso que por sorte não furara (bolso que conhece do riscado), após tantas batalhas e depois de tantos temporais ( Saudações a Ivan Lins e Vítor Martins!). " Que tal um sorvete"? 

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Caravelas de papel.

Atravessamos aquela época de um transir de epístolas, chamadas também de cartas, correspondência, e seus parentes imagéticos conhecidos como cartões postais. Algumas eram escritas com caligrafia estilo receita de médico. Daquelas que só quem entende são decifradores de enigmas. Sabemos bem sobre essa confusão de letrinhas. No caso da receita médica, o farmacêutico a quem se encaminhava o mistério, tornava-se o salvador para o necessitado. Até hoje funciona assim. Pelo menos nesses casos
As cartas, apesar dos extravios e tormentas,  tornaram-se célebres por séculos. Conspiravam, amavam, guerreavam, traziam novos conceitos, inovações, lamúrias. Houve quem esperasse uma vida inteira pela carta de amor ou da guerra declarada. Mensageiros da realeza e a plebe iludida. Pouco importava a cor do brasão O papel nessa época era tratado feito obra de arte. Decifra-me ou te devoro?
Após a Revolução Industrial, o mundo foi modificado pelos super-macacos, nossos irmãos de outrora. O maquinário tornou-se mais sofisticado e as distâncias passaram a encolher. Mas como poderia isso ocorrer, todo esse encurtamento, se o globo continua como está?- algum invejoso das desventuras alheias indagara. É que as caravelas mudavam de vento, direção, explodindo querosenes e vapores por novos oceanos descobertos. A intimidade pode ser um problema!
Junto com toda essa revolução incrementa-se também o racismo às diferenças que se multiplicam vorazmente. Novas terras, nova gente que se conceitua raça. Uma estupidez na qual os sintomas vencedores, com a sua barbárie secular, perpetuam-se. Mesmo depois que se invadiu um pedacinho do espaço com as caravelas supersônicas, espaciais e seus super-macacos que flutuam. Suspensão da gravidade que nos puxa sempre para baixo.
Na Portugal, na Holanda, dos séculos XVI, XVII, as corridas espaciais, sob as águas, dependiam dos ventos e seus humores. Das bússolas e seus detratores.As pragas também se deslocavam num outro ritmo. Uma espécie de futebol cadenciado para época. Pegavam carona nas embarcações e preparavam-se para um ataque lento, gradual e assassino. A prótese conhecida como penicilina ainda não tinha sido inventada pelos heróis da microbiologia, infectologia, e portanto muitos morriam ainda jovens. Infância, por exemplo, não havia. É uma secundarização cultural, com o perdão proposital da redundância, do século XX. No século XIX, na civilizada Inglaterra, as crianças entre 10 e 16 anos trabalhavam doze ou mais horas por dia. Tudo devidamente oficializado. O relógio rodava numa outra cadência.
Para se ter uma noção, um homem de 30 anos era um senhor. Aos 50, considerado idoso. Isso se vivesse meio século e não embarcasse em qualquer canoa furada, por exemplo. Não fosse o destemido herói, capitão para muitos ainda não amotinados, navegador inconsequente. Àqueles que se amotinavam, desafiavam poderes maiores, talvez pudessem (sobretudo se levassem às últimas consequências essa guerra) ser chamados de heróis, senhores, dentro de uma lógica hegeliana e que muitos adeptos da concepção para o surgimento de  um estado moderno e suas ordenações jurídicas (Um Foucault por exemplo) viabilizar 'autonomias'. A maioria, obviamente, optava pela subordinação e consequente sobrevivência. São poucos os heróis para valer. Um dos maiores escritores e autores teatrais, Bertold Brecht , morto na segunda metade do século XX, considerava uma tolice uma nação sonhar, necessitar de heróis. Nós, novamente, achamos que precisamos de muitos. A começar por inventar uma nação de verdade.
Um outro virtuoso e romântico, Frédéric (Frederico para 'nosotros') Chopin, companhia nessa madrugada chuvosa, viveu somente 39 anos. Seu coração é que continuou perambulando entre a França e a sua Polônia. O seu último noturno. E sempre se sonha na madrugada quando da companhia de um outro grande ato de heroísmo. Chopin e sua produção são exemplares.
Nesse vento contemporâneo que sopra, pós caravelas, as pragas passeiam na velocidade dos bits e almejam a excelência voraz do q-bits. São supersônicos, digitais e viscerais também. Seguindo as trilhas, colônias ou floras de uma matemática vanguardista, possuem estruturas simplérrimas mas de uma complexidade e capacidade de reprodução e destruição enormes. Vejamos o exemplo do vírus HIV! Supostamente desenvolvido em laboratórios ultra sofisticados, tem uma configuração simples, frágil, mas com um poder deletério gigantesco nas ocasiões propícias para isso. Ainda que não estejam a bordo do supersônico, mas de um avião que oferece refeições sob forma de amendoins, os vírus, bactérias e outros bichinhos microscópicos se deslocam rapidamente. E desde sempre em terra firma, gravítico pouso, já que basta um aperto entre as mãos, íntimas ou não, para continuarem seu périplo assassino. A tal intimidade e os seus competentes estragos metamorfoseados por amores entre as mãos.
