Marcadores

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Melancolia e bolo de carne.

Foi então que o Dinamarquês Lars Von Trier,diretor de cinema polemista e talentoso,avançou com a sua melancolia azul,arredondada,forma de bola que flutua,suavemente em direção ao nosso planetinha.
Fizeram cálculos ,os tais cientistas,e asseguraram que não havia risco maior de colisão.Ela,a melancolia,daria uma lambidinha no nosso prezado e insignificante planeta,para depois partir.
Sabe como é o cálculo preciso de um matemático.Ele quer explicar o mundo por aquela via.Aí vem um lógico,um pouco mais chegado aquilo que dizem ser abstrações , e bagunça tudo.Vem um Físico e bagunça um pouco mais:'Mas o nosso universo está em expansão....a velocidade da luz passa a ser questionada inclusive.Einstein se remove nas tumbas de um universo dito elegante..." E vem psicanalista meter o bedelho,falar sobre o comportamento dos personagens,vem o filósofo discorrer sobre o ser ,sobre a ontologia do planeta e do diretor, e tudo isto está valendo.Podemos falar com vontade.Até porque aquilo nos remete à certas falas.
O diretor já declarara que sofre de depressão,ou seja,é um homem contemporâneo do seu tempo. Depressão está na moda e isso pode ser preocupante ,já que os medicamentos - úteis e em alguns casos imprescindíveis- não são vitaminas e não deveriam ser prescritos de qualquer forma,pois afetam o sistema nervoso central e tem efeitos colaterais.Ganho de peso,impotência - nos meninos sobretudo-, alteração na qualidade do sono,aumento da pressão arterial - no caso dos hipertensos é preciso cuidado-, dentre outros sintomas.
No caso da película não melancólica, ao contrário, pois tenta reverter o sintoma não somente esclarecendo sobre os mecanismos que a compõem ,mas agindo sobre o mesmo,algumas sequencias no filme são exemplares. O cientista que supõe saber tudo e crê que o cálculo diz tudo sobre o que há.Decepcionado,não segura a peteca e é o primeiro a abandonar o barco;a criança cuja inscrição de um fim,de um término definitivo, não se dá enquanto tal, e tudo aquilo virá mais um sonho, repleto de tias heroínas a salvá-lo; a irmã salvacionista -companheira e gentil é bem verdade,mas insuportável no seu papel de salvacionista do outro e rainha do lar,rainha mãe,mulher dedicada e exemplar do tal cientista afortunado; e a melancólica cujo mundo já tinha sido faz tempo...apesar da farsa que sustenta,já que ainda vive,se alimenta,gosta de cavalgar um garanhão,dá uma trepadinha com o garotinho-aprendiz,para que os convidados se divirtam.E gosta também de bolo de carne.
Já o papai e a mamãe são malcriados do mesmo modo que o diretor.Mamãe de melancólica só diz coisas certas nas horas erradas.Comporta-se bem-mal.O papai é um taradinho inconsequente que coleciona talheres sofisticados. Ah! Existe o corno....E pediu para sê-lo.Fez questão de não sossegar na sua vocação para escravo amoroso de um desprezo anunciado desde sempre.
A festa é sofisticada,o local lindo.Comidas e bebidas e uma promoção no emprego.Demais não é?
É.
A farsa de quem finge não ter mais mundo é essa arrogância em supor que pode se atravessar o que não há,o abismo mais fundo.Até o garanhão e o carrinho de golfe não conseguiram cruzar aquela ponte.Aquela ponte vai a nenhum lugar,a um não lugar.É uma espécie de silêncio wittgenstaniano.Não há mais o que dizer.
Uma melancolia me parece feito menino mimado.Conheço bem ,pois fui um.Rebelei-me a tempo de não me ferrar um pouco mais. Se você banca o salvacionista ou o provedor incansável e oferece e oferece e oferece,esse massacre de ofertas e coisas e luxos só reforçará o sintoma paralisante ,quase catatônico.Na verdade,catatônico.
Criança mimada sabe correr atrás quando tem fome.Não precisa ficar empurrando nada goela abaixo,até porque nada já é muita coisa.Uma anorexia parece alimentar-se de coisa alguma.E o bolo de carne,sabor de infância ,passa a ter gosto de cinza.
Se bem que....Aquilo lá não é uma neurose um pouco mais apimentada,não?Aquele desinteresse não tem um certo charme histérico de quem quer todas as coisas ao mesmo tempo e que de algum modo já sacou que o que interessa é impossível,mas não quer se mancar quanto a isso?O que seria se mancar,por exemplo?
Num Seminário de 1992,intitulado Pedagogia Freudiana,MD Magno já nos ensinou que pode-se beber o vinho,a festa,o maldito casamento,enfim, a existência do dia a dia, com Nirvana.O capítulo se chama "Sorvete com Nirvana".Antídoto contra melancolias e cinismos
Lembram daquela anedota: quer eleger um mestre para em seguida destituí-lo,jogá-lo no lixo.
É disso que padecemos vez ou outra,vez e sempre.Discípulo é confiável?

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Um novo ano?

Esse ano não acabará.Decidi que ele continua.Será eterno.Mas
é preciso tão somente um movimento desejante próprio para que algo assim se
perpetue?Nas ilusões nossas de todo o dia, sim.De fato, não.
Todo ano é singular ,pois único,assim como cada um e seus tesões
particulares,únicos também.
O que há de genérico em cada coisa que habita por aí são as
intercessões que nos compõem.É essa coisa em comum e que nos vincula também.Mas
ela é uma só, numa miríade sem fim.
O que faz a cultura e os seus próceres senão nos catequizar
a todo momento. O curioso é que isso se
assemelha a uma posição opositiva,contrária,àquela que está no comando.Qualquer
um que se opõe ,por exemplo, a uma liderança política qualquer deve adotar tal
postura,ou seja, a da insistência na sua posição contrária àquela dominante de
momento.Mas a diferença reside no fato de que não se deve tentar convencer.É
inútil se do lado de lá tem alguém que raciocina um pouquinho só.É muita
pretensão achar que se convence alguém que não quer ser convencido,manipulado...por
aquilo.Visto que será pego por outra coisa ou outro alguém.Inarredavelmente.Porém,pode
operar juízos menos preconceituosos,mais abstratos.Conteúdo demais atrapalha.
Mas o que se faz mediante o fato bruto de que somos nós
também os comandantes dessa nau repleta de furos?Justamente por esse comando...
Engana-se quem crê no poder absoluto do que quer que haja
.Manipuladores,hipnotizadores,adivinhos,máfia branca ou de qualquer
coloração...Tudo isso são contribuições nossas.
A quem suponha – cínica ou ingenuamente- que o parlamento e
seus participantes são seres transcendentes e que não nos dizem respeito.Chegaram
lá por mera providência divina. Deve ter sido.....E o fato de não ter elegido
esse ou aquele candidato, ou então, não ter participado do jogo ,abstendo-se ou
anulando a sua decisão, não nos exime de responsabilidades.Estamos no mesmo
jogo.Não há como não estar no jogo!E ele é cada vez mais amplo e incomensurável.
As informações estão quantitativamente mais rápidas e mais numerosas.Um preço a
ser pago pela tecnologia vigente.Como filtrar tudo isso sem enlouquecer?Sem dar
razão às tentações egocêntricas, e ou histéricas, de querer dar conta de tudo?Haja
narcisismo para tanto. E é típico dos que transformam sua própria existência
enquanto fundamento para se olhar o mundo e ser olhado pelo mesmo. Aliás, quem
olha pra quem e para quê?
A minha questão diz respeito a uma vã tentativa de não
encerrar esse ano agora. Quero poder dizer não a esse calendário religioso,de
cepa gregoriana,vez ou outra,já que inteiramente é praticamente impossível.As
formações culturais – definidas pela Nova Psicanálise de um modo geral-
enquanto modos de existir dessa chamada espécie humana são poderosíssimas.São
hábitos ,costumes ,arraigados por milênios.
Portamos um organismo frágil na sua origem. Sim ou
não?Alguém se candidata a uma briguinha ,digamos um vale-tudo, contra um leão
ou um urso famintos?Uma corridinha na água,valendo medalha, contra um tubarão ?
Isso sem falar nos microorganismos,nos parasitas, que matam centenas
de milhares todos os anos,há tanto tempo.
Contudo ,temos uma mente capaz de avessar o que quer que
esteja posto para ‘nosotros’.E esse é o nosso maior poder.Ali,nas grimpas das
nossas oposições,nas nossas binariedades,similares ao computador, na verdade
para além dessas polaridades sim/não dia/noite/ morte/vida mania/depressão, 0/1
etc, temos a chance da novidade sempre em progresso,da chamada criação.Um salto
bem maior do que a já tão útil e relevante criatividade que mistura opostos
existentes,mesclando o que já está posto e decantado na vida, e inventa outra
coisa.Todavia, criar é fazer brotar algo radicalmente novo,jamais
pensado.Talvez estivesse até em potência,o que é muito comum,mas não havia
pintado e reverte o jogo jogado.
Esse organismo idiota pode sofisticar-se. Fez
roupa,remédio,residência,aprendeu a química dos alimentos,desenvolveu técnicas
de guerra,instrumentos para caça,bolsa de valores ,música ,cinema,tudo isso aí
junto que vem a ser arte.
Existe gente –gregoriana demasiadamente ou não- que acha que
a natureza humana é a das florestas,a dos botos.Não.Nada mais natural para essa
nossa espécie do que os artifícios que produzimos e de tantos outros que ainda
seremos capazes de gerar.O que não implica em ter que destruir a natureza outra
e que já estava aí desde sempre.Além do que ,necessitamos dela para sobreviver.Ao
menos enquanto a espécie permanecer feito carbono. E ela tem belezas extraordinárias,o
tal haver natureza. Nunca viram um ornitorrinco?Um Tsunami?Uma chacoalhada mais
irritadiça dos deuses das camadas mais profundas dessa terra, chamada Terra,
conceituada enquanto terremoto?
Certa vez o meu mestre indagou:”E se o verde for a
poluição?E se o tal Deus –que tantos conjecturam – não gostar da gente?”E não
há como não conjecturá-lo.O problema é que não se toma isso enquanto mais uma
prótese,uma criação da espécie,capaz de aplacar algumas angústias e
desamparos.Se não for por essa via o que se vê são ataques delirantes de
sacralização de meros personagens ,assim como nós.Agora mesmo vive-se isso numa
tribo distante,lá pela Ásia do mundo, em que o ex-mandatário,ex-presidente,ex-rei,
cometeu o seu maior pecado.Para além da soberba,pecado maior para os cristãos
,por exemplo, o cidadão morreu.Tadinho: ele não podia fazê-lo.
As reações do seu dito povo são as piores possíveis.Aquilo
chega a assustar,sobretudo quando sabemos que ele desenvolvem armas capazes de
explodir o haver por inteiro.Então que tratemos de desenvolver a nossa
também!Por que um grupo de psicóticos privilegiados pode possuir esse poder e
nós outros, da Ameriquinha ao Sul, não podemos? Qual o porquê de tanta
subserviência?
Num sistema prisional ,os bons moços e moças residentes de
lá se respeitam.Sabem que ali só tem gente boa....capazes de quase tudo.Numa
academia de artes marciais idem.Já freqüentei.Todos sabiam dar porrada e tomar
de volta.Por que somente a certas criaturas,independente de suas convicções
religiosas ,políticas, lhes é dado o direito de poder apontar os seus
brinquedos belicosos e destruir o mesmo planetinha que, hoje em dia,
articula-se em rede cada vez mais ampla?Manda quem pode e obedece quem tem
juízo?”Maybe”,talvez.
Pois é. Resolvi então implicar com Deus.Decidi não encerrar
o ano.Tampouco pretendo morrer antes que ele se eternize enquanto único-ano.
Papai Noel,aquele gordo escroto que funciona bem no país de
onde veio ,pois o inverno é tão intenso e implacável,restringindo a tal luz
natural, que também tem as suas inadimplências enquanto luz, que a turma que
por lá gorjeia fica melancólica.Logo,o tal rapaz barbudo de saco vermelho
alivia a melancolia das crianças.Pronto.Ele partiu.Partir não é morrer.Outro
dia usei tal expressão para homenagear uma figura importante para minha
existência. A quem iludir com isso?
O tal velhinho saiu de novo.Pegou seu carro popular e enganou
as crianças mais uma vez.Quem trouxe o presente então foi aquele escroto?Não
foi não!Fui eu quem comprou aquele troço com o dinheiro que roubei,ou
melhor,ganhei com o tal trenó, cheio de suor e lágrimas de cada dia,de tantos
anos.Sou somente mais um mero flanelinha do haver!
Esse ano inventarei ano novo.Não será bi sexto.Fevereiro
continuará mais preguiçosa em seu charme único de estar Fevereiro.E eu já desmunhequei aqui com
Fevereiro,pois ele pode ser menino e também ter preguiça e usar cor de rosa.
Afinal,a cor do sexo é cor que corta, que secciona,que sabe que para além de
tudo o que há não há transa possível,não
há sexo possível,nem morte.A cor do sexo já misturou o azul e o amarelo e o
preto e o branco e o rosa e avesso tudo isso.Tá tudo de cabeça pra baixo e
novamente recomeçar.
Esse ano será como a frase sábia dita por um pai ,cuja
memória se despede passo a passo.Perguntado sobre o dia de hoje,ou melhor: “Que
ano é hoje? – Um ano bom”.

domingo, 27 de novembro de 2011

Par ou ímpar.Vamos brincar de criança.

