A tecnologia mudou para sempre - e o para sempre se deve ao fato de que a nossa presença temporal é curta ,apesar de eterna- as vinculações entre os chamados humanos.
Parece-me um caminho sem volta.
Isso que está sendo escrito ,por exemplo,pode ter um alcance inimaginável,do ponto de vista quantitativo e também na rapidez com que o espanto - mediante pretensão e conteúdo- pode emergir.
Sou de um tempo em que havia as cartas de papel,as epístolas proustianamente enviadas por um sistema que percorria os subterrâneos parisienses.Mas isso era Paris,início do século XX .Sonhos para Woody Allen.
Aquele papel de sentimentos nobres e torpes provocava alvoroço por antecipações e atrasos.Não foram raros os momentos em que se desejou os piores destinos às instituições e seus preceptores, pelo desaparecimento daquele envelope com aquele papel dobrado e colado de cuidados.
Em alguns lugares,normalmente em casas com quintais exuberantes ,onde não havia local adequado a abrigar as cartas do mundo todo,o maratonista vestido de amarelo e sua sacola azul ,fiel escudeira, desafiavam animais domésticos - adoráveis cãezinhos - e suas mandíbulas, determinanadas a manter a fama de uma lealdade ,inquestionável pelo cinismo ou cãonismo - Diógenes a uivar em tonéis greco-alexandrinos- de seus donos.
Recorda-se de uma madrinha que ,em estilo mais que proustiano, escrevia por todos os lados e margens da folha, até a mesma dizer basta!Não percebes que não há mais espaço e que aquela história passa a não fazer mais sentido algum.Já não juntas mais o sujeito com aquele predicado.... e tem aquele verbo também.
' O nosso cão foi ao parque'. O cão foi ao parque.O sujeito é o cão.E esse é modesto,pois num período recente da história do Brasil-querido, um certo cão andou frequentando exibições palacianas em sessões de cinema.
Parece que fez críticas bem pertinentes.Logo, o cão foi ao cinema e fez sua parte enquanto espectador. O Sujeito entre o significante cão e toda a significação, que compõe a crítica à película inconteste , é o espectador pertinente com as quatro patinhas. Bacana. Vivendo e desaprendendo.
Houve aquele dia ,porém, em que alguém seduziu o outro ,na verdade seduziu a si mesmo,enviando uma carta chamada de erotismo. A carta, segundo uma prezadíssima e querida colega,deveria conter lascívia nas tintas da caneta.Não havia impressões por computadores,nessas horas .Esse binarismo que nos aproxima.
Foi pessoalmente, a enviada, entregar ao seduzido - as mulheres costumam escolher quem irá escolhê-las- a tal lascívia,ou melhor, a tal carta.
Parou o carro no meio da rua,alheia aos xingamentos provenientes dos carros que aguardavam ,curiosos,no engarrafamento colossal que se formara.
O funcionário,diz-se porteiro-futrica,correu lépido a pegar o envelope que tremia de tesão.
Tinha nome- o futrica- de cidade satélite da capital brasileira.Acolá no Planalto perdido.
Sumiu com a correspondência....Dias se passaram e a angustiada de Ipanema sem resposta por vir, a roer algumas francesinhas das mãos, vociferando contra o seduzido ,no mínimo,negligente.
Esperou.Compartilhou e confabulou com amigas sobre os passos seguintes.Xingava baixinho: 'Esnobe,negligente,pedante.Como ousas não corresponder àquela erótica toda'?
Certa manhã,bem cedinho, sabendo que o seduzido mantinha romance duradouro com a cama,telefonou-lhe.
Do lado de cá,ou melhor,de lá ,voz rouca de quem está bêbado sem beber, o rapaz incrédulo, ou seja,- negligente + 'BlASÉ',garantia-lhe que nunca recebera tão honrosa missiva.
Silêncio.Perplexidade.Agora,quem estava incrédula era a sedura de todos os bairros.
Teria o futrica,funcionário prestativo do edifício,lido e por alguma dessas vicissitudes do haver , inveja ou até o seu primo mais nocivo,o ressentimento, interrompido o fluxo daquele tesão intenso?Tesão metaforizado sob a forma de uma missiva entre jovens e seus hormônios agitados?
Mistério.....
Semanas se foram e o fato ocorrido emergiu.
Homônimos podem ser perigosos.Se você é o José do apt x e há um José ,obviamente outro,residente no apt x2,você deve contar com o esmero, e não ressentimento,de um futrica mais atento.Ele pode ,conscientemente sacãna ou não, atrapalhar tudo: entregar o seu tesão para o seduzido errado.Logo ali.No andar de cima.
O tesão era tanto que subiu um andar a mais.
Hoje ,o risco ainda há.Vai que se digita o endereço eletrônico do andar de baixo?
Sem perder o sinal da conexão, a sedutora, em seus múltiplos encantos, propôs ao reativo-blasé um encontro presencial,a fim de construir ,descontruindo certos equívocos com futricas.
Mas aí,virou uma outra história.Uma outra epístola. A caminho,quase sempre,incerto.
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