Numa pesquisa recente, já que tratamos de estragos, pesquisa essa  realizada em instituição dos Estados Unidos dos Plutos abelhudos, indica que o autismo, enfermidade séria, pode ser causado pelo uso abusivo em tenra idade, crianças bem pequenas, de certo tipo de antibiótico. As bactérias outras, pragas tão antigas e necessárias em muitos casos, multiplicam-se desordenadamente nos intestinos das pessoas a compensar a destruição de uma outra colônia de bactérias pelos tais antibióticos.Temos milhares de bactérias habitando os intestinos de nossa vida e milhões de conexões nervosas no tubo digestivo. Um número maior até mesmo do que o que se encontra na caixa craniana. A liberação de toxinas por parte de uma outra colônia bacteriana, nesse processo, que mais parece surto, feito célula cancerígena desmiolada, atingem e lesionam alguma região do cérebro. Novas drogas, pragas heroicas, transformadoras, salvacionistas, tem sido testadas e minimizam os sintomas da doença, mas não eliminam o mal. Lesão irreversível. Tal e qual a carta ou a embarcação caravela que nunca chegou ao seu porto limite.
'Entonces'  numa suposta noite, só pode ser suposta diante da luz da tela do computador, lâmpadas bisbilhoteiras que invadiram a escuridão dos outros, em tempos de boemia saudosa , o rosto de uma menina, que desfilava de patins na adolescência recuperada, reaparece de fato. O tempo para o inconsciente não há. É ilusório. E o fato é fato mesmo. Aquele que comporta e é contido de carne, pele, osso,odor...saudade. O computador iluminado afirma que ainda não pode exalar tais formações, mas aponta o futuro. Já a proa e a popa da embarcação menino balança pelo efeito daquele ajuntamento de fungos e outros elementos alegres, devidamente pasteurizados pelos heróis imortais, adorado de cerveja. E houve muita cevada nessa noite suposta. Havia também uma música que faz a sonoplastia do evento e parece que sempre haverá algum som. Pois está em todo lugar e nas estruturas mínimas que a Física contemporânea nos apresenta e lança para frente. Estética de uma nota musical.
O esqueleto, essa  formação patética que o homem porta, dá uma entortada, quase uma parábola de desajeitamento, mas não cai. Segura o macaco mico na marra! Encara aquele rosto que já teria sido lindo e novamente sonha com aquelas duas pequenas saliências do haver ( maravilhosas planícies, encobertas por um minúsculo e cafajeste pedaço de pano sutiã , e que lhe altera a pressão do sangue, a vermelhidão da face e outras protuberâncias a emergir). Lindos os gêmeos que  sobreviveram a todos esses anos. Ao que parece..Já que a mistura de cevada e luzes e sons ensurdecedores podem enganar as ilusões. Aparências? E eis que se aprende que as aparências não enganam! Engana-se quem pensa que as aparências enganam visto que existem outras  aparências que não aparecem ali, naquele momento. Mas existem e podem até emergir. Microscópicas formações em potencial. E que não se ofendam ao serem chamados por amebas, bactérias e quetais. Dependendo da enunciação e do animalzinho evocado fica até divertido, brejeiro. " Seu cachorrão! Olha só a cachorrona que finge não lhe reconhecer"!
Veja quanto preconceito! Só por que depois desses dias, milhares deles, independente da embarcação que tomaras, resolves apelar para moralismos, códigos de conduta! Por isso que quase tropeçaras na própria parábola do seu corpo enebriado, alegoria de gente!
E quem era essa dita cuja moça que não se esquecera? Pelo fato do pai ter havido enquanto oficial graduado da Marinha brasileira, rememoramos embarcações? Ou teria sido provocado pela lembrança  fincada, petrificada feito trauma dileto das neuras tão comuns e mal diluídas?
Não. Há uma pelotiquice nesse jogo cadenciado, toque de bola com cabeças erguidas, para o esquecimento intencional. Aquela carta desesperada, escrita às vésperas de uma viagem, fora uma vã tentativa-tentação de reaproximação. Para sermos mais francos, um pedido de chance a mais, via correspondência de papel em letra de forma.. Era igualmente bonita e falsa a tal correspondência, pois parte do que estava escrito nela era de autoria célebre e desconhecida para um menino de 14 anos e que supunha que Marcel Proust, romancista de tempos perdidos e madeleines-madalenas, fosse marca de sabonete raro. Quanto à raridade, estamos de acordo. Porém, restava sabonete.
Roubou-se sim e também. Não o texto de outrem, porque em domínio público tornara-se, mas um colar, bijuteria quase nobre, da única irmã. Havia pedido à mensageira, funcionária da casa e interlocutora vez ou outra, após o jantar, que entregasse tão importante encomenda, a tal epístola 'old- fashioned', ou seja, antiquada, e o presentinho afanado, naquele endereço escrito no envelope. Envelope de carta. em tom amarelado pelo tempo. Seriam caravelas de papel?  Envelope com cheiro de casa da avó, resiste-s? Avó, que entre outros fetiches, colecionava envelopes e endereços. Nunca desaparecera uma só correspondência daquela avó. Ela jurava que alguém receberia notícias suas. Tivesse sido íntimo ou não, esse quase ninguém procurado. Quanto ao contexto? 'Virem-se como puderem'- repetia enquanto dobrava envelopes e destinos escolhidos.
Enquanto a vida navegava pelas retinas, a menina, hoje mulher, subia as escadas ameaçadoras e sumia gradativamente. Tornara-se miragem, coisa invisível. Teria sido um micróbio?