Aquelas mãos decididas pela aposta, iniciam a guerra.Par ou ímpar?-alguém com certa autoridade de ao menos perguntar,perguntou.
Um dedo assinala x o outro y.Não há a menor chance para o empate.Escolhas são fundamentais aqui.Não se tem tempo para postergações obsessivas e outros cacoetes estacionados.
Dos dois lados do campo,daquela escola secundária de precariedades, os meninos são escolhidos.Um a um.Você não.Não sabe jogar direito.Você sim.Vai jogar no plantel do Tempestade e do Coisa Ruim.Normalmente,os garotos que não estudavam e só gostavam de outros tesões que não os livros,praticavam esportes com afinco e confusões também.
Esforcei-me.Quase fiz curso para peladas eventuais a não ter que passar por aquele crivo quase sempre humilhante.Levava jeito.Praticara desde pequeno com primos e vizinhos.Salvei-me da expressão desolada que alguns colegas carregavam ao ficar por último....no tal "sorteio".
Comentei com pessoas sobre isso e os mais rodados pelo tempo me advertiam que era assim.A vida era assim.Você tem que mostrar certas competências se quiser prosseguir no jogo.E as crianças são perversas desde quase sempre também.
Quando Freud,no início do século XX ,anunciou o óbvio ,houve tentativas de linchamento.Ele acabara de dessacralizar a tal criancinha.
Pois bem...o jogo já começara e um amigo estava de fora.Ficara quase sempre de fora.Não levava jeito para esse tipo de pelada.Ainda por cima era chato.E feio .E o mais nocivo: um dos melhores alunos de toda história da tal escola.
Freud nos indicara também sobre um tal de Inconsciente.Se tivéssemos nos lembrado,entenderíamos o porquê daquela antipatia para sempre.
Queria ser diplomata,o tal chamado Cú de Ferro ou CDF.Sentava na primeira fila e terminava os testes antes dos demais.Virava-se para o lado,para trás e indagava do professor responsável:"Posso recolher"?
AH... Cú de Ferro....Cú de Ferro!Foi aí que vacilastes!Foi aí que assinaras a tua sentença de desprezo futebolístico perante seus outros colegas!Você era pedante,arrogante!E não era só no esporte bretão que não tinhas a menor habilidade,mas em todos!Lembra-se?Daquele jogo contra os meninos mais velhos e que se achavam donos da escola?Você pressionou autoridades competentes e forçou a sua escalação!Resultado: fostes para a zaga e entregou o ouro para a canalha adversária.
Queríamos o seu pescoço magro e comprido enquanto enfeite de fim de ano.Não lhe davam mais nem ao menos um bom dia sincero.Eu mesmo quis a sua alma.Um dia soubemos que estavas de cama,adoentado.Confesso-lhe, depois desses anos todos, que procuramos, junto à direção do colégio ,saber notícias suas. O diretor à época ,o primeiro capixaba que conhecera na vida, disse-nos que tudo ia muito bem.Silêncio naquele pátio decadente.Alguém chegara a perguntar:" Mas não tem como reverter para pior"?Levou o cartão vermelho.Pegou um gancho de uma semana.Impetramos recurso ,mas nada.Não se tinha contato político adequado por ocasião.Éramos amadores arrogantes.
Voltastes para a selva,isto é,para o convívio com os coleguinhas.
Inteligente,transformou-se em árbitro de quase todos os esportes praticados na escola.Era diligente.O levantador da partida de vôlei armava a jogada.Antes mesmo da preciosa atingir a altura adequada para o ataque,atravessar a muralha de braços e vontades adversárias,ele,o novo árbitro, já pulava no seu banquinho de autoridade.A cena patética sempre se repetia.Nunca errou um lance.Tornara-se um árbitro respeitado até por seus desafetos.E ficou popular.
Na eleição para o grêmio escolar foi o segundo colocado entre os 4 concorrentes.Ganhara poder.Juntava-se então às meninas.Elas reconhecem alguém que lhes faz companhia.Queriam poder.E era só o que o cú de ferro juvenil almejava:poder.E as meninas ,inteligentes ao menos, conquistaram prestigiosa companhia.
Durante o ano seguinte , ele comandou coisas por lá.Deixamos acontecer.Merecemos esse período sombrio,onde foi banido o par ou ímpar.
Houve até um concurso para formosuras. A eleita por simpatia,tornara-se um 'affair' do ex-rejeitado-feio.Ficara insuportável.O poder é um afrodisíaco maravilhoso e perturbador.
No seu aniversário, convidara os mais velhos e a direção e a sua camarilha. Soubemos pelo baixo clero."Ele não convidou nenhum membro do baixo clero?"-indaguei espantado. "Está emburrecendo.Ótimo!"-conclui esperançoso.
Tempos depois, a moça simpática partiu.Mudou-se para o estrangeiro e ,segundo colegas de partido,arrumou um outro poder por lá.Nunca mais a vimos.
O mancebo arruinou-se.Com frequência ,passou a ausentar-se.Tornou-se apagado.Suas notas decaíram.O baixo clero nos avisava sobre tudo.Aquela festa ainda espocava fogos de ressentimento,e o ressentimento é o mais deletério dos sentimentos.
A turma ressentida então organizava-se e escolhia os novos parceiros.Dessa vez a causa era periclitante.Fim de ano,perigo à vista,pois alguns correligionários ameaçavam tombar.Notas baixas,alertava o atento baixo clero.
'Eureka'!Retomemos o par ou ímpar democrático!!Urra,Urra!!
Mãos lançadas,imprevisibilidade no horizonte, escolhas abertas.
Dessa vez o critério também era claro.Os amigos que pudessem colaborar com o salvamento dos que estavam à deriva,teriam prioridade.
No meio da turba ,um rosto pálido surgia dos escombros.Era ele.O ex-feio-Cdf-árbitro-adulador de diretores e ruim de pelada.
Passou o tempo,minutos que não partiam.Um a um.Ele foi o último.
-Mas porque o último.Sou ruim de pelada ,mas sou menos ruim que muitos que aí estão.Além do mais ,sei apitar o jogo.- protestou com veemência.
- Você tem jogado muito mal com a Matemática,com a Física.....Lamentamos.
Decorridos muitos anos,e nenhuma notícia.Talvez tenha se tornado realmente um diplomata.Se bem que é preciso que se tenha aprendido a lidar com o clero mais baixinho.Nem que seja para atravessar com elegância mínima o par ou ímpar de qualquer pelada.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Vinte anos essa tarde.

Vinte anos essa tarde.
Poderia ser o título de um filme.Aliás, adoraria saber produzir um roteiro para cinema.Quem sabe um dia não aprendo? O título ,porém, tenta falar sobre um momento fundamentalista: a discussão apaixonada.
A rua, cujo nome remete à certa pessoa de origem árabe,descia sob a companhia dos colegas de Universidade.Fim de ano,fim das aulas.
Nesses tempos de então ,tinha-se recesso veranil por um longo período.Universidades e  escolas em geral não eram creches para uma classe média sem rumo.
Fim de ano tinha cara e cheiro de fim de ano.Agora, há um massacre estético também.Poluem as ruas sem considerar aqueles que não aderem à festinha.É a chamada catequese disfarçada de democracia.
Já considerei o fato de obter conhecimentos aeromodelísticos e executar o meu "September eleven" particular ,nas águas de uma Lagoa famosa.Tolice.Seria pura tolice repetir aquilo que se condena,já que a Democracia ,em último nível, teria que provar do veneno que dera para Sócrates.Aquele grego que não gostava muito de escrever e que tinha como "Ghost Writer" o Dr.Platão.Agimos no' deixa pra lá'.... de agora.E esse agora perdura por milênios.Isso faz estrago.
A rua lá de cima ,escrita aqui,foi descida.Os seus passantes discutem posições.A menina defendia um autor que pouco conhecia e o menino fazia o mesmo.Ambos arrogantes.Ambos jovens.Ambos recém sáidos do forno,ou seja,recém saídos da Universidade.Todos.Ignorantes.E continua-se a descer e a ignorar outras riquezas ,outros conhecimentos.Até porque é impossível a todos todo o  conhecimento.Haja narcisismo!Haja pretensão de saber totalitário!E houve muita gente boa que fez disso sua arma principal.
E a catequese ali,do descer e subir rua, também se manifesta.Um tentando convencer o outro sobre o  seu achado.Que por certo é mentira,pois não fora dele ou dela,mas de um outro,provavelmente já morto e estrangeiro,tal achado,tal pensamento.Estamos no Brasil ó pá.Sabe-se bem que autoria por aqui é algo bastante condenável.Além do mais, não se deve ignorar que pensar é algo raríssimo.Repetir guloseimas é bem mais comum.
A discussão se acalorou em quase briga.Ela lindinha,ele metido."Mas será que você não percebe que isso é uma maneira cartesiana de considerar as coisas?"- dissera."Sim...mas estamos descendo e há uma esquerda e uma direita a se considerar"!- resposta."Será que não se pode abstrair um pouco?Curvar para perceber outras dimensões,outros espaços,outra estética?"-tropeçando no buraco abaixo.
 Olhamos para cima e enxergamos o dedo de outrem.Já era alguma coisa.Há pouco,algo foi olhado e o que se viu foi a imagem do dedo próprio.
De tropeços em tropeços ,viu-se o trem.Não era um trem.Era um ônibus.
A menina fugiu sorrindo entre o balanço dos cabelos,sedutoramente encaracolados, e a promessa de um novo embate.Não se conformara que as suas idéias eram boas,pertinentes ,mas somente idéias.
O menino,machinho,branquinho,machista,partiu contrariado,visto que não convencera àquela que tentara seduzir.
Entra-se no tal veículo.Desconfortável,ambos.Sentidos opostos e há direita,há esquerda.....O menino que, tentara entortar um pouco as coisas, põe as mãos no bolso.O que haveria de tão precioso naquele esconderijo de pano,próximo das cuecas?Uma chave.Sim,pois havia uma chave.Durante o caminho...Uma chave que presentificava uma idéia,uma lembrança.Fica-se triste.O mundo por vezes também se faz triste.A cidade mal iluminada,sem o sol dos humanos,apresenta rostos distintos e calados. Há quanto tempo não caímos na noite pra valer?Indagou um outro metido das ruas afora,o Sr.Poste.
Numa noite de início de século,milênio novo, a luz se foi.O carro foi acionado e as ruas continuavam por ali.Os olhos do veículo focavam o que podiam.Instinto de sobrevivência.O Sr.Poste perdera a soberba ,que vem a ser o pior dos pecados.Estava doente.Fatigado,apagou-se.Mas ainda restava aquela luz humana dos faróis do automóvel!Poucos se arriscaram a cair na noite.E era uma noite de araque ,já que ainda havia os tais olhos de metal a salvar o dia,ou melhor,a noite!E também tinham os ônibus com suas lentes gigantes.Deviam ser míopes.
Fomos ao encontro ,na noite-não noite , de alguém que lá não estaria.Não estava de fato.De direito sim.Imagina-se o que se pode ,ainda que se queira.Delírios,delírios!Quem pode evitá-los?Por acaso não há um dito mundo?Uma menina bendita e um menino metido?
E meteu-se na confusão da chave no bolso de pano.Lembramos dela?A tal chave era do tal carro com olhos para semi-noites.Escondera-se ali,quieta.Conspirava em silêncio de sabedoria.Devia ser mineira.
Olhos desolados e um pedido ao moço que acaricia dinheiro miúdo:' Vosmicê pode abrir aqui essa porta para eu poder retornar e encontrar o meu outro amor?'- disse-lhe a chave em suspiros.
Direita,esquerda,em frente,abaixo...Ufa!Namoro reencontrado!
Pouco depois,o telefone traz pra bem perto a voz do suposto embate: ' E aí?Reencontrou-se?Nada como um bom tropeço para poder acolher outros planos,outras idéias,outros poderes.Senão vira poste e se apaga de vez.'

domingo, 30 de outubro de 2011

Formas de gozo.

