O telefone tocou às nove horas de uma manhã recente. Do outro lado o moço , cujo narcisismo -exibicionista me espanta de inveja, indaga: " Bom dia , senhor. Como vai o seu varal?"
Sem perder tempo, respondi-lhe com uma certa dose de irritação: Estava bem até poucos dias, mas com essa mudança brusca de tempo, resfriou-se.
Garanto que havia sinceridade na resposta. Por certo , jamais havia sido acordado - estava acordado?-, por uma indagação sobre o estado do meu varal. Confesso , com culpa e tudo, que nem ao menos me lembro que possuo um.
Porém, percebo que ele fica ali do lado de dentro, e agora ganhou similar do lado de fora. Talvez, lembrando-se do pobre diabo que reside para fora, fiz a suposição de que havia adoecido.Ou teria sido vingança? Devo esclarecer que desde que fora instalado , o tal do lado de fora, tenho cuidado particular com o desgramado. Chamo-o assim pois ele me remete a alguns aspectos salvacionistas que, ingenua e perversamente, ainda mantenho. Já repararam que uma gama imensa de formações existentes não estão nem um pouco interessadas em ser salvas. Por exemplo: o tal do mundo.
O varal , devo reconhecer, é destemido. Exibe algumas das minhas intimidades sem pudor algum. Aliás, qual o varal de fora que não exibe as intimidades de todas as casas. Alguns outros, os de dentro, movidos por assanhamento neurótico, também não hesitam em exibir suas calcinhas, cuecas, sutiãs e outras privacidades. A vida tem vulgaridades indeléveis!
Imagino então o varal dos afortunados. O que será que está em cartaz no momento?
Muitos supõem ser uma imensa tolice essa minha preocupação com privacidades 'underwear', em tempos de Internet, em tempos de exibição do que quer que seja, do que quer que haja.
Relembrando o falecido Foucault, que era contra até carteira de identidade, como se exibir transparentemente?Que tal se deslocar sem ser notado, ou seja, caminhar corretamente!Qualquer mestre nas artes marciais assinará embaixo. Abaixo a força bruta! Vivemos tempos de flexibilidade, agilidade!Até os motores das próteses , denominadas automóveis, meras extensões do meu corpo débil, são menores, mais ágeis, econômicos e eficientes.
Os varais ainda são estúpidos e as máquinas que secam com discrição são deveras perdulárias.
Apaixonei-me pelo desgraçado ainda mais, após notar a sua importância e requisição. "- Interesseiro!- vociferou o dentro". Sim, tenho os meus interesses! Agora mesmo, observo a advogada ,da casa em frente ,estender a colcha que espantou o frio de ontem. Escutei um espirro. Não, a colcha não se resfriou. Era uma lágrima que caía. A colcha lhe foi solidária, encobrindo-lhe o rosto triste.Será que rompera com o namorado? "- Alcoviteiro!- Berrou o de dentro".Sim, e por que não? É vizinha, sozinha, veio do interior pra cidade grande e.....'- Mentiroso!- Desdenhou". Às vezes, tal qual os de fora e os de dentro.
Desliguei o telefone. Do lado que só posso conjecturar enquanto outro lado,o lado de lá, O Sr. Moura , o homem dos varais, justificava-se: " A coisa tá feia".
Compreensível, mas não às 9:00 de mais um amanhã.
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