A carta e o atrevido presente jamais receberam resposta. A mensageira garante que entregara no endereço indicado. Endereço que fora anotado dezenas de vezes por comprometimentos genéticos. Aconselhamento determinado por uma mãe confeitada de açúcar. O crime, aquele afanar entre irmãos, foi revelado um tempo depois. Talvez uns 500 anos. O mesmo navegar e o seu passar de anos, por onde nobres caravelas se perderam até atingir um porto seguro.
Não houve saudação ou sequer  um simples esbarrão entre aquelas duas crianças que um dia se gostaram. Apenas um resto de lembrança, uma breve surpresa , deveras dolorida, de uma certa caravela de papel que se encantou por algum outro canto. Alguma outra moça ou algum incerto rapaz. Endereço desconhecido.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Pirlimpimpins e Emílias.

Abaixe-se caso contrário vai levar bala!
 Catatônico, permaneceu em pé  naquela esquina contemplando o bandido com pinta de pobre- tinha fisionomia e pele muito maltratadas- correr e se jogar dentro do automóvel desbotado. Um veículo velho e velhaco ( só se prestava para ações violentas e criminosas), e cuja cor desbotara de tanta vergonha, infâmia. Nos últimos anos, havia trocado de dono tantas vezes que submetia-se a qualquer comando. Tornara-se escravo definitivo. Uma espécie de moribundo de lata com carnes à mostra. Suas entranhas se espalhavam dentre painéis, relógios, pedais e outros comandos analógicos. Vida digital só em sonhos até então. Todavia, havia uma sonoplastia particular. Advinda de um bravo rádio am/fm que presentificava pedaços do mundo aos ocupantes fugidios. Sucessos musicais dos anos 70 e suas patéticas recordações reverberavam sem parar. Mas o som que ali ressoa mais alto também era bem outro. Era um bang-bang faroeste mal feito. Esses dois ocupantes fugitivos, meliantes oficiais na concepção pequeno-burguesa e seus códigos de conduta, decidiram trocar tiros com o segurança do supermercado do bairro afamado. Balas desorientadas espocavam pelos ares. Fachadas de edifícios eram autografadas pela pólvora assassina. Pânico de um Deus Pã sem humor. Não era a primeira vez. A lata velha, codinome do carro, também era resultante de roubo armado e tiros certeiros. Imaginem! Aquele monte de formações, cheias de tétano e outras pragas, sendo capaz de causar tantos problemas e cobiças! E quando decidia pela birra, pelo choramingar infantil da teimosia, a fingir-se de morto em plena turbulência da via expressa da cidade, e cuja ordenação cotidiana é o caos?
Justo nesse Sábado ensolarado- o que acirra os tesões na Guanabara ( dia nublado é sinônimo de brochura para alguns)- a lata velha não fez qualquer malcriação. Ficou ali: paralisada, feito neurótico que se mete a tagarelar letrinhas e a tela - metáfora para folha- reluzindo o vazio. Vazio nesse caso é alucinado na cor branca ou colorida dependendo da proteção de tela-folha que o freguês cibernético optar.
 Na mesma esquina, esquina contrária a dos espectadores congelados e no interior das vísceras da carroça metálica, escondia-se o motorista, profissão bandida, com um revólver numa das mãos. A outra mão segurava o volante com tamanha força e fé que quase o partiu em dois. Dava para notar o tremor, ainda que tentasse disfarçar. Tremia tudo. Desde o para-choque até o último fio de cabelo. E sobre um último fio de cabelo existem aqueles outros que negociariam, colocariam até no prego, a mamãezinha querida.
Nesse fato criminoso que se descreve não havia mais papo. Era guerra mesmo. Uma guerra péssima, covarde, pois não existia área demarcada, alvos específicos, comunicação prévia. Enfim, a baixaria belicosa oficial. Não há inocente numa guerra, bem sabemos. São todos culpados, já que inocentes também os são. Quando se pede paz, - algo que jamais houve na história dos homens e outros bichinhos- não pedimos pela pacificação certa. Qual seria então a guerra menos ruim, a mais profícua por haver? De guerra não se escapa. Supor uma paz é supor que uma entidade transcendente , perfumado permanentemente de Nirvana  número 5, governará os nossos desejos e sonhos. Os tais destinos que são fantasias deliciosas da turma da Emília. Aquela da obra de sonhos de um Lobato, O Monteiro. Delirava um som de pirlimpimpim  com olhinhos cerrados- estaria em êxtase a bonequinha de pano?- e o mundo revirava em coisas maravilhosas! E maravilhosas para cada um, o que daria um trabalho louco. Talvez por isso demore tanto. Ou seria a  vetusta entidade transcendental um alemão bem pragmático e mais ágil com o que fazer com os fatos, que insistem em ocorrer, no desenrolar do tempo? Caminhar dos sonhos, esse tal de tempo.
Emília não estava presente pessoalmente ( garantem alguns) , mas os que se faziam presentes, naquela esquina do bairro zona sul carioca, clamaram pelos seus milagres fantasiosos. É que num certo momento seguinte, o comparsa daquele treme-treme, e que permanecia ao volante da lata velha, corre em disparada - mais ágil que o próprio veículo- com sua arma em punho e tiros para o além. Acaba de balear o tal segurança do mercado onde roubaram quinquilharias. Não se disse que eram pobres? Tanto estardalhaço por tão pouco! Se ainda fosse um carro forte ou o banco todo!
Seu rosto crispado por uma única ruga odienta exprime o que se chamará num  só depois de dor. Fora atingido por uma bala certeira  vinda da arma do segurança que desmaiou na soleira da porta da lojinha que consertava as bicicletas de Pedrinhos e Emílias. A lojinha, falecida pouco depois do tiro que atingiu o segurança vizinho, revirou em algo mais snobe. Nunca mais  Pedrinhos e Emílias foram vistos por lá.