Como de costume ,o elevador desceu até o andar chamado de térreo.Porta aberta,degraus à frente a percorrer.Há uma escada de mármore e depois uma porta.Dobra-se à esquerda e chega-se a uma outra porta.Essa ,chamada de principal,olha para fora,olha para rua em frente.
Já é noite.Tudo passara rápido.É como se não houvesse tido dia.Virou-se a folhinha e pronto.Não há mais volta.Aquele data não se repetirá jamais.
Já é noite e há der se ter pressa,pois o filme vai começar.
O trajeto até o cinema tem a duração perto-longe.Há de se chegar a tempo.
Sem o hábito de dividir tesões cinematográficos,a companhia dos amigos é novidade.Se bem que cinema é para se fazer silêncio.Essa é a participação especial do tal espectador:entregar-se.
Filme tenso.Situações além do drama e que nos atingem.Fim de filme.Conversas e bebidas e comidas e promessas.E como se promete!Prometer é sustentar a ilusão de que o futuro é certo e garante coisas.
O falecido filósofo argelino-francês Louis Althusser já nos ensinara exemplarmente- ainda que tenha exagerado na massagem corporal de sua esposa - que o futuro leva muito tempo.
Diríamos então que ele ,o tal futuro,é quase mítico.
Futuros passados,retorna-se à casa de sempre.A mesma porta que se abre para o resto do mundo,fecha-se em seguida.Do lado de dentro, o mesmo sorriso desgrenhado daquele que conhecemos desde a vida toda.
O sorriso está pálido ,pois sente dor.O braço o incomoda.Diz que é uma tal de bursite e pergunta se ela poderia ser lá do Ceará?Não há resposta para isso.Deve-se consultar os 'sites' doutos que por aí passeiam na grande rede e descobrir a origem,a etiologia da tal bursite,etcterrá.
Um dia se passou e novamente já é noite. Janela aberta,noite quente.Aproxima-se o verão que,pelos lados da Guanabara, tem rosto de inferno.Vermelho,ardido feito coisa ruim.
Ouvem-se gemidos.Vem de cima.Há pouco se descobriu que algum tarado filmava pornografias com adolescentes. Alguma vizinha ,invejosa das meninas,colocou a boca pra fora daquela porta, que vê tudo para o lado de fora e chamou alguma autoridade em adolescentes,que não fosse aquele tarado lá,do sétimo andar,apartamento dos fundos...
O tal cara quase foi preso.Fugiu poucos minutos antes da chegada das tais autoridades.Foi preso depois no estrangeiro.Tarado importante.Filho de deputado...
Os gemidos deixaram saudades.Não se ouvia mais até que...Naquela noite tórrida,reapareceram intensamente.Invadiram o quarto e povoaram as fantasias da noite.
Dia seguinte,café da manhã.Coisa mais chata quando não se está em hotel estrelado.Aquele gosto de vida toda.Faz lembrar as festinhas familiares.Aqueles rituais obsessivos sem pimenta ou sal.Só veneno fruta e sucos,á direita.Alguma coisa da cozinha,dobre à esquerda.
O mesmo elevador,a mesma escada de mármore,o portão futriqueiro para rua à frente. Três porteiros,colegas daquele da bursite sem procedência definida, perplexos.
Todos se olharam e disseram :'Antônio morreu. Teve um infarto fulminante ,ontem de madrugada,aqui no prédio.Pediu socorro,gemeu forte ,alto,quase um orgasmo.Nada."
Antônio,sim,era cearense.Veio jovem para os cantos do Sudeste.Melhorar de vida era a meta.Conseguiu.Conhecíamos desde os primeiros gemidos de fralda.
Botafoguense e brasileiro.Adorava apreciar o vai e vem da rua que, a porta transparente que ficava sempre de butuca, lhe oferecia.Gozava de olhar,mas também gozava de dor.Tinha 70 anos.
Eram esses alguns dos gemidos que se escutavam naquela madrugada de janelas abertas para um não futuro.Ao menos para o velho e bom Antônio que morreu sem saber se 'a tal bursite' era conterrânea ou não.

domingo, 16 de outubro de 2011

Não jogue fora.Não há fora.

Não jogue fora ,pois não há fora.
Esse poderia ser um slogan da Psicanálise postulada por Magno Machado Dias,mas é a propaganda que uma grande empresa petrolífera costuma adotar quando se instala em um novo país.Atrás do tal slogan circula uma tentativa de se passar a imagem ,no caso da empresa,de que existe preocupação com o chamado meio ambiente. A companhia em questão já foi autuada diversas vezes por crimes ambientais.
Contudo,o que está interessando é o fato de que realmente não adianta jogar fora,pois o fora não existe.
O que seria jogar fora então?
O jogar fora pra valer,e aí pode-se incluir qualquer coisa que haja,seria o que há de mais trágico,ou seja,algo que não tem reversão possível.Por exemplo: quando escrevo esse texto não posso negar que ele não foi escrito,que não existiu.Posso apagá-lo,mas o que se fez foi feito.Uma vez no jogo,não há como escapar dele.Posso aderir mais ou menos,entrar -tal como dizemos por aí- de cabeça,denegá-lo,pois foi afirmado antes ,mas escapar do simples fato de que se há,não tem jeito.E isso é uma condenação dos diabos. A frase tão propagada por todos nós que, nos supomos vítimas de tudo o que nos atinge ,o famigerado ' Eu não pedi para nascer', é exemplar também. Não pediu? Tá bom. Mas pede para sobreviver.Senão não teria nem dito a bobagem de antes.
O homem macaco é assim.Ele está quase sempre em atraso.Todas as significações vem depois do já ocorrido,logo,tal como Magno ensina,todo processo curativo é precário.É o sentido da expressão 'Só Depois',ação tardia freudiana.Na verdade, não é uma mera expressão ,e sim um conceito fundamental em sua obra ( Nachtragichkeit em alemão).
Diferentemente daqueles que diante das angústias frequentes ( Alô? Tem gente aí?) se entopem de coisas ,o movimento botar pra fora é análogo ao que ocorre em processo de análise,de partição,isto é,caracteriza-se por ser um movimento de esvaziamento.É muito frequente as pessoas que se deixam afetar pelas perdas ,temores,angústias e outros sofrimentos perderem peso corporal.Existe uma canção do falecido e saudoso Gonzaguinha,morto num acidente de trânsito,há vinte anos,em que ele declara que o copo está cheio e não dá mais pra engolir.Senão, coração vai explodir. E o pior é que explode mesmo.
Passei parte da minha vida com o estômago virado e adquirindo novas técnicas de botar pra fora,o chamado vômito.Coisa bem histérica.
Certa tarde,há uns vinte anos também ,daí evocar a tragédia com Gonzaguinha,numa conversa com o meu analista ,disse-lhe que notava uma considerável mudança -para melhor no caso- desse sintoma, no mínimo, escatológico.Ele então me disse: " Mas é óbvio caríssimo.Você agora vomita nos meus ouvidos".Perfeito. Analista também foi feito pra isso. Logo, há de se pagar direito ,visto que lavagens auditivas ocasionam despesas.Faxina,detergente,cotonete....
Fui aos poucos me transformando num minimalista.A obra de Mondrian passa a me interessar.A obra de um Cortázar ou de um Rubem Fonseca e outros mestres dos textos mais curtos e precisos e desconcertantes invadem a minha vida.Magno foi o principal.
A limpeza conceitual que fez na teoria psicanalítica é brilhante.Obra de gênio.Infelizmente,já que somos brasileiros que adoram colonização estrangeira ,esse passo dado é alvo de muitas tentativas de linchamento.Só que o mundo está indo de fato aonde a teoria dele indica.Contemporâneo de si mesmo é obra para poucos.
Quando iniciei a minha análise,há vinte e alguns anos 'por supuesto', já tinha passado por uma terapia e até pelo consultório de um outro analista.Venho,portanto,de longe.Estou enfiado com isso desde 1985.A diferença é que no meu encontro em análise magniniana -que é um desencontro,uma desilusão necessárias- as mudanças tem como norte uma ação modificada.Um olhar diferente.Uma maneira de se portar que foi se formatando para um depois se formatar diferente e de novo.É um depois,pois continuo em atraso.E leva tempo e muitas vezes fracasso e repito o erro.Porém,reconheço-o e busco não repeti-lo.Reconheço minha vaidade,meus ressentimentos,invejas,estupidezes e também alguns acertos. Por exemplo? Arrependo-me de muitas coisas que fiz.Por quê ?Já que a maior parte delas foram realizadas por minha vontade?Excluindo a infância humilhante - criança é ser inferior e quase sempre humilhada quanto aos seus tesões e interesses,até porque se deixar muito solto sabemos a loucura que poderá advir- ,tive uma vidinha deveras convencional e bem negociada para um garoto da média-alta burguesia carioca zona sul (média-alta dependendo da cotação dos derivativos da bolsa de valores).
Fui exilado duas vezes.A primeira num colégio da altíssima burguesia patética de Ipanema,chamado Chapeuzinho Vermelho.Uma espécie de hospício bem comportado que,felizmente,não existe mais.A única formação que me traz recordações muito boas é a do meu antigo ,e primeiro,professor de educação física que reencontrei esse ano num evento social.Tornou-se um técnico de voleyball muito conhecido e campeão internacional.Era a melhor figura daquele sanatório infantil.Fora a minha professora de música - de lá mesmo da casa do lobo mau- que tocava várias sonatas de Chopin para os pequenos surdinhos de então.Eu reconhecia naquela música uma canção de ninar.
Minha mãe era pianista competente.Tinha estudado com Jacques Klein,talvez o maior pianista clássico brasileiro, e que morreu precocemente aos 52 anos de idade.Ela adorava os românticos.Chopin,Bruckner,Liszt... e que também morreram jovens,o primeiro e o último.Para nós ao menos,pois à época não se vivia tanto tempo .
O meu segundo exílio foi Brasília.Despachado para lá aos 10 anos de idade.Lembro-me do susto quer tive ao ver os prédios deitados,preguiçosos.Indaguei ao meu pai o porquê daquilo e ele me disse:" Foi assim pensado por Lucio Costa e por Niemeyer comuna e pronto"!
Talvez tenha sido a primeira experiência de não deslocamento possível que reconheço na minha vida.Já que fora planejada assim ,e por duas figuras tão eminentes,não se pode - não é nem que não se deva ,portanto é mais grave- sequer questionar. Era o típico servidor público, leal às delirações das repartições oficiais,o meu pai.,
Vivi por sete anos e meio na secura do planalto central -nessa época muito menos seco,mais frio no inverno e mais aconchegante nos vínculos pessoais-, e a vi desabrochar.Fomos adolescentes juntos.Agora,tornou-se adulta neurótica grave caminhando para decrepitude .Alguém precisa arrumar um geriatra e um neurologista para aquela cidade,antes que algum Roriz o faça.Imitam as grandes metrópoles brasileiras no que elas têm de pior.
Quando vibrei com a morte de minha escola primeira ,talvez estivesse mentindo,pois ainda falo aqui sobre ela.Creio que desejei pular aquele muro branco alto e visitar os meus amigos de infãncia.Quem sabe poderíamos formar um novo partido?E aquela mulher de 8 anos que não correspondeu aos meus galanteios com sorvete do Morais,que ficava quase em frente da minha boca-casa, em punho?
A casa ,avisaram-me ,já não era mais a mesma, fazia anos. Abandonada pelo tempo e pela despedida sem Adeus.Entrar lá é se entristecer demais.Tem até mendigo estudando,quero dizer,morando ali.
O que restou está na minha retina-memória.E eu ,por certo,ainda hei de sonhar que posso jogar pra fora o que é caminho, tão somente, de uma solidão da boca pra dentro.

domingo, 18 de setembro de 2011

Entre pipocas e balas.

Quisera fazer cinema.Desde pequeno se vai ao cinema.
Existe aquela liturgia de cinema.Pipoca,balinha e refrigerante são sujeitos de cinema.
Confesso que tentei driblar a tal liturgia e quase estraguei o filme.Sentia-me estranho,desconfortável naquela poltrona semi-vazia.Algo não funcionava.Concentração dispersa.Faltavam-me balinhas e pipocas .
Nunca mais tentei burlar o ritual.Só numa outra ocasião em que a sala do cinema presunçoso estava lotada,e o ingresso fora comprado nos acréscimos,a desgraça quase se repete.
Era um Sábado à noite.Lembro-me bem.Passados quase dez anos ,a companheira naquele dia eterniza-se para mim.
Sentamos numa fila conhecida como gargarejo.Horrível essa fila.Você fica com o seu pescoço numa posição de grau inclinado sei lá qual (45 º?) e se o filme for de ação ,movimentos de cena rápidos,corre-corre ,estás perdido.A não ser que o seu labirinto seja muito bem sinalizado.Caso contrário o mundo dará provas a ti que ele gira.
E graças a competência Copernicana e Galileana, a gravidade e outras forças nos mostram que alguns fatos existem e não precisam ser experimentados necessariamente.O desconforto desse gargarejo pode ser grande....Além da tontura pode haver censura,prisão e assassinato.
Contudo,havia outro desconforto.O filme em questão abordava tema e local que foram pesquisados por mim e pelo meu grupo de trabalho,durante um bom tempo.Quase sempre havia sol e nuvens a consolar por perto.
Tentativas em contactar o autor do livro , no qual foi baseado o filme, fracassaram.O autor estava em seu momento "deslumbramento pleno".Nem sei se pousou para fotografias eróticas,à época.Prometera conversa e não cumpriu.Queria retornar à casa de seus tempos de menino,onde haveria o nosso papo.A conversa então prometia,mas o efeito celebridade-vulgaridade interfiriu.
Mereço pois esse novo gargarejo!!
Nesse filme, porém, as bicicletas não voavam.Nos meus filmes idealizados de pipoca em pipoca as bicicletas são iguais aos ETs e alçam as alturas.
Já trabalhei com a falecida pantera Farrah Fawcett - aliás tivemos um 'affair' sigiloso- e dancei com Michael,o também morto Jackson.Participei de um motim com Brando e quis lhe falar do seu brilhante discurso para a patuleia em Julio Cesar,enquanto Marco Antônio.Teria sido proveitoso se não fosse a célebre arrogância Brandiana."Porra Brando,acorda,ou melhor,'Wake up man'!!"Você se acha tão brilhante e não passa de um miliquinho de merda - na frente do grande Julio César - e que vai se envolver com aquela cobra venenosa da Cleópatra.Logo ela,amiga de Michael,e que também morreu recentemente.E aqueles olhos hipnose-violeta....E você colocará tudo a perder!Começa por ali a decadência do maior dos impérios.Sou ocidental.Confesso ao chinês que resmunga.
O cinema e algumas de suas trilhas sonoras não me deixam sem afetação.
Taí um exercício analítico bem proveitoso.Aquilo lá é só um filme a mais.A incorporação dessa idéia pode nos salvar até no ou do próprio gargarejo.
Uma noite tentei.Simulei um pouco do exercício.Diante de um filme pesado,violento e excelente.Outro bom filme brasileiro.Amiga minha, e que aceitara o meu convite de ir às balas e pipocas ,levantou-se e foi ao banheiro.Estava nauseada.Afinal,flertara com Sartre por um longo tempo.Visto que demorava a retornar,levantei-me e fui lhe oferecer solidariedade de náuseas.Aproximei-me cuidadosamente da porta do banheiro das moças ,proibitivo porque desejado pelos homens, e lhe disse quase que num sussurro: " Calma.É só um filme a mais".
Após alguns segundos no meu relógio imaginário, a voz-resposta ressoa forte, quase uma soprano: " Vai tomar no c.....!!!!"
Depois dessa experiência,lembrei do artista genial que é Freud - gente como ele não morre- ao poder ouvir de um dos seus mestres,o hipnotista francês ,sem olhos violeta de Cleópatra,Charcot, ensinar-lhe sobre a magia do cinema da vida:'Teoria é muito bom,meu caro Sigmund, o que não impede que as coisas existam".
Feito a gravidade e o mundo.Girando entre pipocas e balas.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Mamãe está cozinhando

