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sábado, 23 de setembro de 2017

Cena pré e pós carioca

Avenida Vieira Souto, tarde de sexta.
Uma equipe filmava um capítulo de novela em que uma das personagens é menino/menina. Ela estava por ali. Sentada aguardando a chamada para cena. Bisbilhoteiros fuçavam a cena com seus abomináveis celulares. Passei correndo, malcriado. A ciclovia me acenava como se dissesse: ' Venha amigo velo. Você me usa e abusa desde a adolescência.' Diligente, obedeci. AS balas histéricas cantavam soltas na Rocinha.
Chego ao Arpoador onde frequentei por treze anos o espaço que batizei como 'Flintstones Fitness'. Uma academia de musculação feita de pedras e rochas e pedritas e freds e wilmas e o quê não foi e nunca será. Como avisa uma outra canção.
Não frequento mais os pesos porque arrebentei a coluna no ano passado por conta da brutalidade do material em questão.
Fico pendurado naquelas barras, paralelas que, gentilmente, espalharam-se pela orla toda. Feitas de material que não corrói. Que resiste à força da maresia e bebedeiras, melhor dizendo: ressaca do oceano próximo.
Antes de me retirar, um DOG alemão faz uma saudação. Dog Alemão é aquela mistura de cachorro com cavalo. Enorme, lindo e bobalhão. Adoro. Em seguida, uma senhora com o canto da boca um pouco torto para esquerda se aproxima. Tem os olhos arregalados e um sotaque turístico. 'Moço, por favor. Posso chegar a Copacabana seguindo por aqui?'
'Não, disse-lhe. Por aqui só se for a nado. E mesmo assim teria que transpor as pedras e rochas ( atravessaria portanto a Flintstones Fitness) , arrumando assim um outro problema. Terias que invadir aquele espaço ali e que pertence ao exército. Ao famoso e conspirador, Forte de Copacabana.'
Mostrei-lhe o sentido apropriado a seguir.
'A senhora está de férias?'
'Sou aposentada. Trouxe os meus sobrinhos para o Rock in Rio. Eles se mandaram para o festival e eu resolvi passear. Tenho 70 anos. Sou viúva.'
'Boa caminhada. Boa jornada, Seja bem vinda'.
Ela ajeitou, com muito esforço, a boca torta e fugiu feliz.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Sebastião Favelizado.

As barricadas em chamas me fazem lembrar os tempos em que trabalhamos numa comunidade chamada Costa Barros. Já deve ter virado bairro. Ao menos, Barros Filho, é bairro. Ali, pertinho da última estação da linha 2 do metrô, Estação da Pavuna. Não são, definitiva e factualmente, paraísos turísticos. E por lá se vão mais de 20 anos. Era uma comunidade sitiada. A mesma condição que também se estende, há décadas, ao resto da cidade. Toques de recolher, cemitérios clandestinos, grades horrorosas 'resguardando' prédios, cancelas determinando o vai e vem sexual dos veículos e seus condutores, nos condomínios menos antigos, enfim, uma paranoia que, para além de uma possível metodologia de segurança, tornou-se doença grave. Patologia incorporada.
Relembrando também que já se foi jovem, temerário. Partidário dos movimentos denegatórios da mente. Você viu, percebeu algo mas não quer enxergar. Como ensina o mestre, recusa-se a ver. Não quer agir de uma forma outra que não aquela que nos seja mais conveniente, menos desconfortável ( ainda que esse desconforto fosse necessário para haver entendimento e nova postura possível). Promove-se então um novo recalque. Um modo de manter fechadinho, trancado aquela formação que lhe trouxe, da qual fora afetado. Só que existe um problema. Está trancado, inconsciente, mas não desapareceu. Não adianta fingir que não houve, que não há . Esse é o aspecto tragicômico da nossa própria existência . Uma vez escrito, está posto. Você até apaga esse texto. Você pode ignorar o texto, lixar-se para ele ( o mais frequente) , curtir, etc e outros. Mas ele houve. E restará enquanto rascunho, na sua forma original, ou melhor : sintoma.
Quando Magno afirma, dentre outras tantas postulações e correções- que um sintoma nos remete ao SIM, a essa afirmatividade radical e indelével, sendo nomeado é simples de se entender, e difícil de operar. Diante da afirmatividade permanente do tesão humano e sua vontade de levá-lo ao extremo ( inconsciente que se manifesta. Um desejo 'nirvânico' de zerar esse querer) . E como não há passagem para um ouro mundo, ou seja, uma transcendência requerida , ele escapa. derrapa, quebra a fuça. Surge, manifesta-se, permanece enquanto um sintoma qualquer , ou seja,: os conhecidos e estranhos, atos falhos, chistes , sonhos, uma patologia qualquer, um ato criativo. Pronto. Apresentou mais um heterônimo nessa multiplicidade que se é enquanto Pessoas. Não somente Um Fernando.
O quanto que já se viu e compreendeu sobre o sintoma Rio de Janeiro e sua decadência pós 64 e perda da condição de capital federal ? Uma sequência de governos atabalhoados, porque não chamá-los a termo: péssimas gestões. Muitas desonestas inclusive. Houve até uma Doença de Chagas que deixou herança biliardária para seus estoicos. Configurou-se um dos maiores latifúndios urbanos do mundo.Curioso que a presença federal no Estado é grandiosa. Universidade, hospitais, servidores públicos da União que somados ( até meados dos anos 2000) formavam um contingente maior que o número de servidores da capital do planalto central. E isso nos atrapalha muito mais do que ajuda.
Oitocentas e cinquenta favelas que confinam cerca de um milhão e meio de cidadãos ( sem cidadania).
E outros cinco ou seis milhões, cinicamente, manipulados e manipulando denegações.Uma roleta russa.
Houve ainda a derradeira fusão-saideira do Estado do Velho Rio e uma Baía a naufragar Guanabaras.
Vilanias de um Sebastião Glorificado.