Cambaleando dolorosamente, o velocista assaltante jogou-se dentro do carro desbotado , mas tinhoso. Ronco forte, bravo combatente, saiu arrancado com seus dois inconsequentes cidadãos brasileiros. Teriam sido heróis? Desistiram de limpar as latrinas dos nossos banheiros?
Brasileiro, sobretudo da média e alta burguesia, somente aceita limpar latrinas estrangeiras. Tudo lá fora. Dizem que pagam direitinho ao brejeiro cidadão.
E quanto ao brejeiro cidadão que paralisado permaneceu - dizem que ainda está por ali feito assombração a escorar pilastras que escaparam ilesas das balas tresloucadas-  vislumbrando cada efeito especial, feito espectador hipnotizado, na sala escura do tradicional cinema do bairro e que exibe as mais diversas entranhas, estranjas ou locais, logo ali em frente?  Aquele mesmo do outro lado de uma outra esquina, agora esquina terceira? Ao menos nesse texto é da terceira que se fala. As outras duas ficaram para trás. Como se a lata-velha avançasse em marcha ré, o bandido caísse ferido de tanto amor, o segurança  tivesse atirado com balas de verduras e frutas, o supermercado fosse mini e incluísse a Cuca, o Tio Barnabé, a Dona Benta e os quitutes da Tia Nastácia.
Numa próxima vez, se houver, não esperes pelo pirlimpimpim de Emílias. Certas balas dessa vida, além das guloseimas para todas as idades e pica-paus , foram feitas para matar.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Rapidinhas num táxi.

O carro amarelo exibe a sua fumaça escura pela redondeza Guanabara. Aliás, Guanabara ficara para trás após golpe sórdido de milico ignorante que quis, num certo dia 31 do mês em que nasci, imperador absoluto se tornar. Onde estavas?
Há tempos atrás, alguns carros pretos, os temíveis veículos oficiais, traziam senhores taciturnos com seus ternos estranhos. Os carros da cor preta eram raros no país, idos dos anos 70/80, porque podiam ser confundidos com os tais oficiais. Compunham desse modo uma formalidade pretensiosa, o tal tipo palaciano, na sua pretensa limusine. Diziam-se autoridades, de autoria falsa, naquela cidade em que todo mundo, apenas por estar ali, acha-se tão importante. "Com quem pensas que está falando"?- "arroganteia" o pretenso egrégio cidadão. Afirmou categórico, a voz sem hesitações, sobre o verbo 'arrogantear' e que sequer existe na norma culta. Mas existe no mundo. E o mundo era só ele. Não se trata pois de um egoísta, importante virtude, mas sim de um egocêntrico incurável. Suas preferências, seus tesões, pretendem governar o mundo. Não só o que supõe seu, mas o daqueles que ele supõe serem outros. Isso faz grande confusão entre mundos iguais.
Os outros até então eram feitos de assombrações. Igual a um  filme de terror que esconde a melancolia que nos aguarda lá na frente. Tanto para vivos quanto para assombrados. Os outros, aqui entre todos, são parentes. Feitos da mesma matéria, de uma mesma pulsão. 
O cidadão que conduz  aquela fumaça de um automóvel balança caminhos à beira do oceano. Dobrou à esquerda, depois à direita. Arrumou o corpanzil e se lançou rumo ao destino que lhe fora indicado: uma zona central. Seu brinquedo de metal está cansado, velho. E quase todo velho é triste. Conduz nos ombros uma eternidade de manobras.
Sua suspensão começa a ranger quando inicia qualquer novo movimento. Corpanzil para lá e para cá. E recomeça a dança. "Seu rolamento está gasto"- uma voz quebra o silêncio da tal corrida. Ele finge não ouvir. Não quer mais escutar, pois está bastante cansado para obviedades. Por isso não ouve. Afinal, obviedades existem para não serem escutadas.
Bem próximo ao local da despedida, um outro semelhante dá-lhe uma bronca. Solta aquele xingamento-buzina de advertência. É um grito rouco, irritado. Todavia, perfeitamente audível mesmo com as intimidades, as tais janelas, fechadas. Tanto que os faróis, olhos de vidro que enxergam ao longe o que a escuridão guarda só para ela ( seria a escuridão um egocentrismo mal visto?), arregalam perplexidades uns para os outros. Resmungam combustões, gases, e claro, mais e mais fumaça. Contudo, perplexos! Já que ninguém quer reconhecer que se pode errar. Até porque não se faz outra coisa no vai e vem desses quadris de ferro, de lata. Oxidações? 
No interior daquele carro da cor da prata, modelo ultrapassado mas eficaz, e que resmungara primeiro, esconde-se uma senhora. Irritada, triste, e no comando da máquina. Tem os cabelos claros e o seu farol está baixo. Aonde iria? Onde estavas quando sonhávamos que a cidade Guanabara não havia envelhecido tanto? Apesar desse oceano camaleão, já que oscila por entre cores, e que  refresca o dorso nu, feito de pedra, cimento, vastos matagais e gente. E essa gente toda, inclusive suas águas Guanabaras, sacralizam suas curvas e a proclamam de cidade. Sob a benção do anjo-mau, aquele menino serelepe crivado de flechas e amódio, conhecido Sebastião: cidade tesão.
Ponto final. Ficarás onde?Logo ali, seu moço. Numa distância incalculável, mas que há. Feito de arrogâncias e seus " arroganteios ".