Um colega me lembrava sobre as confusões que a nossa prezada língua pode nos pregar.
A gente se esquece disso ,pois supomos que podemos nos comunicar pra valer.
Não sei tampouco se é vício de catequese antiga - com o perdão da redundância- ,mas a vontade enebriante de tentar convencer os outros de que aquilo sobre o qual estamos falando é também para valer,cega.
Queremos ganhar todas as discussões. Quando falo a um paciente,tenho que ter cuidado.Ele pode não ter noção alguma do que está sendo dito.E eu ,por aventura , e só por aventura de arrogância,tenho alguma?Aí,o moço silencia e eu acho que ele entendeu algo.Será?
A convenção estabelecida por nossa gente mais antiga de que aquilo que se diz é correlato biunívoco do que se vê é truque bem bolado.Mas é truque.
Temos que ter mais cuidado.
Indagava pois se aquilo que eu supunha enxergar era aquilo mesmo.
'Vocês tem que entender que isso é muito importante.Essa coisa esverdeada aqui ,bem aqui,diante do que chamo meus olhos,é verde mesmo'?
Nenhuma resposta me fora convincente,já que todos os que foram indagados olhavam-me como se estivesse lhes perguntando algo da ordem do absurdo.Repetia,repetia e nada.
Mas nada é o que mesmo?
Alguma resposta me fora dada.O fato da tal resposta não corresponder às expectativas minhas não quer dizer que estejam errados ,aqueles que de algum modo me escutaram.
Essa arrogância de reatividade é o que nos destrói.Juntamente com as vinculações amorosas de cepa cristã. E que nos fora dessas reações todas?
É extremamente difícil permanecer com certa frequência numa posição de menos afetação narcisista ,ou seja, numa postura onde os nossos gostos,nossos interesses,os nossos valores não interfiram.No pior dos casos, isso tudo que foi arrolado acima não só interfere como predomina.É o sintoma hegemônico.
E aí não consigo sequer sustentar a conversa sobre se aquilo lá que eu supunha enxergar era mesmo esverdeado.
Uma criança é uma formação inferior e que passa quase toda sua infância sendo humilhada.E é fácil entender isso,até porque os seus tesões,suas vontades,podem ser perigosas,deletérias para ela mesmo.Daí a tal repressão constante.Dependendo da frequência e da intensidade leva a todo tipo de neurose que bem sabemos.
Noutro momento,talvez mediado por mais uma confusão de línguas,o garoto me dizia entre sorrisos nostálgicos e sadismo peculiar, de quem ainda mantém um infantilismo indestrutível:' Tive uma infância muito feliz'.
Mas como?
Infância feliz?Isso existe?
Claro que sim.Se ele a disse ,ocorreu.
O fato das minhas recordações de pequeno mesclarem belezas e horrores não quer dizer que a de outrem não tenha uma média mais satisfatória!
Quando pequeno lembro,por exemplo,de viagens prazerosas e de partidas também bastante dolorosas.E as dores existiam pelo fato de que uma inadimplência de criança tem menores poderes.Tem lá os seus poderes,mas são pequenos em algumas regiões.Tal como podem ser gigantesco,os tais poderes inadimplentes, em outras.
Depois,os poderes vão crescendo e aí não vale mais culpabilizar somente outrem pela estupidez nossa de cada dia.Se bem que existe a variável fortuna ou sorte.Incidentes...
Mudei de cidade menino,sem querer.Frequentei igrejas ,do mesmo modo.Apaixonei-me pela primeira vez - fora aquela senhora mamãe - aos 14 anos.Não fui correspondido. E logo aquela filha da puta que me pediu ajuda ,num campo de futebol de salão,daquela superquadra da capital horrenda,com o meu skate exibido.Ela de patins e eu ,Romeo, de skate exibido.Não usava sutiã e pude ver os seus peitos.Lindos!!!Dias de banheiro ocupado por tempo indeterminado."Mamãe! Carlucho não sai mais do banheiro!!!!!!!!!!!!!!!!'- minha irmã única tendo ataques pelos corredores.
Minha irmã nunca gostou da minha nova paixão.Imitava o seu andar. E ela,a do andar imitado,tinha uma cadela Dálmata que se chamava Bianca.
A cadela ao menos gostava de mim.Abanava aquele rabo sempre que me via.Mas o rabo abanado que eu queria era outro.
Numa noite de Domingo (lembremos que o Domingo ,por causa do sintoma religioso pavoroso é a ocasião perfeita para se ficar deprimido), ficamos a conversar no parquinho recém inaugurado.Eu ,ela e um gorducho mais velho que se fazia de importante.Era o maconheiro oficial do pedaço.Péssimo aluno na escola,sua maior ambição era se tornar o maior maconheiro de todos os pedaços.Nunca mais soube dele.Aliás,dela e daquele repertório todo também não.
Aquela cadela certamente morreu. E aí não resta dúvida alguma sobre o que ocorreu e o que se pode presenciar e até predizer.A cadela,passados 30 anos ,morreu.
Os cachorros são assim.São mais simples e sabemos mais ou menos quando morrerão.Não criamos expectativas maiores acerca.Sabemos que muito provavelmente atravessaremos esse luto. A não ser que.....
Aquele coisa esverdeada,aquele carro verde,dentro do qual a moça que me encantei aos 14 anos voltava da escola ,todos os dias, a uma hora da tarde, era mesmo verde? Ou era só paixão e erro?
Ei!Mamãe está cozinhando!Tá bom ....Já vou! Quer ajuda?Não sei cozinhar.Não!!Você não entende! Ela caiu na panela e está realmente cozinhando!!!!Venha rápido,pois sempre será tarde e a gente não vai se entender ,por certo.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Tarde demais.

Meu nome é tarde demais.Aprendi que tudo é tarde demais.Quando achei que pensava, já era tarde.O tal pensamento não servia . E se fosse algo tão grave ,urgente?Tarde demais.
Então eis que me vi sendo um intensivista!Daqueles que trabalham enlouquecidos por atrasos demais.Quando chegam ali,os pacientes não deram conta que fora tarde demais para eles.
O lugar é triste feito velhice.
Na maca ao lado de uma parenta minha,uma senhora tremia.Nunca a vira antes.Olhei-a com pena.Na verdade ,tinha ódio dela.'Levante-se daí agora porra!!!Você já foi uma mulher, cacete!Vamos reagir agora,rápido!'! Acho que a minha expressão facial,encolerizada,assutou-a,mas acalmou-se um bocadinho.
Voltei meu rosto para aquela porta de entrada do semi-cemitério e a doutora pré-morte me olhou sem me ver.Tinha uma expressão cinzenta.Seu olho atravessava o meu.Quase apanhei o crachá disponível, à mesa sonhada, a lhe dar uma identidade.Seu nome era feito sorvete famoso: sem nome.
Certo dia,lá se vão duas décadas, disseram-me que parecia olhar de analista."O quê?Aquele troço sem vida?"
Isso faz parte de uma certa mitologia ridícula que insiste em permear o campo freudiano.Freud não era um boçal.Muito pelo contrário.Foi o maior gênio do seu tempo.Mesmo que algumas tolices foucaultianas tenham tentado lhe impor rótulos de confecionário,o tempo lhe dá razão.Cada vez mais.
Desisti a tempo desse intensivismo todo.
Não desisti contudo de pensar em outras tarefas.Olho para a destreza do meu dentista e fico perplexo,pois no seu lugar,mataria um.
Dizem então que é talento.OK,talento.Ta-len-to.Tar-de de-mais.Vamos bem.
Talento já foi bem definido por saudoso artista egrégio.Ele disse que o tal lento funciona bem para iniciar as coisas.Sem ele,você poderá jamais exercer certas funções.Com ele você poderá prosseguir.E essa sequência - e que inclui inúmeras formações outras,elementos,etc- é que importa.Sequência que significa seriedade.Fazer série.
Freud deixou claro que a significação do que quer que haja é só depois.MD.Magno,um dos seus mais caros discípulos,enfiou a estaca na ilusão de algumas denegações: ' É tarde demais'.
A primeira reação de um ex-pretenso intensivista é desistir.Misto de melancolia,depressão,covardia.
Já na segunda há um gesto de resignação.Vem de fábrica, tal incompetência.
Por certo, cachorro não padece disso.Tem tudo no lugar.Seu etograma é definido desde sempre.Seu cio é cíclico.O nosso é permanente,sem trégua.Não se sai de férias.Para-se um pouquinho,descansa-se um pouquinho e prossegue-se.E quando se prossegue,percebe-se que o descanso já chegou atrasado.
É assim sim.
No filme,'Longa jornada noite adentro',de Sidney Lumet, 'Too Late' ou tarde demais é misto de anjo-demônio, herói-vagabundo,amoroso-agressivo ,culpado-relaxado e assim por diante.Tudo no seu tempo,ou seja, tarde demais.
Ah! A velhinha do CTI se salvou.A minha tia não.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Onde você está?

Onde você está? Essa é a pergunta de agora.Substituiu o famigerado alô.Ninguém mais diz alô!!!.Quem é?Quem está falando?!Por obséquio,o fulano está?Essa é do tempo do sr.meu pai.Cansei de observá-lo a dizer obséquios afora.Tudo era obséquio.Um dia lhe perguntei: 'E aí papai?Como está o seu amigo obséquio?'Papai não me respondeu.Na verdade,ele me disse depois:"Por favor não me perturbe com suas chatices".Papai não estava de bom humor.Quem sabe obséquios a mais ou de menos,faltaram-lhe.
O telefone traz ,além da saudade cumpliciada, uma ansiedade que pode até matar.Aquele chamado que insiste em não acontecer.Você esperou,esperou e ...nada.Não houve retorno.Jamais haverá aquele retorno.Talvez se houvesse tido um distanciamento menos doentio do que saudades mal ditas, a expectativa se diluiria tal qual um toque na tecla mais próxima.
Distanciar-se é também perceber o quanto somos tolos e ingênuos a maior parte do tempo.Um telefone dito ocupado não é desfeita alguma.Ele só está dando bola para outro telefone.Quanta pretensão.E o tempo em que havia telefonista para fazer chamadas?E o tal do interurbano?Caríssimo!Minha mãe a viajar pelo mundo e esse mundo era um outro planeta.Era muito mais distante.Tinha medo ao viajar e pela viagem alheia.
Entretanto, há de se ter certa nostalgia dos tempos em que éramos tão somente tolos e babacas.Agora,há um narcisismo barato que,mediado pela mídia, modula comportamentos cada vez mais estúpidos, fascistas.
E a turma se recusa a distanciar-se um pouquinho.Olhar de lado,espiar mineiramente,suspeitar vez ou outra.Parece até que a famigerada democracia fez com uma rede de esgoto fosse despejada para todos os lados e direções ,sem muita contenção. Afinal,foram décadas de cala a boca.
Elegemos um papai ditador.Sim,elegemos!Ninguém se apodera sozinho.Esvaziamentos e boicotes anteriores nos enfiaram naquele hospício fardado.Nasci ,sem conhecer telefone algum,sob a égide do cajado assassino.E o mundo era aquilo lá,mas tinham coisas gostosas também.
Já acreditei até em televisão.Punha fé que o mundo todo estava ali.O mundo tão somente uma novela.E me apaixonei também.E depositava dinheiro ganho sem esforço num cofrinho ridículo e pretensioso,tal qual o seu mantenedor. Educação financeira em cabeça de incauto é isso.
As economias não foram suficientes para enamorar-me da diva televisiva.Quando consegui alguma grana relevante,ela não estava mais.Tornara-se outro personagem.Claro,seu idiota crescido!Ela mudava de lado,de pele,de sentido,frequentemente.E isso é o que nos assusta!
Confundimos flexibilidade,distanciamento,lucidez,criação,rebeldia,serenidade,reflexão,angústia e o que mais nos faz gente com maluquice.Até mesmo telefone que, não responde ou que avisa que aquele/aquela não estão no momento,corre risco de morte,de corte,de silêncio prolongado.' O coitado ficou mudo de repente'!Risco de se haver vivo.
Folheando a minha agenda de páginas saudosas,amareladas pelo tempo,descubro outras vidas de outros mesmos personagens.Com eles conversei por telefones a fio.Ouço cada voz como se fosse a primeira chamada.De minha mãe escuto uma sonoridade onomatopéica -e sei lá o que isso quer dizer- de alegria por falarmos.Restou esse som.
- Onde estás?Aonde fostes?
Falações que se movem.Só falações....

domingo, 24 de julho de 2011

Telefonei mais de uma vez mais.

