Lá se vai o tempo. Há aproximadamente 20 e poucos anos, Tim Maia, cantor mais do que festejado pelas nossas bandas, fizera apresentação no ainda moribundo Teatro do Hotel Nacional. Aquele hotel que se posta imponente-decadente, diante da praia de São Conrado, e que respira por aparelhos licitatórios , há décadas. Virou escombro de sua própria história. Nesse seu palco desfilaram grandes personagens. Foi onde conheci, vivinho e a cores, a música de Miles Davis. As primeiras edições do saudoso festival de música, final de década de 80, ' Free Jazz Concert', ocorreram lá. Depois foi para o MAM ( Museu de Arte Moderna) e começou a ruir. A turma passou a considerar o cigarro, patrocinador do evento, o inimigo número 1 do planeta , para além dos pulmões e vias aéreas, o dinheiro minguou , desafinou e deu o último suspiro. Era início dos anos 2000. Não se conseguiu mais a grana nossa que dita o passo do mundo. Bem que tentaram, através de estratégias questionáveis, manter o evento. Aquilo virou uma espécie de carnaval fora de época. Os corredores do museu , que por certo jamais foram visitados pela maioria que ali gritava "Uuu! Galera!", ficavam apinhados. Importava tudo, menos o Jazz, o Blues....Hoje, temos as 'Flips' da vida.
Um pouco antes, fim dos anos 80, e ainda considerado vivo pela Rede Globo de televisão e que transformava aquele show, no hotel dodói por demais, em programa da casa, conheci o cantor da voz possante. Minha amiga, a quem adjetivo + querida e que tem linda e possante voz também, apresentava-se junto com outras cantoras ótimas, na banda do moço famoso. Após o show, houve um encontro festivo num importante hotel - ' in a very good shape until now'- do Leblon, zona sul da cidade patrimônio. Típico evento que detesto. Um cordão de aduladores em torno da celebridade midiática. Acho patética a postura de colonizados subservientes. Aqui farei uma pequena digressão - tão comum nas minhas notas- para dizer que me esforço , há pelo menos duas décadas, para mitigar o meu complexo de inferioridade em relação ao meu mestre e analista e a quem considero um dos maiores poetas vivos. Portanto, tenho intimidade com esse sintoma vagabundo, safado! E o pior é que a manutenção do mesmo ainda busca por razões.....Ou seriam inadimplências insuperáveis? O que nós chamamos de impossibilidades modalizadas, regionais, visto que existem certas formações que se não forem desenvolvidas, estimuladas a tempo - sem contar as heranças genéticas somadas aos fatores epigenéticos -, jamais funcionarão da melhor maneira. É duro de escutar, mas é fato.
Então aquele senhor obeso, mal educado, grosseiro à medida da inconveniência, feio por demais, mas com aquele vozeirão que transformava canção para dores de amores em obra de arte, sentara-se à mesa do restaurante estrelado. Porém, cabe a pergunta: aprendeu ou ensinou para o Roberto, Rei, as canções que falam dos corações partidos? Foram parceiros de ofício e até amigos. Depois, os amores cantados se metamorfosearam em ódios. Nada mais comum. Daí que Fernando Pessoa já indicara o perigo desses amores todos.
Tim então cantou, ou melhor, vociferou para o garçom mais distante - afinal era motivo de exibição vocal- que lhe trouxesse umas garrafas do Whisky Bacana! Apareceram umas quatro ou cinco daquele malte que eu só tinha visto em festa de casamento de rico. Uma dessas garrafas era mais antiga do que a minha existência, à época. Quase lhe fiz deferência. O amigo que me acompanhava , levantou-se e a cumprimentou. Tim , o gente boa, quase o expulsou do recinto. "Que porra é essa? Será viado? Gostas de uma garrafinha, hein?" Simpático. A festa prossegue e mais e mais admiradores cercam a mesa. Tive a impressão de que tamanha comoção era pelo fato de que o nobre cantante tinha aparecido para trabalhar, já que tinha fama de não comparecer, vez ou outra, ao local de trabalho. Seriedade. Alguns goles depois, minha querida amiga se aproxima dos meus confusos ouvidos e alerta: " Sai fora , pois vai sobrar para vocês". Não entendi a princípio. Na expectativa de que ela fosse me encantar nos ouvidos, corpo todo, ela me intrigou com aquele alerta. Corneta avisando sobre possíveis temporais. Enebriado pela tolice de tiete, vi o rótulo dos tais escoceses egrégios a me piscar. Só faltava essa. Além da saudação, a bebida bacana exigia interlocução! Olhos esfregados, tudo piscava. Até o Tim. O amigo já estava íntimo. Cantarolava com os outros convivas. Um pouco depois, compreendido o sentido daquele recado, o tal alerta da tempestade por vir, restava então chamar, socorrer o amigo que se deslumbrara. O amigo também é alertado sobre o tamanho do prejuízo que aquela produção escocesa poderia desencadear. Não deu a mínima. Estava devidamente cooptado pelo vozeirão e suas tagarelices. Todavia, não se pestanejou. Porta de saída, a mais próxima à vista, e as escadas foram mapeadas uma a uma até o adeus final. Ufa! Sem olhar para trás. Vai que aquele malte bacana resolve tomar satisfações?
Dia seguinte, sem ressaca a cutucar, e de vagas lembranças. Dia chuvoso numa cidade que se metamorfoseia em pouca alegria. Ela tem essa sensação de que o sol lhe esnobara. Pergunte ao carioca-cidade porque essa pretensão, ou melhor, o porquê desse imperativo dirigido ao sol bacana , mas também cruel em certas épocas, por uma presença contundente por demais a todo momento?
O telefone que se fazia de mudo, preguiçoso, logo será acordado. Imaginem uma onomatopeia de som de teclado de telefone antigo: número discado. Do lado de lá, sem nenhuma transcendência a ocorrer, a voz de desânimo a se esforçar a responder. Somente uma vogal se faz presente. Imaginem agora o som de um aaa quase natimorto. Diriam bastante depressivo esse alô de dia chuvoso. Perguntei-lhe então: " E o seu novo amigo, o Tim? Te deu motivo"?
O que foi respondido podemos até imaginar, já que o telefone desse lado de cá tremia, tremia. Sua voz ganhara vida, força! Filho daquilo, filho disso!E tanto amor fora proferido ao agora ex-ídolo. Também pudera: pagou praticamente toda a despesa daqueles escoceses, com saias feitas de vidro e a afetar
, com a sutileza de um murro, o nosso sistema nervoso central e outros comandos. Pagou com promessas, isto é, pagou com uns tais cheques pré-datados. Uma deliciosa e enlouquecida promessa a mais do mercado financeiro brasileiro. Negociou com o gerente do tal restaurante/bar que já estava acostumado com as 'maias' do Tim.
Quando morreu o Tim, voltava de uma prova para cargos públicos, e escutei a notícia no rádio. Era o ano de 1998. A primeira reação foi a lembrança do amigo. Estaria ele acompanhado de algum outro escocês a lhe consolar? A lhe dizer " Me dê motivo....( imaginem a música ).
Um comentário:
geeeeente, nao lembro de metade dessa história, vc realmente é demais!!! quem era o amigo? esqueci! ahahahahaha muito bom! obrigada pela risada que dei agora! bejos
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