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O futebol e um pai. Uma noite de pelada.

Noite gelada com a garoa paulistana e o Ataliba, ponta direita do Juventus, clube de cepa italiana do também italiano bairro do Bexiga, na capital do Estado soberano, entrará em campo. O Juventus é chamado pelos seus destemidos admiradores ( hoje  seriam seguidores?), e cujo sado-masoquismo é exemplar, de 'O Moleque Travesso'. Tudo por causa das travessuras que costuma aprontar para os adversários mais poderosos, ricos, tradicionais e, curiosamente, populares. Isso mesmo. No país da fartura, os times que costumam triunfar são os mais populares. Os times que conquistam os títulos são os que seduzem a maior parte da platéia. E essa titulação torna-se um caminho sem volta. Conquistou, recebeu o diploma, no caso o troféu, está conquistado. Portanto, as equipes mais modestas, menos poderosas, costumam ser desprezadas. E tem gente que ainda crê na fidedignidade de um voto de pobreza, por exemplo. Mas qual ? De que pobreza falamos? No futebol, não funciona muito. Agora mesmo um mancebo, que arrancara as amígdalas infectadas, fugiu para exibir seus dotes de boleiro bom de bola na estranja. Declarou que desde muito pequenino sonhara em jogar no time mais famoso da Catalunha - que vem a ser aquela região européia e que também tem os seus sonhos, no caso específico, uma separação litigiosa do resto do que chamam de Espanha-, ao invés de sustentar o onírico tesão em jogar no próprio time brasileiro que o fez atleta de alto nível e pelo qual conquistou títulos internacionais e à seleção canarinho chegou. Esse clube paulista, bronzeado pelo porto famoso,  faz-se aristocrático, visto que abrigou um rei e  uma corte inteira. Tendo sido o clube mais vitorioso do futebol nacional e mundial, à época. Acontece também que naquele período não havia internet, facebooks, satélites poderosos, enfim, essa disponibilidade para se  conectar com o resto do mundo todo, formando uma rede global imensurável. Esse mundo que se avizinhou um bocadinho mais. Em compensação, havia futebol de alto nível. Uma distância enorme para o nível das peladas hojendía. Contudo, e com tudo isso, mas apesar disso, o jovem não se fez cooptar pela trajetória da instituição centenária. Preferiu se mandar.
E essa distância também se apresenta no tal ritmo com que a bola rola na cadência do artista que a empurra para frente, para o lado, até mesmo para trás. E há de se ter cuidado já que existe a tática do fogo amigo: o gol contra. O futebol parece acelerar no compasso dos bits e q-bits quânticos. E as pernas desajeitadas não acertam o passo. Os mais hábeis sobrevivem e faturam.  Futebol mais cadenciado é coisa artesanal, advertem especialistas. A correria é que dá o ritmo do desacerto e do descompasso. Feito cotidiano de cidade grande. Reparem no vai e vem - não dos quadris abençoados das mulheres- mas no trânsito debilóide das ruas e que evidencia o nível de falta de civilidade daquelas pernas mecânicas e seus robôs falantes. 
Que não se pense que esses algoritmos teclados, digitados aqui e agora, sejam ressentimentos saudosistas nem tampouco aquele papo de que foi melhor assim ou do outro jeito, naquele tempo lá para trás É tão somente uma falação de quem para frente, vez e sempre, espanta-se ao enxergar que para lá existe aquele jogador, aquela jogada à beira do abismo avizinhando-se. Gingando feito Mané e suas habilidosas pernas tortas sem a menor cerimônia. Invasão sem reversão. E é quase impossível não se afetar pela abominável saudade. O andamento do jogo tem essa conotação meio trágica, isto é, não é possível começar do zero. Não há não inscrição ou tábula rasa no nosso jogo humano. Não dá para afirmar que a pelada que já começara - e começou faz muito tempo- não começou, não houve. Passar o filme ao contrário, fingindo que a cena mais triste não fora triste assim. Pode-se apagar ( esquecer na lembrança), mas a sua havência enquanto cena , fato triste, será impossível de apagar supondo que não houve então. O quê? Um fato chamado triste. Seria injusto?!Vociferou alguém contra o árbitro do jogo. Queremos justiça! Mas qual? E o árbitro está de preto ou tem uma auréola encantada a lhe enfeitar a existência? Teria carnaval? No reino do Rei Pelé havia folia de sobra.
Será que o expectador na sua tentativa juvenil, pois iludida, em mudar o resultado do que não tem mais jeito de ser jogado, esqueceu das possíveis estratégias traçadas? Da regra do jogo?. Aquele acabou. Agora, partiremos para outros possíveis.