Tentei.Liguei algumas vezes.Liguei algumas vezes porque não obtive resposta desejada.Resposta desejada?Que diabo-santo é esse?É tão somente o que você ,feito qualquer criança,quer aqui e agora e quero mesmo e pronto!
Já se iludiu,portanto está errado.Querer a resposta certa é no mínimo subestimar o que virá do lado de lá.Já antecipou resultado incerto.E todo resultado a priori estará incerto.Estará,realmente,errado.O resultado certo,mais ou menos aproximado do que se diz CERTO ,virá depois.Logo,estamos sempre em atraso com relação às tais ditas certezas.
Certezas...Ah! As tais certezas imprudentes que já levaram mentes brilhantes a crer até mesmo no número primo,nas razões do número de ouro de Fibonacci ,enfim,a Matemática discorrendo sobre as razões do haver.E todos caímos perigosamente nessas armadilhas da vida.São os tais narcisismos nossos.Infantis,por certo.
Quem ,afinal,não transformou hipóteses teóricas em saberes absolutos sobre a tal existência?Ainda que fosse ,tal tolice tão frequente,sobre a nossa existência,tão insignificante quase sempre,seria mais compreensível.A questão é que quando - quero agora ,desse meu jeito e pronto- toda essa tolice narcísica decide se estender ao resto do mundo....Aí a conversa acaba.Vira fascismo travestido de preocupação para com os outros.Catequeses....coisas dessa ordem.
Desisti algumas poucas vezes em continuar meu gesto de discar o tal telefone.Trabalhei,li alguma coisa,mas algo me pertubava.Afinal, em sete anos,jamais a tal funcionária me dera um cano.
Combináramos que por lá passaria para o almoço semanal.Prestaria o meu serviço de tanto tempo,isto é,pagar as contas,supervisionar as despesas,levar a grana para a sobrevivência da tia velha e desfrutar do almoço ,sempre preparado com esmero.
Há o tal "redial" no telefone.Usei-o novamente.Nada.Pensei:'Há merda no mundo'.Novidade!
Liguei para vizinha amiga a lhe pedir um favor.Pedi na verdade um obséquio.Que é um favor antigo.Retornei a ligação e ouvi de uma voz preocupada que nada acontecia naquele meu apartamento,herança familiar.
Decidi, pragmaticamente,ir ao local.Coração preocupado ,mas decidido.Há de se fazer o que se tem que fazer.E é agora e pronto.E do meu jeito.A espada está fincada nas minhas costas no momento.
Telefonei mais uma vez mais.Uma voz ligeiramente grogue respondeu coisas ininteligíveis.
Entendi que algo grave havia acontecido.Corri em busca de socorro.Arrombamos aquela porta sem alarde.Entrei primeiro do que as testemunhas que havia convocado." O senhor fez muito bem - disse-me o chaveiro arrombador.Há um ano atrás ,aqui mesmo na rua ,uma moça que trabalhava para uma senhora idosa,ao perceber que ela tinha morrido,ficou desesperada e tomou uns remédios para ver se apagava a si mesma também.Acordou quatro dias depois com os gritos dos parentes que estranharam a falta de notícias da idosa". Quase lhe agradeci pelo incentivo.
A cena era triste,patética.A cuidadora já não podia mais cuidar.Estava caída no chão.Suja,torta,balbuciando troços ininteligíveis.Ao seu lado ,uma idosa,minha tia ,em choque.
Um Acidente vascular cerebral a derrubara.Logo ela que cuidava.Mas havia o histórico familiar.A mãe,a avó ,por exemplo,também sofreram o mesmo mal.Fora a obesidade,a pressão alta,o sedentarismo de uma vida toda....E tudo isso porque era jovem.Somente 50 anos.Os jovens quase sempre são arrogantes.Fazem coro com Dali,um Salvador: 'Quem morre são os outros'.
Estavam ali, há doze horas, sem conseguir gritar por socorro.
Pragmaticamente,agimos eu e minha mulher,passo a passo.Fizemos o que tinha que ser feito.
Passados mais de um mês do ocorrido,escrevo essas memórias.Menos de duas semanas depois do episódio pavoroso,minha tinha,90 anos,não resistiu à mais essa provação.Morreu em casa,na sua morada-cadeira de um -expressão cunhada de um fato cômico- 'warm room'.
A que lhe cuidou por vários anos, morreu na semana seguinte à sua morte.
Inicio um novo momento em minha vida.Foram mais de duas décadas.Mais da metade do que vivi.Contudo, prossigo inquieto mediante telefones que se recusam a não manter o trato,o combinado.
Melhor resolver isso.E não culparei a companhia telefônica.

domingo, 3 de julho de 2011

Dizem que Roque Santeiro.

O último capítulo de uma novela brasileira do chamado horário nobre costuma mobilizar parte do país.Tempos em que dvds,computadores e outros apetrechos tecnológicos não estavam presentes no mesmo horário.A televisão à cabo também era plano futuro.Logo,milhões de patrícios divertiam-se diante do brinquedinho de hipnotizar que fora introduzido, aqui nos trópicos,no fim dos anos 60.
No início dos anos 80,uma novela censurada pelos "milicos doutos"chamada Roque Santeiro foi ao ar.O falecido escritor imortal - e que já morreu- Dias Gomes,e um outro menos conhecido então, e hoje já consagrado,Aguinaldo Silva, seus autores.Dias fora casado com uma novelista ,a mais famosa do Brasil, Janete Claire,também falecida,no início dos anos 80.
Não vi a novela toda,mas espiava vez ou outra o Zé das Medalhas,o Sinhozinho Malta,a Viúva Porcina que eram alguns dos personagens protagonistas.
O país vivia um trauma recente,nesse 1985/86,que fora a morte do primeiro presidente civil em 20 anos,ainda que eleito indiretamente.Curiosamente a idéia dessa rememoração também passa pela rua próxima da minha existência,Prudente de Morais,nome do primeiro presidente civil do Brasil.Mas aquele presidente eleito por um colégio suspeito,não tomou posse ,morreu e virou uma espécie de santo mineiro.
Retornando à tal novela, o seu derradeiro capítulo ocorreu numa sexta-feira de Fevereiro ou Março de 1986.Chovia muito enquanto Sinhozinhos e Porcinas ensaiavam o adeus final.Dilúvio na cidade maravilha e ruas já alagadas.Roteiro,afortunadamente, mais do que conhecido.
Tinha-se até a impressão de que o céu pranteava pelo fim dos heróis televisivos.
Naquela noite ,fui ao bar que frequentava,pois precisava de uma coragem etílica para o meu encontro,talvez derradeiro.Fazia duas semanas que conhecera uma morena lindíssima e que era menina -propaganda de um automóvel ,na praia do Leblon.A fábrica do automóvel patrocinava à época um campeonato de natação, na tal praia.
Parei o carro,sonado, e vi a morena que um amigo de então falara-me sobre.E ele não havia mentido.A moça era realmente belíssima.
Muito bem: telefones trocados,conversa amena,tesão em alta.Esperei duas décadas- chamadas semanas- a conseguir uma vaga na sua agenda.E a data em questão foi a fatídica sexta-feira do último capítulo.
Mesmo reconhecendo a concorrência quase impossível de ser transposta,arrisquei.A bela moça topou.No início ,tive a impressão de que não se lembrava de mim,depois pude vivenciar que não era uma questão de memória fraca.Não se lembrava mesmo.Assim assim corri o risco.Quem sabe não era mais uma maluquete dessas que, de tão solicitadas,já reconhecem que não sabem o que querem ao certo.
Duas doses caprichadas de caipirinha e fui desbravar os rios que cruzariam o meu caminho.O bar lotado com gente embaixo de toldos protetores contra chuva e chatos,parecia torcer por mim.Depois,entendi também que não era para mim,e sim para o Medalha ou o Sinhozinho do último capítulo, os tais gritos e sussurros.
Entrei no meu limitado carro e parti.Esse meu carro de então tinha fobia à chuva e friagens.Certa vez,na garagem familiar não acordava de jeito algum.Chamei socorro que tinha nome de herói:Touring. O socorro chegou e me disse:" Aqui ,por ficar próximo da praia,tem vento,friagem...Seria bom aquecê-lo.".
Surrealismos automotivos à parte,confiei nisso que não sabemos bem definir,a tal intuição,e não atendi ao mimo do ébrio mecânico.
Avançamos poças a fio.Passei uma ,duas,Praça da Bandeira Tijucana à frente,quarta poça,dez mil...AiAi!Cheguei.
Endereço na mão,rua escura,prédio austero.Interfonei.Olhei para o carro e ele lá estava:parado,pois cumpliciava cada momento.Naquele instante, perdoei todas as suas falhas de outrora.
Uma voz envelhecida respondeu:"Suba que a Ângela não está,mas volta logo".
Tremi e pensei:Como não está?!Será que tens idéia do esforço que fiz para cruzar rios e poças e praças e angústias e sonhos e tesões!!!Porra!!!Subirei mesmo assim".
O carro concordava comigo e ensaiou um buzinaço.Tive que acalmá-lo.
Porta aberta e a velhinha sorridente me convidou para o último capítulo."Venha ,venha!Sinhozinho e Porcina estão finalmente se entendendo!"
Sentei minha bunda naquele sofá velho,careta e austero.E lá estavam os tais personagens a rir da minha cara de babaca.
Esperei um tempo eterno.Aquele troço acabou,lágrimas rolaram,sonoplastia de fim de festa e eu e a velha ali...feitos dois babacas!
"Ela já vem -disse-me vovó.Foi ver o último capítulo na casa dos primos".
Na casa dos primos!!!!Caralho!Tem sempre uns primos na minha vida!E por certo são vascaínos!!!
A velhinha percebeu o horror que se apoderava de mim e ofereceu-me um café.Recusei,pois naquele momento um saco de vômito ou mais uma caipirinha seriam apropriados.
Quando pensei no suicídio ,pulando daquele segundo andar de prédio austero,a porta se abriu e a deusa surgiu vestida de branco.Mais parecia uma assombração!
E com o rosto com jeito de assombração ,olhou-me espantada e indagou:"Você por aqui?"
Antes que eu a mandasse tomar naquele lugar,peguei-a pelas lindas mãos e lhe falei simplesmente:vamos,por favor.Hoje, poderá ser o meu último dia.
Bravamente,carro morro acima ,estrada da Usina,agora morro abaixo,chegamos no bar-restaurante monarquista,Barra da Tijuca,face a face com a casa do pecado.Havia um motel que fora estrategicamente construído ao lado do tal restaurante que se chamava Vice-Rei.
Ex-amigo é que me alertara.Construa o clima e depois aproveite.Já que era mais velho,bonitão,experiente,acatei sua sugestão libidinosa.
Pedi aquele vinho branco horroroso,alemão,que podia matar até uma barata , e umas comidinhas.A deusa em frente.E eu ali,tentando agradá-la.Menti como nunca!Era o máximo naquele momento.Parecia até um nosso ex-presidente que ,segundo um grande pensador brasileiro,achava-se mais inteligente que ele mesmo.
Ela sorria,mexia nos cabelos.Tentei beijá-la,mas ela não deixou.Ficou corada na face.Pensei então:É tímida tadinha.Tenho que agir com prudência.
Conta fechada,carro aquecido,musiquinha no tocas-fitas de bandeja e .....nada.Traído de novo.
O carro não pegou ,nada de motel.Nada de nada.
O gênio da computação me atende de novo.Touring!Sistema de socorro mecânico eficiente à época.
Desolado,quase morto,ao lado do boçal ,douto em motores e fracassos, e da deusa, morro acima ,morro abaixo novamente.O elemento perfumado de graxa me pergunta:" Aonde vamos?".Não lhe respondi. Ele então perguntou:" Assistiram ao último capítulo da novela?".Quase o fuzilei com os olhos.
A mocinha quase muda ,decidiu posicionar-se:"Você poderia me levar para Tijuca,rua tal,casa da vovó".
Chegando lá,olhei para aquela beldade e senti o adeus do último capítulo.
O tal elemento condutor arriscou : " Para onde agora?"
Conheces o vão central da Ponte Rio-Niterói?
Tenho certeza que aquele veneno de quadris mágicos era uma assombração de verdades.Tal qual Roque Santeiro.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Um trem para uma estrela.

