O mundo vai acabar. Que ótimo então. Já aprendi que ele sem o que chamamos de Eu não há. O troço parece continuar havendo , mas sem a nossa tão preciosa presença - e o presencial é tão importante, ao menos numa sessão de análise- ele realmente não há. Para minha mãe, que já morreu, o mundo continua havendo, mas sem ela. O mundo para ela não há mais. Sem mamãe o mundo não há. Para ela, para além do suposto, evidência que dura. É quase uma equação: presença- ausente= saudade.
E qual seria a agonia desencadeada se o precioso haver desaparecer para nós?
Toda agitação histérica nesse exato momento se deve ao Sr. Nostradamus, um grande cientista da sua época. E já se passaram cinco séculos desde seu nascimento até as suas pesquisas. E era francês. E lá de Provence, onde visitarei seus hábitos cotidianos em breve. Imaginem um francês com alquimias e adivinhações? No país dos iluminismos, mas que sempre se preocupou com as sombras, com as trevas. Vide Deleuze, Foucault , Lacan, Valéry, Rimbaud, Cézanne, Milner, Dolto - que faz rima com Truffaut-,etcetera. Cézanne que ditou rumos para pintura no século XX, cubismo e outros impressionistas, também é filho da região de Provence. As suas perspectivas modificadas não indicavam um fim para o seu mundo, e sim a eternidade de sua obra, de sua autoria.
Então certos alinhamentos astronômicos, quem sabe um meteoro de porre cambaleando sem rumo, provocariam choques, impactos, era glacial a emergir, abalos sísmicos de grande intensidade, mares rebeldes, enfim, as tragédias provocadas pela mamãe natureza - não somente mais a minha-, e suas vicissitudes a destruir o haver tal como o conhecemos.
Muito já se tergiversou - expressão esnobe para não dizer tagarelar- sobre isso: literatura, previsões ( Nostradamus é um dos mais célebres nesse ramo), teses acadêmicas, cinema, televisão, conversa de botequim presencial ou virtual (leia-se rede social) e outras ilusões. Os chamados fatalistas, por exemplo, são os melancólicos que se recusam a aceitar que desde sempre, ali pelos idos do bebê chorão, alucinamos, pela via de um seio materno acolhedor, uma formação que não há e que pensamos que se perdeu. O que levou toda uma psicanálise lacaniana a supor- brilhantemente- que o que move o nosso desejo é algo faltoso. Não. Aprendemos com a psicanálise contemporânea brasileira, nomeada Novamente, que é algo impossível, que jamais sequer houve de fato, o atrator dos nossos caros tesões. Porque há,portanto, essa formação de direito. Afinal, não o desejamos?
Portanto, o luto - indicado pelo mestre- é o que nos acompanha sempre. O sentido disso: alegria! Espocar de foguetes nos céus do haver! Difícil, não é? Não. Do ponto de vista do entendimento enciclopédico não é difícil. Difícil é experimentar a sensação de solidão absoluta, quase derrelição, a cada bom dia, a cada dia lindo, a cada fim do mundo eu. Difícil é se perceber covarde e impotente para mandar o mundo eu às favas, e não destruí-lo, pois se poderá ir junto. Aonde? Lugar algum ou o mesmo de sempre.
Com aquele sintoma de senhor-escravo que irriga a pança do perverso que só pensa em comandar, não haverá mudança sequer. E com o bundão neurótico que se regozija com a subserviência, somente atrasos e retrocessos. Falamos então de eu.
Abaixo do Equador, nos trópicos, é o vira lata em seu espírito de mundo. E não é vira lata cachorro não. Esse merece todo respeito. Alimenta-se do resto do nosso lixo, do desprezo, com nirvana. E ele, formação cachorro, nem sabe disso. Nem lhe pertence. Fala-se sim daquele outro bicho, primo irmão, que o gênio de Nelson Rodrigues rosnou em letrinhas, em profecias verificáveis. E ele acertou em cheio. Qual o mundo que sequer nasceu e que se quer destruir seu embrião?
O mundo eu terminou em alguns momentos. No beijo de boa noite, aguardado proustianamente pelo filho personagem ator ( logo no" Caminho de Swan", primeiro volume dos sete outros da obra de Marcel Proust, primeiro encontro ), da sua mãe que não viera cumprir aquele acordo amoroso de todas as noites. E o que se esperar de uma senhora - ofício de mãe- senão acolhimentos amorosos? Uma palmada bem dosada ( sem a violência que se pode cometer, sabemos como funciona a boçalidade humana), no momento certo, constitui um ato amoroso. De quem cuida. O problema é o tal momento certo, visto que essa espécie humana funciona em atraso. É o que Freud nos ensinou através do conceito de "só depois". A neurociência de hoje já evidencia também esse fato. Demora-se alguns segundos - isso quando é uma tolice amena-, pois normalmente levamos dias, meses, décadas ou toda a havência que houver para se compreender, significar, reconhecer algo que se apresenta, que se informa. Perguntemos pois a Nostradamus?
Também terminou, o mundo eu, na expectativa ilusória de que esse mesmo beijo resolveria tudo. Salvação.
A Salvação não há. É que nem felicidade. Tudo no plural, pois múltiplo, transitivo....Existem os diversos momentos, as incontáveis formas para salvar aqui e agora. E os tempos de felicidade: do aqui a outrora. Mundos futuros. Se um houver.
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