Quando naquela noite gelada da capital paulistana, meu pai e eu, contemplávamos Ataliba e seus comparsas atacarem uma Ponte Preta , num Pacaembu Machadista, o que se via? Estávamos abrigados pelas capas plásticas e pelo calor que os torcedores do time do Rei (Eram  ao menos dez mil torcedores vindos da baixada santista), a desejar o pior para o moleque travesso, cepa italiana, Ataliba a comandar sua guarda pretoriana. Nesse finalzinho dos anos 70, governo de João Valentão Figueiredo ( 'Eu prendo, arrebento') , os campeonatos de peladas no Brasil implicavam com as imposições gregorianas e o seu tempo, o seu calendário opressivo. O Paulistão de 1978, por exemplo, terminou no meio do ano de 1979! E assim adiante. Nesse torneio, O Santos F.C precisava que o moleque travesso não cometesse diabruras contra a Ponte campinense. A Ponte não tinha mais chances no campeonato e o Juventus poderia adiar o sonho do ainda não nascido, Neymar JR, em conquistar um troféu importante, após a era Pelé. Ataliba e sua correria e destreza poderiam ser empecilhos determinantes. A torcida juventina cabia nas tribunas sociais. O resto era preto e branco com ares de aristocracia em busca do trono fugidio. Conseguiram. A Ponte desportiva venceu e Ataliba chorou a lágrima sem volta. Mas não se deu tão mal assim. Foi contratado pelos Gaviões e sua Fidelidade, no ano seguinte, e por lá ganhou prestígio, dinheiro e titulações em forma de troféus. Fez parte da nobre geração do rei da dialética e seus calcanhares desconcertantes de um outro grego célebre, O Aquiles, e que platonicamente defendia democracias contra o tal João, cada vez menos valentão: O Dr. Sócrates.
Apito final. O resultado agrada aos dez mil abnegados torcedores que não se importaram com a garoa persistente e a temperatura que despenca nesse  pré-início de inverno. E o inverno era frio nessa época, pasmem. Orientava melhor a carcaça e suas vicissitudes. Mesmo que  Sampa conserve o hábito secular de transitar por diversas temperaturas e variados climas ao longo de um mesmo dia, durante o inverno havia frio.
Gazeta esportiva nas mãos, fim de jogo, carrocinha com lanche na esquina à espreita, rádio de pilha e os comentários sobre um outro jogo a tagarelar pelas ondas do tal aparelho radiofônico.  Mas seria realmente um outro jogo na fala dos doutos comentaristas? Claro, que sim. Afinal, cada jogo, um jogo. Nelson Rodrigues já defendia a causa até para se preservar das críticas  sobre a sua notória miopia. João, esse sim valentão, Saldanha , preservava-se por sua vez dos torpedos que lhe eram endereçados  mediante a sua fama de mitômano. Eram dois jogos nas tardes de Domingo do Maracanã. Aqui já entramos na ponte aérea da licença poética chamada digressão. Logo, havia o teatro de Nelson e a guerra do João Valentão.  
Um pergunta, antes da prorrogação e dos pênaltis para o jogo que virá , ecoa pelas marquises da alma.Quem sabe um singelo esclarecimento tático? O porquê  dessa rememoração esportiva tão específica, tão nítida, na retina das lembranças?
Talvez para evocar, reviver, um tipo de pai, quase herói, e que se banhara em águas de garoa gélida tendo ao seu lado o filho que torcia candidamente: por ele.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O Inverno, os ursos. Idades médias?

O final do livro de Daniel Bezerra e Carlos Orsi, intitulado 'Pura Picaretagem', Ed Leya, 2013, termina com uma bela citação do escritor e jornalista, Carlos Orsi: ' A compreensão filosófica do lugar do homem no universo enquanto um animal feito de poeira de estrelas, irmão das árvores, dos sapos e das bactérias, habitando a periferia de uma galáxia igual a bilhões de outras , tentando, como uma criança que cata conchas na praia e pondera o mar, entender a imensidão'.
Esse livro apresenta algumas das principais teorias em torno da Física, da Matemática, enfim, do que se pretende dizer - pra valer- sobre a mecânica quântica. O que há de sério, consistente, brilhante e as picaretagens ( que passeiam por todos os cantos do saber), e que os dois autores chamam de misticismo quântico. Outros apelidos também se presentificam tais como: cura quântica, ativismo quântico, trepada quântica...Essa é por minha conta de abuso. A ressalva é que nessa transa as resultantes tornar-se-ão somente nuvens e poeiras. Daqui a pouco, por suposto, haverá a manifestação quântica. Um vazio cheio de energia, feito vácuo, onde elétrons-manifestantes poderão ocupar dois lugares ao mesmo tempo. Inventarão a posição exata de um elétron mascarado, repleto de disposição. E viva a nossa insignificância quântica de macaco tagarela!
A frase mencionada e que encerra esse livro afeta os nossos sentidos e a história infantil dos que habitam as cidades banhadas pelo oceano, por exemplo. No nosso caso, o Atlântico. Nesse caso, as crianças ribeirinhas das megalópoles sem rumo contavam conchas sob castelos de areia a construir. E o oceano, numa generosidade ímpar, a partilhar cumplicidades. Não prolongava suas ondas, cuja extensão e velocidade são imponderáveis, para além da preservação do palácio que nascia. E eles seriam construídos, mas também seriam derrubados, pois nem mesmo a onda que arrebenta na areia mais próxima delibera sobre o seu destino de onda a morrer na areia! Existem as tais probabilidades. E somente elas: possibilidades. Quantas possibilidades seriam? Impossível saber. E quando se sabe é num depois que já não é mais o que havia começado e sabido. O futuro é somente uma possibilidade presente. E só se sabe sobre o que sabemos, ou seja, sobre aquilo que se fica sabendo. Frase apontada no livro citado. E como diz o pensador e psicanalista brasileiro , MD.Magno: ' Tudo que há é da ordem do conhecimento. Não há mistério algum. O que há é ignorância'. Não devemos confundir as duas coisas.