O metrô do Rio de Janeiro recebe um público diferente ,nas noites de Sábado.Ao que tudo indica , aos Domingos e feriados também.
Uma das características que podemos observar nos ditos sintomas esquizofrênicos é a extrema dificuldade em se lidar com a quantidade enorme de formações,de coisas ,que se apresentam e a quase impossibilidade em distinguir os seus diferentes níveis,as suas pertinências.São dados ditos de realidade ou não?Mas qual realidade,se as nossas fantasias são o que há de mais real?Nada tão real quanto o virtual!Esses caracteres digitados aqui são materiais também.Posso sentir os seus odores.
Não conseguir distinguir os níveis faz com que o esquizo se perca o tempo todo.E tudo o que há para ele é pura concretude.Não há deslocamento possível.É o que Magno Machado Dias chama dos diferentes níveis de reificação.Aquilo deixa de ser tão somente um teatro,uma metáfora construída e passa a ser concreto demais.Não se considera o fato de que foi produzido,articulado,mas que é um dado natural,espontâneo.Se você disser para o esquizo que fulano é uma mala,pode ocorrer que ele queira colocar algumas roupas dentro do tal fulano e carregá-lo para um aeroporto mais próximo.Mala é tão somente aquele objeto de carregar e portar coisas...até em viagens não muito distantes
.A labilidade que caracteriza qualquer língua ,e que nos faz modificá-la frequentemente,visto que não existe siginficante capaz de dizer tudo,de encerrar o papo e pronto!Não existe.Ainda bem
.Esse talvez seja o exemplo dado por um poeta.Ele estende as possibilidades de se dar sentido ao que quer que haja ,retirando-o,equivocando-o,através dos atos poéticos que não são somente palavras e verbetes.
Lacan sacou- assim como o gênio de Freud - que atrávés da língua ,do que chamou linguagem- e linguagem não se restringe à falação,poderíamos acessar o material do desejo nosso,recalcado e tornardo inconsciente,inacessível.A não ser através de algumas pegadinhas tais como: atos falhos,tropeços ou os sonhos tão confusos ou ainda sintomas mais diversos.E tudo tão diverso e confuso porque misturados feito festa de arromba.Feito esse texto.Feito esse trem de metrô.E quanto mais misturado e mais íntimo e mais desnudo mais um sonho que,por certo ,tornar-se-á pesadelo.
O problema é que Lacan- gênio do seu tempo e num país que afortunadamente respeita isso- estruturou demais o que é tão distendido.Ele fora leal a um certo freudismo e a filosofia que o cercava ( Hegel sobretudo e sua pretensão em dar conta de toda a história).E obviamente ,foi fidelíssimo aos linguistas de então.
E tampouco não é problema de personalidade múltipla,pois somos múltiplos.Estando esquizo ou não.De manhã tem até remela sonolenta.Já no decorrer do dia....
No decorrer do dia, pode-se pegar o metrô e contemplar essas novas cores,essa gente nova que eu ignorei por arrogância ou por receio.Sim,receio.Estou ficando velho.Igual a todo mundo.Igual a esse neném de saia curta que desfila venenos ,abraçada ao namorado com pinta de que não tem agenda de papel.De que não sabe que dia foi ontem.E eu sou de ontem também.E faço o que ele ainda faz e com algumas semanas à frente.E tenho agenda de papel. Pronto,falei.E adoro essa expressão que fora cunhada de uma princesa.Mas estou, rodrigueanamente e de fato,envelhecendo.E tem neném que subestimei,pois não respondia com outros significantes àquela solicitação que lhe fizera.E qual fora a solicitação?Um pedido para uma contradança?Uma salada mista?Quer dizer...Quem tem mais primaveras a contar beija-flores sabe o que significa salada mista!
Neném maldito.E cresceu e está linda!Filha da Puta!Aonde foi que cresceste?Quem foi o seu pediatra pederasta?
Todas as imagens e sons reunidos naquele trem moderno e cafona.E essa gente toda agasalhada pelo frio que vem lá de fora.Alguns dormem.Façamos silêncio,por favor.Mais uma estação.Mais uma leva de gente.Aquela outra parece sorrir para mim.Não.Ela é cega e se apóia numa bengala imaginária,porque real.E Lacan,João Maria,tinha razão.E nós também.Todo mundo tem um pouco de razão nessa maluquice cujo coração não se entende.
PIui,Piui,Piui....Onamatopéia do meu trem particular. E ele chega ao destino desejado.Desembarco e quase me perco.Porém,cheguei a salvo.Pragmático ,instalei-me.
O trem para àquela estrela cumpriu seu papel de trem.Êta trem bom!Taí a mineirice nossa deslocando dos trilhos os trens da falação.
E os sons de agora não me confundem ,encantam-me.Posso escutá-los um a um.E não me perco.Salvou-me novamente.

domingo, 29 de maio de 2011

Brincando de cachorro

O cachorro do vizinho gostava de mim.Ele era de um tipo que estava na moda:pequenino e feio.
Beleza,felizmente,tem gosto pra tudo.
Ele era igual a um outro cachorro,um cachorro paulista,metido a acadêmico que de tão educado,apesar de mimado,chegou a ser chamado de Sir.Não mijava fora do vaso e respeitava regras humanas.Na casa paulistana,fazia-se presente mesmo com a sua pequenez.
Latia pouco.Era marrom e branco.Deram-lhe um nome idiota,mas ele fazia pouco caso.
Enquanto alimentavam-lhe, tudo ia muito bem.Gostava de uma boa mordomia e sabia cultivar os vínculos importantes.Não agredia aliados."Cachorro sem vergonha"- alguém rosnou.'Só gosta de quem lhe faz bem'-concluiu,antes de morder o próprio lábio.
'Discordo'- disse-lhe eu. 'Acho que ele é sábio'-quisera supor.
A gente bem sabe o quanto esses movimentos histéricos de querer bem a quem não nos quer causam estragos,mas não deixa de ser uma forma de divertimento como outro qualquer.Cada um tem o que ou o quem não lhe quer que se merece.E ninguém tem coisa alguma a ver com isso!
Quando se resolve ter coisas demais a ver com isso,somos racistas!
Afinal,aquilo que nos escapa,que se porta e comporta diferenças que não sejam as nossas habituais tolices -apesar de supormos que são maravilhas- necessariamente é esquisitice.Considera-se algo menor,inferior.O hábito meu é que é bacana,normal,elegante,lúcido.O outro é estúpido.Até pode ser....mas ele tem esse direito.Desde,é claro, que não se queira sacanear a existência da minha tolice.Se ela não compromete uma outra existência,se não lhe extingue,pode estar valendo.
Certa vez- mas ainda permaneço atrelado- cachorro e eu fomos iluministas.
A cidade luz,Paris,estava toda acesa.E Lamartine,romântico ,visitou-me.Mallarmé,inconformado,rebelou-se.Achou tudo e os cachorros muito chatos.Quase os asfixiou.
Esses rapazes iluminados cuidavam bem das sombras.Cachorro escaldado também.Fareja antes,para depois morder e/ou soprar.
Diante de mim há um focinho de um cão feio.Esse,que pertence a um vizinho de outrora,tem aristocracia no nome.Chama-se Lord.
Alguns o consideravam gracioso.Eu o achava feio feito o outro lá de cima,do início dessa história..O tal de Sampa.
Gostava de mim até o meu focinho encontrar o dele.Mordeu-me vigorosamente.Levei 2 pontos não sei onde.Chutei-o antes dos pontos.No que fui acompanhado pelo seu dono,meu melhor amigo de então.
O amigo ficou constrangido.Não queria mais acompanhar-me no passeio do dia seguinte.Consegui demovê-lo do gesto.Ele tornou-se rebelde por um breve entardecer.Fiquei com medo desse rosnado novo.Coisa típica de reacionário velho.
No mês seguinte,despediu-se de mim com um aceno de mão.Continuava constrangido?Meus pontos tinham cicatrizado,mas não o meu rancor.Teria ele percebido?Contudo,todavia,entretanto,não era para ele aquela praga toda que rogara!Era canina a vingança!
Mudava-se naquele instante para uma casa bem distante.Longe de minhas vísceras e músculos.Haja coração!!Que saudade de cão!
O cachorro feio que mordia parecia me sorrir.Não ousara,porém,lançar-me acenos de patas.Nunca mais brinquei de focinho contra focinho.
E o meu amigo presentificou-se numa saudade a mais.

domingo, 22 de maio de 2011

Prefiro não.

Caiu nas mãos ,há poucas semanas,um livro singular de Herman Melville: Bartleby,o escrivão.
Melville é aquele escritor fantástico e que foi reconhecido mundialmente por causa daquela baleia,metamorfoseada numa obra literária gigantesca e que tornar-se-ia filme ,não menos gigantesco,Moby Dick.
D.H.Lawrence,Borges,Deleuze,Derrida.Não foram poucas as mentes brilhantes que se debruçaram sobre a obra do estadunidense Melville.
Os mais versados sobre o seu trabalho dizem que ele foi influenciado por Emerson e enxergam no seu "absurdismo" algo de Kafkaniano.
Melville tinha setenta e poucos anos quando morre em Nova Iorque ,no fim do século XIX.Falido,esquecido.Não contemplou o sucesso que sua obra faria ,tempos depois.Tempos tardios para ele.
Não foi o único na história dessa coisa esquisita - e que o próprio Melville através do seu advogado-personagem,narrador em Bartleby ,pronuncia com desalento - : 'Oh,humanidade'!
Naquele escritório nova iorquino ,no coração de Wall Street,um advogado bem sucedido tem funcionários.Todos com os seus singulares cacoetes,hábitos e vícios.
Somos desde sempre uma sociedade de viciados.Sim!Nossos organismo tem vícios que precisam de sustento permanente.O problema é quando exageramos na dose.A tal carne não é tão somente fraca.Ela é débil.
E esses funcionários exageram vez ou outra.Tudo devidamente supervisionado pelo chefe atento.Ele chega a trocar o horário de um ou de outro ,ao notar que esse ou aquele desempenham melhor as suas funções, num outro turno.Um deles,por exemplo,precisa beber.
Tentando harmonizar o ambiente daquele escritório aborrecido,decide pela contratação de mais um.
A estratégia política ,neurótica e infantil a meu ver,adotada pelo advogado-narrador é nunca se confrontar diretamente com os seus subordinados.Ele tenta dar a volta na esquina mais à frente.
Ao que parece funcionava.Até....
O Bartleby que se materializou diante de mim ,após a primeira aparição no livro,pano desnudo,teatro à beira mar, tinha cara de eterno jovem Dorian Gray. Aquele do Oscar ,O Wilde.Eterno com todas as idades.
A Companhia Brasileira de Comédia parece encarregar-se pelo resto do tempo .Estão pelo Rio de Janeiro com novo trabalho....
E essa nova adaptação do texto de Melville ,tratado absurdamente enquanto absurdo,é excelente.
Eis então que prosseguimos com o novo contratado daquele escritório,o Sr. Bartleby. Ele estava chegando ,antes da pequenina ,mas necessária, digressão acima. E ele é um copista.Absurdo na verdade é o seu trabalho insano.Mesmo assim, executa-o com diligência, surpreendendo aos demais pela exatidão e rapidez..Por conseguinte,suscita mais ódio e rivalidade nos tais"colegas'" de trabalho.
Um dia,o chefe lhe pediu a mais.Que fizesse uma outra coisa.Bartleby lhe respondeu: " Prefiro não.Prefiro não fazer". E assim se desenrolou - e se enrolou todo-, a partir desse significante,essa rede infinita de significações possíveis.
Indignados ficaram,os tais "colegas".Afinal, alguém disse um não ao chefe poderoso.
Ele se recusava e ponto.Passou a recusar tudo. Até sair de lá -virou a sua morada,o tal local de trabalho-recusou-se também.Botou os outros para correr,isso sim.
Não li nada a respeito da obra.Li um livro e contemplei uma encenação teatral em que alguém ,ao menor deslocamento do seu único vício,perde as estribeiras que certamente já estavam balançadas,em tempos de outrora.Ele evita contatos visuais e não se aproxima dos outros.Ele contempla espelhos de tijolos,uma parede por trás da sua alma.Estaria tão emparedado quanto a dita cuja parede? Era prisioneiro do quê?'-Preferiria não lhe dizer'.Creio que teria escutado.
'Parece coisa de autista'.Alguém sussurrou na platéia.
A prudência nos leva a ter cuidado nessas horas.
O advogado-personagem-narrador,equivocadamente,quisera salvá-lo.Assim como o tal sussurro ,acima descrito,quer rotulá-lo para se acalmar.Acha que já sabe com quem está falando.Vício antigo e perigoso.
Bartleby queria,assim feito a gente quase toda,desistir de copiar e prosseguir copiando.Aquilo lhe parecia algo vital.Outro algo,porém, o fez querer então,tão somente, querer desistir.E ele desiste enfim.
O narrador-salvador diante do cadáver -agora não mais morto-vivo,mas morto mortinho da Silva Bartleby- chora.
Ergue-se emocionado e explica ao mundo que Bartleby ficara assim ,meio excêntrico,depois de sair de um emprego em que ele era responsável por cartas extraviadas.Cartas importantes que jamais foram lidas,nunca foram resgatadas.Elas tinham o fogo enquanto destino funesto.
E como eram importantes as tais cartas!
Nessa época ,sentíamos as pessoas, queridas ou não, através dessas epístolas quase sagradas!Quem nunca esperou aflito pela carta do amor por vir?
Quem nunca rastreou aquele amigo/a ,através dos postais, naquela viagem distante?
Minha mãe ,Proustiana tímida, enviava-me cartas de letras saudosas e que saltavam e davam voltas pelas margens da folha necessária.Lamento até hoje não tê-las guardado para sempre.Seria feito beijo de boa noite.Beijo de letrinhas.
E aí,jovem escrivão?Que tal um até breve?Uma cerveja de Wall Street?
"Prefiro não."
.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Opinião única

