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domingo, 22 de maio de 2011

Prefiro não.

Caiu nas mãos ,há poucas semanas,um livro singular de Herman Melville: Bartleby,o escrivão.
Melville é aquele escritor fantástico e que foi reconhecido mundialmente por causa daquela baleia,metamorfoseada numa obra literária gigantesca e que tornar-se-ia filme ,não menos gigantesco,Moby Dick.
D.H.Lawrence,Borges,Deleuze,Derrida.Não foram poucas as mentes brilhantes que se debruçaram sobre a obra do estadunidense Melville.
Os mais versados sobre o seu trabalho dizem que ele foi influenciado por Emerson e enxergam no seu "absurdismo" algo de Kafkaniano.
Melville tinha setenta e poucos anos quando morre em Nova Iorque ,no fim do século XIX.Falido,esquecido.Não contemplou o sucesso que sua obra faria ,tempos depois.Tempos tardios para ele.
Não foi o único na história dessa coisa esquisita - e que o próprio Melville através do seu advogado-personagem,narrador em Bartleby ,pronuncia com desalento - : 'Oh,humanidade'!
Naquele escritório nova iorquino ,no coração de Wall Street,um advogado bem sucedido tem funcionários.Todos com os seus singulares cacoetes,hábitos e vícios.
Somos desde sempre uma sociedade de viciados.Sim!Nossos organismo tem vícios que precisam de sustento permanente.O problema é quando exageramos na dose.A tal carne não é tão somente fraca.Ela é débil.
E esses funcionários exageram vez ou outra.Tudo devidamente supervisionado pelo chefe atento.Ele chega a trocar o horário de um ou de outro ,ao notar que esse ou aquele desempenham melhor as suas funções, num outro turno.Um deles,por exemplo,precisa beber.
Tentando harmonizar o ambiente daquele escritório aborrecido,decide pela contratação de mais um.
A estratégia política ,neurótica e infantil a meu ver,adotada pelo advogado-narrador é nunca se confrontar diretamente com os seus subordinados.Ele tenta dar a volta na esquina mais à frente.
Ao que parece funcionava.Até....
O Bartleby que se materializou diante de mim ,após a primeira aparição no livro,pano desnudo,teatro à beira mar, tinha cara de eterno jovem Dorian Gray. Aquele do Oscar ,O Wilde.Eterno com todas as idades.
A Companhia Brasileira de Comédia parece encarregar-se pelo resto do tempo .Estão pelo Rio de Janeiro com novo trabalho....
E essa nova adaptação do texto de Melville ,tratado absurdamente enquanto absurdo,é excelente.
Eis então que prosseguimos com o novo contratado daquele escritório,o Sr. Bartleby. Ele estava chegando ,antes da pequenina ,mas necessária, digressão acima. E ele é um copista.Absurdo na verdade é o seu trabalho insano.Mesmo assim, executa-o com diligência, surpreendendo aos demais pela exatidão e rapidez..Por conseguinte,suscita mais ódio e rivalidade nos tais"colegas'" de trabalho.
Um dia,o chefe lhe pediu a mais.Que fizesse uma outra coisa.Bartleby lhe respondeu: " Prefiro não.Prefiro não fazer". E assim se desenrolou - e se enrolou todo-, a partir desse significante,essa rede infinita de significações possíveis.
Indignados ficaram,os tais "colegas".Afinal, alguém disse um não ao chefe poderoso.
Ele se recusava e ponto.Passou a recusar tudo. Até sair de lá -virou a sua morada,o tal local de trabalho-recusou-se também.Botou os outros para correr,isso sim.
Não li nada a respeito da obra.Li um livro e contemplei uma encenação teatral em que alguém ,ao menor deslocamento do seu único vício,perde as estribeiras que certamente já estavam balançadas,em tempos de outrora.Ele evita contatos visuais e não se aproxima dos outros.Ele contempla espelhos de tijolos,uma parede por trás da sua alma.Estaria tão emparedado quanto a dita cuja parede? Era prisioneiro do quê?'-Preferiria não lhe dizer'.Creio que teria escutado.
'Parece coisa de autista'.Alguém sussurrou na platéia.
A prudência nos leva a ter cuidado nessas horas.
O advogado-personagem-narrador,equivocadamente,quisera salvá-lo.Assim como o tal sussurro ,acima descrito,quer rotulá-lo para se acalmar.Acha que já sabe com quem está falando.Vício antigo e perigoso.
Bartleby queria,assim feito a gente quase toda,desistir de copiar e prosseguir copiando.Aquilo lhe parecia algo vital.Outro algo,porém, o fez querer então,tão somente, querer desistir.E ele desiste enfim.
O narrador-salvador diante do cadáver -agora não mais morto-vivo,mas morto mortinho da Silva Bartleby- chora.
Ergue-se emocionado e explica ao mundo que Bartleby ficara assim ,meio excêntrico,depois de sair de um emprego em que ele era responsável por cartas extraviadas.Cartas importantes que jamais foram lidas,nunca foram resgatadas.Elas tinham o fogo enquanto destino funesto.
E como eram importantes as tais cartas!
Nessa época ,sentíamos as pessoas, queridas ou não, através dessas epístolas quase sagradas!Quem nunca esperou aflito pela carta do amor por vir?
Quem nunca rastreou aquele amigo/a ,através dos postais, naquela viagem distante?
Minha mãe ,Proustiana tímida, enviava-me cartas de letras saudosas e que saltavam e davam voltas pelas margens da folha necessária.Lamento até hoje não tê-las guardado para sempre.Seria feito beijo de boa noite.Beijo de letrinhas.
E aí,jovem escrivão?Que tal um até breve?Uma cerveja de Wall Street?
"Prefiro não."
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