 Resta saber qual?  Do que se trata, em que nível, como se constitui....Isso é que é produção de saber, conhecimento. Considerar até não dar mais. E então falamos feito tagarelas macacos. E o falar pode ser uma canção, um som, um grito, uma dança, um silêncio alto. 'Grita baixo'! Alguém pediu ao desafinado com o coração a sair pela boca. E quem não tem o coração à boca feito elétron desvairado, seja saramandista ou bolebolense? E qual a criança que não foi cineasta por um único dia na areia com as ondas incontáveis, banhando as tais conchas, sua imensidão diante de  um único ano que já ficara para trás? E a onda se esborrachando contente, espumando alegrias! Um único e isolado ano tão somente.  Um sonho de permanência. Um filme. O passado presente.
Faz certo tempo ( mas que tempo é esse afinal?) que um ano a menos era demasiado para quem tinha tão poucas rotações e translações a oferecer, a construir mais um castelo que cairá em seguida. Tão logo a extensão do comprimento das ondas e suas frequências instáveis e pouco mapeáveis oscilarem um tanto a mais. As ondas então sofreriam da bipolaridade estrutural  humana, segundo algum místico quântico. Aquele tipo que transou quanticamente, utilizando acessórios subatômicos, produzindo orgasmos absolutos, tomados por poeiras, milhões de estrelas, meninas e meninos feito nuvens! Uau! Quanta energia! Quanta tolice! E ela , a tolice, seja macro ou micro, faz muito sucesso. Quase um 'Hit Parade' quântico.
A bipolaridade faz parte da nossa estrutura psíquica. O que pode caracterizar algo, que xingaremos de doença, diz respeito também às intensidades, a uma certa frequência em que essas afecções psíquicas se apresentam, configuram-se. Quantum , quantidade.Se oscila demais, feito onda desvairada, haverá estragos. Mudar de posição, desconfigurar o que sempre esteve configurado, saltar de um sintoma para outro, desrecalcar com prudência o que permanece escondido ou em potência, mas forçando passagem  e expressando-se por via dos próprios sintomas, exige mestria, análise. Não confundir com os ursos polares, já que essas formações paquidérmicas costumam ser lentas, gélidas, ferozes, mesmo quando sorriem (e sorrir é uma arte). Furiosos, sim! Apesar e por causa daquela beleza toda. Um vandalismo de beleza. Além do mais, esses ultra-polares mantém aquele cochilo tradicional ( uma 'siesta' hispânica que atingiu os pólos) e que perdura por meses, um mandato inteiro, sobretudo, durante o período invernal, sem contas a prestar. Um quantum mínimo de parana . Um quantum máximo de cinismo. Abandono de emprego? Daquela formação tão fofa e vestida de branco? Indumentária simples, passos bem marcados, diligentemente estudados. Caçador astuto.
O trabalho só recomeçará quando o frio intenso cessar. Temos a nossa preguiça sagrada. Aí é só comer, beber, dormir, rezar.... Fazer voto de pobreza. Quem sabe até habitar um palácio de césares com toda aquela riqueza de procedência suspeita? Bem mais consistente, na sua pujança para menos, do que os palácios de areia, de nossa infância que nunca cessa. Menos afortunado, entretanto, por sua postura tirânica. Negada, mas preservada há milênios. Diríamos que faz parte do seu etograma originário. Esses tais ursos que habitam diversos pólos. São como deuses para outros animais. Chamar-se-iam de carismáticos! O que é muito mal definido. Talvez algum místico quântico consiga defini-lo melhor. Aquela energia, aquela crença que é capaz de mover uma montanha ali outra acolá. Jamais se viu, mas eles garantem que há. E se garantem é porque há! Feito um delírio qualquer, afinal, foi dito. E tantos acreditam. Por quê? Porque querem. Cada um com o seu cada um, visto que seria profícuo- para iniciar conversa- relembrar que existem delírios e delírios. Uma teoria dita científica também é delirante. Resta saber como? Se tem pegas de realidade, consistência de argumentos, inteligibilidade, essas coisas da tresloucada razão.
Se não há a possibilidade de se apresentar aquilo que é nomeado, barbaramente, enquanto verdade, exatidão, precisão, façamos então do erro, do equívoco, da barbárie já dita, um  instrumento de validação para qualquer conhecimento? Para qualquer saber? Tomar ciência sobre os fatos - ofício do prestigiado cientista- há de seguir por essa via?
Os momentos presentes -  de volta a um passado tão distante e que não se apaga, juntando-se à promessa de um futuro que é só um devir feito de poeiras e estrelas e conchas- balançam os castelos erguidos nas areias dos sonhos dos meninos. Quem sabe não vira cinema? Dois elétrons brilhando, ao mesmo tempo, na escuridão do cinema 3D. E aqueles óculos.....Por enquanto, um saco. Ao menos, óculos. Secundariza um bocado a nossa exaurida cegueira.




quinta-feira, 11 de julho de 2013

A vidente ( Mãe Valéria traz o amor de volta) e o aristocrata ninguém.

Mãe Valéria é o nome dado a uma suposta senhora que adivinha , prevê fatos futuros. Mãe Valéria não sabe que o futuro é uma espécie de  presente postergado. Aliás, viu-se o rosto de Mãe Valéria, uma entidade que pode ser nome artístico para crenças e seus orixás , e ele era belo. O fato é que Mãe Valéria há e por muitas esquinas do Rio de Janeiro seus acólitos se encarregam da distribuição de farto material século XX -aqueles papeizinhos meio sujos, desbotados, cor de nada- para todos os transeuntes existentes e necessitados de algum préstimo, normalmente algum milagre de cepa amorosa. Pois um ponto forte da magia valeriana é trazer de volta o amor perdido em poucos dias, uma semana no máximo. Apesar do material propagandístico ser de quinta categoria, Valéria, A Mãe, tem a pressa das conexões cibernéticas. Seus discípulos mais otimistas ou adeptos radicais de um certo ufanismo, cercado de mistérios, tratam-na como um ser ultra pragmático.