A depressão é um traço característico nesses tempos de obscurantismo, mesclado com avanços tecnológicos jamais alcançados pela tal humanidade.Talvez a mania por avanços ,por crescimentos,por novidades,nos coloque frente a frente com a nossa impossibilidade mais radical - e tão sonhada- que seria uma transcendência absoluta.Um gozo definitivo.
Desde Freud - e outros antes dele,mas que não postularam teoricamente com tamanha clareza- o desejar morrer e continuar desejando essa morte que não advirá,presentifica-se na explicitação dos nossos modos de agir,nos nossos modos de viver.
A tal falta de referência pode ser tão somente ignorância ou movimento histérico de destituição do que está em vigor.Ressentimento barato.Aliás,ressentimento é quase sempre barato,já que ao inflacionar-se torna-se-á inveja mais cara.
Além do mais é muita pretensão supor que nada fora construído com certa consistência e pujança, pelo simples fato de que aquela formação metafísica - teórica tão somente ,pois o além do que há ,não há- não nos locupletará JAMAIS.Estamos sempre inadimplentes.Gozando um pouquinho aqui e acolá ,dependendo das nossas competências.E isso já é coisa à beça.
De minha ignorância posso e devo dar conta,isto é,reconheço-a para prosseguir e dialogar com os campos possíveis.Campos possíveis....nada mais.E são tantos os cantos possíveis!!!É o haver inteiro!!!Caralh......
Reduzida a pretensão,fazemos o que dá pra fazer,independente dos narcisismos pequeno-burgueses que me formaram ,por exemplo.
Talvez tenha deixado um Deus bobo e pretensioso absoluto,de lado, e investi na sacralização de um Estado,personificado por um Presidente qualquer.Piada de mau gosto.Cheguei a apostar em Monarquias!Por que não? O regime ,pode parecer que não, é mais econômico.Fora certos casamentos,é claro.Se bem que é mais carnavalesco.Assim com um certo papado e seus palácios vespasianicos.
Talvez tenha confundido um movimento de fé ,de uma aposta somente,num jogo de bola ou na tal Psicanálise ou numa outra ciência a base de pílulas milagrosas.Quem sabe? Eu deveria.
Faço uma suposição de que o desânimo universal tem a ver com o fato de que a explicitação democrática de tudo o que há ,nos faz abrir um pouco mais a retina.O sonâmbulo já sabe que pode se arrebentar....ou não.Felizmente,há sorte.Tropeços podem se batante profícuos.Resta saber o tamanho de quem cai.
A explicitação,por exemplo,de um delírio chamado matrimônio também traz consequências.
A igreja bem que tentou.Iludiou esse quesito por séculos.A cultura se encarregou do resto.Só que aquilo que se sente,que se experimenta pode ser diferente. Lembram daquela frase que um dos analistas do Dr.Freud,o Senhor Charcot,hipnotista francês famoso,disse-lhe?" Caro Freud.Teoria é muito importante,fundamental,mas o que não impede que as coisas existam."
Uma opinião única traz consequências seríssimas.Assistimos ao enquadramanto de um só ponto de vista,de uma concepção estética,onde para além do maniqueísmo do bem contra o malvado atravessa-se o belo e o feio.Para quem?O que é feio? O que é belo?Burrice pode ser bonita?Então porque algumas estupidezes são tão bem cotadas no mercado?E a minha estupidez aqui e agora?
Existem certas formações que me são quase absolutas,quase irreversíveis.Assim como um tal de temperamento.MD.Magno as denomina em sua teorização de fundações mórficas.
Dificílimo de se avessar,mas não impossível ...as tais formações fundantes.Ao menos é no que se aposta.Senão não há razão para se falar em gente.Gente dá cambalhota .E volta e dá de novo.Até sair fora do jogo.

domingo, 15 de maio de 2011

Vida de obituário

Olhei para mais um obituário.Ali,procurei por ex-pessoas.Sim,figuras que não estão mais disponíveis.Estiveram e não estão mais.Contudo,existiram um dia.E isso é irreversível,assim como o seu não haver mais.
Aos 15 anos,preparava-me para o primeiro carnaval adulto-matinê.Adulto já que iria sem papai ou mamãe por perto.Matinê porque era vespertina a tal festinha de pula-pula.Na noite anteiror à festa, olhei pela janela e vi o amigo tirando o pó do automóvel recém chegado de presente.
Era um rapaz enorme ,bonito,péssimo jogador de futebol e generoso.Tinha uma daquelas bicicletas que os operários dessa época também possuíam.Chamavam-na de barra forte.Pilotei a barra forte algumas vezes e isso me orgulhava. Fingia que não entendia a generosidade do amigo barra forte para comigo.Sim,fingia.Era sabido na vizinhança- que se chamava superquadra- que ele tinha uma queda pela minha única irmã.Na verdade,o que o motivava ainda mais era a rivalidade, intencionalmente sustentada , com o amigo mais próximo.Grandão feito ele e que se enamorara da moça em questão por algum tempo.Tempos de cuba libre,Bee Gees,calça de jeans de botõezinhos,tênis americano,camisa Hang ten,revista POP de surf, Waimea e sonhos.
Os norte americanos que, viviam bem próximos a nós ,estavam com o estoque de narcisismo e arrogância nas alturas.Sacaneavam os vietnamitas e se ferraram no fim.Tomamos as dores da turma asiática e partimos para o confronto.Resultado: um ianque com a testa aberta mediante pedra perdida.Festa dos brazucas de calça curta.
Enquanto divagava sobre esse tempo,nessa altura se passaram cinco anos,ou seja,uma eternidade para quem ainda contava somente 15, meu amigo sumiu de vista.O carro estava sem pó e brilhava solitário.Lembro-me daquela imensa antena de rádio amador no pára-choque traseiro do veículo que ,levava o nome da cidade-capital.E ele se gabava por causa da antena.Dizia que se comunicava com o mundo afora.Algo inédito para o momento.O mundo afora era muito afora.Tudo era distante à beça.Gringo era gringo de verdade.Não tinha isso de globalizar por não sei o quê!Chinês e todo o bando comunista fechadinhos dentro e afora.
Quando meus pais viajavam para o exterior,faziam mais que viajar.Aventuravam-se no tal mundo afora.Interurbano caríssimo e sussurros saudosos.Eram tempos de mundo a descobrir.Segredos resguardados.Tínhamos medo!Será que voltam?Perguntávamos frequentemente.O cartão postal surgia com uma marquinha arredondada a lhe fazer quase que uma marca cenográfica.Tinha sido lágrima antes de se tornar mancha amarelada.
Na Itália,minha mãe chega no dia em que um Papa morre.Ela ficou acenando lenço branco e sussurrando que queria ver o santo-moço de qualquer jeito.Viajara de tão longe....Vinda lá do mundo afora e o sonho postergado.Quanto azar.
Anoiteceu.A expectativa aumentava com a idéia de um dia seguinte festivo.Vi televisão antes de sonhar.Era verão no resto do país,mas por ali a temperatura era primaveril.
Uma cigarra berrou alto.Talvez o companheiro tenha partido para outros bailes.A vida da cigarra é muito breve e ela procura aproveitar cada segundo ,pois será o último mesmo.E o último segundo já se foi.
Amanheço. Minha mãe aos prantos ,esconde o rosto.Minha irmã acaba de receber o telefonema que me diz que, nunca mais aquela cigarra e seu berro aflito se farão presentes.Na madrugada,agora eternizada, o pó,o brilho,a antena gigante,daquele carro-presente,do amigo gentil,sumiram para sempre.
Entardeci.No cemitério,primeira visita minha, não entendo.Vejo o horror na dor das três irmãs do amigo morto.O parceiro de aventura,com o braço imobilizado por um gesso,tenta se manter vivo.Sobrevivera ao acidente.
Meu primeiro carnaval considerado,nunca houve.Ao invés de marchinhas,o Grupo de Música Estadunidense Alan Parsons Project e o seu 'Time".Tempos de vitrola.
Folhear o obituário é lembrar de Lamartine. O poeta francês nos alertou que o livro da existência não se pode ler duas vezes.
A barra-forte-bicicleta foi doada.O amigo fez testamento,aos 19 anos.
Manipular o obituário de hoje,trouxe-me o seu sorriso de volta.O carro botou a poeira lá pra frente,mundo afora.

terça-feira, 10 de maio de 2011

O Tempo não pára.

O que tenta fazer alguém que escreve?Descrever coisas,acontecimentos,inventar invencionices,fantasiar,mentir,corromper,catequizar,tão somente sonhar com letrinhas?
Por que será que a literatura entrou em franca decadência nos últimos tempos,salvo raras exceções?Que tipo de poema se escreve por esses dias?Noutro dia rimava-se tumba com bunda e achei divertido tal ousadia literária.Seria um poeta? Seria uma praga?Seria um hacker invadindo nossos sistemas sensíveis?Imaginem o Sr.Marcel Proust ,com alergia e tudo, a descrever num laço de fita,de uma certa madame francesa,toda alma que se preza? E ele o fez.Ainda que chato- desculpem-me os Proustianos convictos,e a mais ilustre das Proustianas para mim ,infelizmente, já não há mais- ele conseguiu.Se não o tivesse feito,morreria sufocado.Ainda que rico e em Paris.
Já na Paris do hemisfério sul,pura pretensão carioca, um grupo de meninos e meninas se encontram.Reencontram-se depois de décadas.Atravessaram parte de um sonho sem compartilhar intimidades.Vez ou outra trombavam em algum Alasca do Globo a dizer tão somente Adeus,até mais...."How are you,darling'?
Os meninos e meninas cresceram desde então e geraram outros meninos e meninas que também crescem.Até quando vai essa maturidade toda?Fruto maduro costuma cair.Faz parte da vida dos tais frutos.
Eles estão no recreio agora. Há uma lista que conclama pela presença.Quem não está,também está.Incrível!Onisciência explícita.Meninos e meninas permitem-se sonhar sem culpa.
Tudo o que importa é não esquecer de mais uma lembrança.De qual época?De agora.Foi ontem que eles disseram o penúltimo até logo.
A posteridade efetivou-se em mais um flash da máquina moderna que traz uma ruga desgarrada mais para perto da nossa dita realidade.E o tempo ,tão consagrado, não somente não pára,mas parece - até que presentifiquem ao contrário- que ele também não existe.

domingo, 24 de abril de 2011

A porta do vento

Giuseppe Tornatore é um dos cineastas mais importantes do nosso tempo.Desde Cinema Paradiso,realizado há mais de 20 anos e que lhe deu um Oscar,ele persiste com a sua poesia de imagens.
A porta do vento(Baaría) é o seu último filme.Realizado há 2 anos,mostra-nos a história de um pequeno e sua família e seus amores e seus entraves e suas guerras,numa Sicília dos anos 30 até ontem.Desde Mussolini e seus facistas de então até o Sr.Berlusconi e os fascistas contemporâneos.
Os Italianos são engraçados quando não são patéticos.Aquele dramalhão todo,aquela gritaria familiar - e que parece exportada para América Latina inteira- são um retrato meticuloso do que por lá se pode encontrar.
Minha primeira ida à Itália aconteceu recentemente.Calcei as suas botas e visitei alguns lugares.Partindo da capital,exuberante, onde o Inconsciente se apresenta nos monumentos a céu aberto - você sai de uma avenida de ontem e chega ao Coliseu ou às termas romanas -aos encantos florentinos - potência política e artística por séculos-ou ao Sul e os seus contrastes e hospitalidade;Itália é sinônimo de encantamento perpétuo.
É por isso que acho que não estava tão longe de casa assim.Sobretudo ao Sul- e me parece que Tornatore vem de lá- somos muito próximos.Sem falar da língua latina que nos envolve.Os rostos são parecidos.As angústias se aproximam.Os velhos também são bem velhos.
Não é à toa que São Paulo é a maior capital de italianos fora da própria Itália.E a maluquice católica nos atingiu em cheio também.
Tornatore costura tudo isso e nos traz à retina 2 atores - uma atriz e um ator - muito bons,além de belos.A moça,bem jovem, lembra Sofia Loren.Aquele rosto de quem não faz outra coisa a não ser nos seduzir a todo momento.Ela quer nos convencer de coisa alguma, e não conseguimos a sublime indiferença diante daquilo que é nada.Tomamos partido.Viramos socialistas,comunistas.Por que não Sofia Lorenistas e suas discípulas?
As crianças-personagens parecem nascidas num ambiente cinematográfico,tamanha a espontaneidade ,a desenvoltura com que trabalham.Obra de bom diretor.E ainda temos a Mônica Belucci....Ufa!
O que quero dizer - e não faço crítica ,pois sou somente um voyeur cinematográfico- é que calcei aquelas botas e corri por aqueles cantos com direção incerta.O meu GPS tinha às vezes 5.ooo anos e não se perdia. E se por aventura se perdesse,pronto!Perdeu-se.E daí?
Tudo não passa de sonho no corre corre desvairado das nossas pernas curtas.As botas por fim nos protegem do pisar cruel de uma lembrança que carrega 10mil anos em apenas uma vidinha de pernas curtas.Que sopre o vento.Bate-se mais uma porta.

domingo, 10 de abril de 2011

Na Escola.Tintas e armas.

Numa escola do Rio, um moço que, permanecia paradinho na sua própria infância,abriu fogo contra adolescentes e depois atirou contra o próprio corpo.Ali ele estudou por anos.Morava no mesmo bairro,um dos mais quentes da cidade, e não gostava muito - pelo que relatam aqueles que o conheceram- do convívio com gente.A não ser para lhes dar uns tecos. O cenário para o horror ,instalado após o fuzilamento que tirou a vida de 12 adolescentes, prossegue. A quantidade de tolices e imprudências que se diz na persuasiva e abominável mídia é de estarrecer. Inventaram o trauma "a priori" e foi reaberto o arquivo de xingamentos nosográficos - aqueles manuais psiquiátricos ,repleto de casuísticas e que pouco esclarece - a fim de se estabelecer uma certa lógica para o evento.Esquizofrenia foi termo- e até já foi conceito decente- apareceu à beça.É simples assim: não sabe o que é ou como funciona aquele processo,aquele sistema,aquela complexidade toda,sapeque um Esquizo tal que o pessoal do mundo se acalma.Os tais Esquizos não.Eles sapecam suas armas.E elas podem ser diversas,mesmo quando miseráveis. Por esses lados dos trópicos, já foram fuziladas crianças que dormiam na porta de uma igreja,famílias inteiras chacinadas,maníacos nos parques a estuprar mocinhas que só queriam uma sacanagenzinha na Floresta e por aí vamos.... Somos um país muito violento.Para se ter uma idéia,nos Estados Unidos ,onde as armas podem ser compradas livremente em quase todo o país, ocorrem 15 mil mortes anuais ,em média, por armas de fogo. No Brasil,onde é proibida a venda das mesmas,ocorreram 50 mil mortes violentas no ano passado.A maioria atinge jovens e até crianças.Política de extermínio? Certamente que não...... Alguns afirmam que há uma guerra civil por aqui.Não.É pior.Numa guerra civil existem áreas demarcadas de conflito.Nossa área de conflito é a cidade toda.Certa vez, retornando da Cidade De Deus, antes da fama da God City e bem depois de Agostinho, ao chegar no Leblon ,bairro nobre,quase fomos assaltados violentamente,uma colega e eu.Quase rezei ateísticamente,só com fé portanto,ao Santo João Ubaldo Ribeiro,que por lá reside maravilhas. A Cidade de Deus não tem bom retrospecto em termos de segurança,civilidade,desenvolvimento e quetais.Porém,nunca fomos molestados por lá.Vez ou outra uma metralhadora entoa canto próprio,mas nada é mais normal. O tal moço entrou e fuzilou os seus colegas que ele jamais viu.Mas ele se lembrava mesmo assim.Um gordinho lhe implorou para que não o matasse.Foi atendido.Gordinho,viado,gente feia,careca e outros tais eu poupo!!Parece que gritou algo semelhante.O Maluco então - como muitos de nós- era racista!! Uma imagem me congela.Era uma avó.Ela serenamente está em choque.Perdera a neta no tal atentado.Achei que a tal senhora,cujas rugas e marcas na face apresentam tempos de sofrimento,tivesse acabado de chegar de um terremoto japonês,tamanha a sua sutileza. Ela responde às perguntas de sempre,pois o roteiro caducamente se repete.Diz que Deus sabe.Só não disse o que ele sabe.Aguardei pelo segredo jamais revelado,afinal o Tal Deus proclamado é onisciente.Seria sádico?Seria racista?Teria ele perdoado o tal matador?Era esse o seu destino,o seu desígnio?E se Deus não gosta de criança?Ou então está morrendo de medo dessa gente que somos nós e resolveu sequestrar as criancinhas com ele? Deus pode ser pedófilo?"Mamãe !!-eu gritava; Por que a terra treme tanto e as co isas caem e morrem e se quebram e não voltam e se sofre e se vive?'. Mamãe me achava esquisito desde sempre.Nessa hora eu virava filho só do meu pai. "Responde lá para o seu filho que ele hoje está inquieto"- dizia mamãe ao papai inábil. Um dia fui para escola.Não queria.Coloquei o termômetro no forno e entrei para o livro dos recordes: 60 graus.Mamãe disse que eu estava morto.E eu vivinho...Passei a ficar com raiva dela.Fui para o colégio ,mas lhe avisei: "continuo vivo e parto para guerra.Nem você poderá me deter,pois me enganou o tempo todo.Se quem me trouxe foi uma marginal de uma cegonha sem rosto ,nome ou endereço conhecido,e não você,estamos rompidos".A moça riu.Nunca vi uma cegonha sorrir tão lindamente. Cheguei no colégio e apontei a minha arma.Pronto. Misturei todas as cores nos copos possíveis com os pincéis trocados.Guerra,guerra,guerra santa! A sala vazia a espera dos alunos para a aula de artes.Já que é arte,fiz a minha.Sacanearam-me na semana anterior em que o termômetro foi um aliado fiel e menos estabanado.Faltei sim e não nego.Só por isso tiraram o meu lugar na mesa acolhedora.E ali estava aquela moça linda com nome de flor: Maria Rosa.Uma das primeiras punhetas e paixões.Era essa a ordem afetiva? O irmão da Rosa ,talvez um Lírio,tournou-se cumplice em outras peraltices.Queria me aproximar dela e não dele.Ele não desconfiou e ficamos amigos.Convidou-me para o seu aniversário.Uma casa adorável na rua Nascimento Silva,em Ipanema,bairro bacana,até nasci bem perto.E estou careca e esse meu ex-amigo é gay!! Faz tempo inclusive que por lá só se adoram os edifícios.Uma pena. Chegando na festa , eu a vi com outro.Quase morri,quase os matei.Na verdade,eu os matei.Senão não estaria aqui escrevendo sorrindo sobre isso.E eles? Acho que se casaram e são infelizes,graças a Deus. Ninguém me escutou.Agora estão -onde nem a vovó consegue ainda me dizer-, arrumando as cores que mal enxergam.

domingo, 3 de abril de 2011

Gota d'água.(Em tempos de Tsunamis)

Uma Gota D'água foi tema de redação num vestibular.Um aluno,bastante inspirado ( e sabe-se lá o que isso significa) ,deslocando a ansiedade que lhe ,por certo acometia,respondeu: ' E nela eu me afoguei". Recebeu a nota zero. Nunca entendi muito bem os critérios de avaliação da turma que julga certos concursos.Parâmetros pouco flexíveis.E eu ia quebrando a cara em todos eles. Na época do meu vestibular,e aquilo foi horível,pois ofertei poderes demasiados a essa babaquice tipicamente brasileira,sofri à beça.Na tal da família minha a cobrança sobre esses fatos eram cruéis.A gente adoecia,passava mal,sentia-se estúpido mediante alguma fracasso.Era quase uma humilhação.Se bem que sempre existiram aqueles menos doentes,capazes de um desvio pra lá ,acolá.Admiro essas pessoas. No primeiro exame,em que a febre alta me perseguiu em todas as avaliações,lembro-me da reação do meu pai diante do resultado não desejado:balançava a cabeça em sinal de reprovação,e não quis muito papo.Minha irmã que,experimentara algo semelhante,acompanhou-me ao clube ,à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas.Lá,permanecemos sentados e eu fiquei um longo tempo olhando aquela gota d'água imensa. Frequentara à beira daquela lagoa desde sempre.Fui moleque travesso de calça curta e sonhos longos.Jogava pedras ao longe para não machucar. Uns gatos desgarrados nos seduziam - a mim e aos outros pirralhos- e lá íamos nós atrás da caça.Jamais tocamos num bichano qualquer ,mas o sem jeito,a pouca prática - expressão maravilhosa cunhada de uma loteria humana que ganhei na vida- de alguns fedelhos,fez com que um incidentezinho ocorresse: um garoto caiu na gota d'água.Escândalo. A deslumbrada da mamãezinha dele teve um ataque ,não ficou somente à beira ,e eu fui responsabilizado pelo fato.Era tido como o chefe do bando,ou seja, era bastante importante para o meu meio-metro. Lembro-me dele todo ensopado,o tal garoto. E ele estava feliz e me agradecia com os olhos azuis.Enquanto isso a senhora minha mãe me passava uma descompustura pública e prometia a ela mesma que não me levaria mais a nenhuma festa."Você não sabe se comportar"- dizia mamãe.Momentos de felicidade que existiram em dias de festa. Não fora preciso tal promessa existir,já que um ano depois fomos exilados no Planalto Central para uma temporada que parecia não ter mais fim. Tudo isso me acossava naquela tarde de céu límpido e águas serenas de um verão carioca,fim de tarde,na verdade,fim de mundo para mim.O mundo havia terminado pela segunda ou terceira vez .E agora?O quê fazer com esse mundo que terminara novamente? Aquela gota d'água inteira na minha frente e eu sem me afogar com o mínimo de elegância.Afinal,tinha mamãe na parada! Não sabia nadar direito e o passo adiante não vinha.Se bem que...o que faço mesmo direito? Há gente tão pretensiosa no mundo que cursa até.... o Direito. Eu que sempre fui "maladroit",uma espécie de Mr.Bean carioca,cursei faculdades erradas.E na errância, a gente até acerta.Ainda que sem querer.É a tal da sorte,fortuna,paranormalidade,magia,lá sei. Creio que dei meia volta ,ao lado da irmã, e retornei.Um papel ,agora tela em branco, aguardava-me.Rabisquei algumas coisas,outras letras,mesmo troço.A gota d'água e eu somos coisa só.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Meu primo primeiro,primeiro primo.

Meu primeiro primo ficou grisalho e usava bigode.Estava deitado no seu último leito e o surdo do ritmista da escola de samba ressoava em algum canto ,naquele Domingo nublado,garoa à espreita,São Paulo,orgulho do Brasil, a pulsar.E eu ali a sepultar o meu primeiro primo.
Algo terrível me dizia que ele,cuja doença fora descoberta há 2 meses,não completaria o reinado de momo ,nesse 2011.Reinado que veio tarde,em Março,quase no fim de sua estação favorita.Estação favorita para o tal do carnaval,uma festa que ,muitos distraídos ,esquecem-se que é de cepa religiosa.
E eu tinha razão.Essas coisas que identificamos porque nos afeta de algum modo,até por experiência ou no pior dos casos um mero delírio, e que não sabemos bem nomear ou definir melhor as suas formas,a quem finalmente podemos dizer ....intuições.Ele está morto!E está presente ,o que chamamos de carne e osso,pois eu ainda passo a mão no seu rosto frio e nos seus cabelos ,sempre impecáveis.E é só por isso que insisto em dizer que ele permanece em carne e osso para mim,ao menos.
Seu caixão é simples justo porque foi um príncipe.Um príncipe que, tal qual algumas monarquias,recusou-se a mudar de lado,a reconhecer novos tempos,novas tecnologias,novos vínculos. Transformou as ferramentas de conhecimento ,as quais dispunha ,em crença,sacralizando-as.Elas passaram a não apertar as porcas do armário que ,na cozinha pequena e repleta de delícias,pois tornara-se um bom cozinheiro,insistia em não abrir e fechar -como se diria?-, corretamente.
Meu primo primeiro era muito religioso,católico.E eu um ateu.Ateu? Será que isso é pra valer?
Aprendi com o meu mestre que infelizmente não vivemos sem uma ideologia qualquer.Nossas metapsicologias,ou seja, nossas teorias,tais como ele enfatiza,são os nossos olhares e percepções e intuições e saberes sobre as coisas que aqui hão!Contudo,elas somente são ferramentas, isto é, a nossa visão de mundo, aquela teoria sobre algo.Aplica-se ou não.Serve ou não.E tem prazo de validade.E pode nunca funcionar.Ou porque estava errada ou porque estava certa,na hora errada.Já aconteceu muito,desde sempre, e gente maravilhosa foi parar na fogueira.'But"....fogueira não é São João?Festa Junina...
Meu primo se crismou aos 60 anos ,aliás aniversaria em Junho,e eu nem fiz a primeira comunhão ( Graças ao generoso Deus!!).
Ele me levava ao cinema na matinê ,fosse no falecido Cinema Pax,em Ipanema,quando estava de passagem nas suas incontáveis visitas ao Rio,fosse no Gazeta,Gazetão ,Gazetinha,na Avenida Paulista,no prédio da Tv Gazeta,em São Paulo.O famoso 'PlayCenter ,um parque que veio concorrer com o Tivoli Parque Carioca,os encantos de Sampa....Eram muitos os brinquedos.
Crescidos,viajamos.Jantávamos naqueles restaurantes que ele bem conhecia.Visitávamos exposições lá e aqui.Ele adorava passear no Centro Antigo da cidade maravilha.Algo que prezo muitíssimo também.De preferência sem muito calor a nos acompanhar...
Seu primeiro e derradeiro bigode grisalho me guia aos cartões postais.Sim,os cartões postais.Eles chegavam de todos os cantos do mundo,desde 1971, quando iniciou,ainda muito jovem, os seus périplos mundinho a dentro,mundinho de fora.Não havia "computers or cell phones" e eles chegavam.E a gente podia tocá-los e nos encantávamos com as suas aventuras.Viajei muito sem sair do Brasil,naqueles tempos de cartões postais do primo andarilho.E era um orgulho pra gente."Imagina! Acho que gritei para minha mãe,uma espécie de segunda mãe para ele,que o maluco está na União Soviética e a KGB pede identificação no saguão do hotel para aquele moço solitário do Brasil"!!!AhAhAhAh!!! Seria o Putnin a lhe exigir documentos?E a radiação em forma de veneno ,não lhe fora ofertada?Primo de sorte!!
E as viagens eram assim:solitárias quase sempre.Mas quando retornava,ao descrevê-las ,voltávamos a passear e a sonhar.
As perdas foram doídas e creio que não superadas.Os pais,a minha mãe que ,era sua tia querida,uma amiga que desistira de viver e aquele trabalho da vida toda.Doenças séria foram curadas,mas ....existem outras formações que esquecemos de computar.Estão recalcadas ,mas em potência.Recalque não é morte.Mas pode levar pra lá ....que não há.
Na última vez que nos vimos,foi naquela tradicional Pizzaria, nada mais Paulistano,da Pamplona,nos Jardins de Sampa.Faz dois anos e ele estava triste e cansado. Do quê?Da aposentadoria quase mortal? De tédio? De sabedoria no seio da estupidez?Daquela obra naquela cozinha?Continuava elegante e barrigudinho.E tinha um humor refinado.
Frequentador assíduo da Sala São Paulo e de seus concertos maravilhosos,comentara sobre o recital da semana passada."Ontem,disse-nos,não houve porque estamos na folia de momo".
Não haverá folia de momo hoje.Tampouco recitais.
Ao meu lado,fitando aquele rosto tão nosso ,está um Argentino, gente ótima ,que,na nossa infância,desafiara-me para um duelo.Ele,Argentino recém chegado,era arrogante.Parece até pleonasmo......Duelamos na sala da casa da tia da vida toda,ainda bem viva aos 94anos,do meu primo primeiro.Tínhamos oito anos de idade,o rapaz que falava castelhano e yo.
Meu primo se formara em Direito ,na USP.Foi um dos melhores alunos da sua turma.Era o dia da sua festa de formatura.E do meu duelo particular.
Então,antes que as digressões me atrapalhem mais ainda, relembro o Brasil-Argentina primeiro de minha vida.E eu insisto em chamá-lo de Frederico.Mas é Federico! '!Meu nome é Federico,seu agora careca!"Imaginei um "nuevo" duelo por vir.
E o meu primeiro Brasil e Argentina foi o último a lhe falar e rir,à beira da cama de um Hospital,numa cidade com nome de outro santo: dessa vez Santo André.Tornaram-se bons amigos.E parece que com o tal Santo também.Fora diplomata na alma e havia se crismado,há pouco tempo.Dizem que apreciam esses gestos, lá no reino deles.
Inicio agora o meu pranto derradeiro à memória do meu primo primeiro,primeiro primo.