Essas criaturas devotas passam horas a fio debaixo de trovoadas, picaretagens ou calor de estufa, a servir e serem servidos pelos poderes paranormais da senhora ( que também pode ser senhor. Dependendo da crença) . Eles acreditam, eles se alienam intensamente. Costumam se apelidar de fanáticos. E esse fanatismo pode não ser específico das adivinhações de fundo amoroso-odioso no sentido dos romances que envolvem casais independente do sexo próprio. Ele se junta a qualquer outro conteúdo, qualquer outra formação. Pode ser encontrado na política, nas religiões, nas instituições psicanalíticas, nos grupos musicais, teatrais ( sobretudo no teatro burguês e seus reis), nos embates esportivos, na famigerada família...E por aí nos perdemos.
O mais interessante é que os fanáticos creem que as Mães Valérias têm o poder. Na verdade, somente elas o possuem. Eles que ali apostaram suas fichas, suas crenças, suas expectativas, seus corpos à chuva e ao sol e ao ridículo, mas ainda à sua alienação paralisante, nada tem a ver com o jogo. Seus poderes não contam. Pior: pensam que não existem. Uma alienação mais confortável.
Desde o início que para nós, crianças humanas, repleta de limitações e impotências, as divindades com suas magias e farsas ( posteriormente denominadas de ciências e suas penicilinas tão boas ou a suas lobotomias más) instalam-se feito hardware no cérebro dos pequenos. O duplo salvação/salvador constitui uma das mais duras,  até porque alucinada, e maléficas formações que invadem a mente infantil via cultura psicotizante. A brincadeira de fazer de conta- em não se esquecer que a vida não transcende a ela mesma- torna-se fato bruto feito pedra dura que não se comporta. No máximo, um furo feito por água que não descansa. Logo, as pedras e as águas também têm os seus poderes.
A alienação infantil é trajetória necessária, indelével. Elas não possuem outra chance de saída. Está inscrito no seu etograma. Portanto, nascemos escravos. Millôr Fernandes já dizia que o tal homem nascia original e morria um plágio.  O que muitas vezes parece rebeldia - e a sociedade nos mostra nesses tempos de caminhadas que pode ser até possível - desloca-se tão somente para uma outra forma de servidão. Uma outra alienação. Daí que o macaco original pode ser mais ....original. Millorianamente falando.
E quem disse isso foi Millôr. Foi um alguém que produziu de verdade.Isolou-se e estava sempre por perto a dez mil anos pra frente. Não era nenhum anacoreta ou anti-social , e sim alguém que sacou que isso aqui é só isso aqui e é melhor a gente se apressar pois pode não haver mais tempo. Duro, não? Duríssimo e levíssimo. Millôr foi também um dos melhores cômicos que já houve por esses nossos cantos.Por isso também os poderes que serão apossados ou não para não se  fingir que a base, o chão, desse lado deveras inadimplente nada tem a ver com o palácio e suas torres magnânimas que nos apedrejaram de volta há pouco. Aliás, qual foi o palácio que não apedreja e acaricia de volta? Molière, trezentos e trinta anos de sua morte agora, frequentou diversos. E como produziu....E tinha humor à vera. Quase à guilhotina. Caso contrário, como suportar a sua hipocondria? E aqueles reis meio fedidos, sujos feito o papelzinho da bruxa contemporânea? Cada alguém tem a bruxinha que merece. Contemplemos aquela lambisgoia de passarela meio sem bunda ( seria um sobrenome de família?)  a desfilar?! E ela festeja trinta e três e não trezentos e trinta!! Molière está mais jovial.
Teria sido jogada de volta aquela pedra furada pelo pingo de água - que já afogara um poeta- feito objeto amoroso que a vidente para sonâmbulos promete também devolver, em uma semana? Trezentos e trinta anos é tempo demasiado até mesmo para as pedras. Há de se dar razão - e quem não a tem- aos alienados fanáticos que a adjetivaram de pragmática. John Dewey, aquele estadunidense tão genialmente pragmático, William James, um dos precursores da Psicologia,  poderão até perdoar. Quem jamais não apelou para "bruxices" e outras crendices na vã tentativa (pragmaticamente?) de gozar definitivamente com o duplo salvador/salvação?
Naquele palácio apedrejado/apedrejador sobrou o espelho - ainda que côncavo/convexo- a refletir  a turba nossa de cada dia. É que disseram certa vez a um rei, enamorado que estava de uma Mãe Valéria daquelas bandas mais orientais, que o espelho que retratava a corte em êxtase, visto que o pintor cansara das tantas  pinceladas, refletia uma arte definitivamente ocidental. O pintor limitou-se a descerrar o pano que encobria o imenso espelho e a turba, fingindo-se aristocrática, espelhava de euforia .
Dizem até que não houve quem se recusasse ( podem até ser os ufanistas meio juvenis de várias idades, aqueles do início, sabe-se lá?), a proclamar otimismos naquele palácio. Palácio esse  mais oriental ou até  mesmo de um planalto central? Ou ainda, o palácio de um Tiradentes inconfidente? O fato é que não houve quem  não deixasse de reconhecer no sorriso desbotado, mesmo que aristocraticamente extasiado, um ninguém no meio da multidão. E como fazia barulho!! Apesar do silêncio.