Envelheci. Saio pra rua com documentos e o celular ligado. Não! Desliguei o celular, pois se for roubado, o canalha em questão não acessará as minhas privacidades, os meus números secretos.
Aqui, na ex-cidade maravilha, os canalhas com os colarinhos multi-cores utilizam esses nossos segredos para chantagear o próximo. Entenda-se o próximo como o que está mais disponível, mas também o que virá.
Visto o meu aparelhinho que acompanha o compasso da minha angústia, fingindo serenidade. Estou mesmo é preocupado. E se esse troço marcar o que não sinto? Ou pior: o que não quero ver ou sentir?
Nos vigiamos mutuamente :a máquina e o controlador.A máquina é astuta e pede pra parar, afinal, está acabando a bateria. O controlador é burro, pois a bateria já acabou faz tempo.
Como era leve ser jovem e um pouco inconsequente. Só carregava a chave de casa e uma remota , mas consistente, sensação de que iria retornar. Pura ilusão juvenil.
-Identidade, seu guarda? Esqueci. - Passei os dedos pelas folhas do Sr Foucault e tive roubada a minha identidade.
Aprendo com o mestre MD Magno que A Psicanálise é o vale das desilusões....
Meu pai faz caminho contrário ao meu: tornou-se criança mais uma vez.
Tenho que lembrar-lhe de tudo ou quase tudo. Infelizmente, uma pessoa sem memória é uma pessoa que não há.
Pela manhã, chamei-o para o banho. É um horror! Meu pai já foi uma espécie de herói - herói meio torto, mas herói brasileiro que é assim mesmo- ,e hoje tenho que lembrá-lo que dentes devem ser escovados! A pele está de saco cheio.Vejo dobras mal intencionadas.Irrito-me! Proclamo em silêncio ruidoso um VIVA A Eutanásia! Calma....Vamos comer?
Retornando de um almoço marcado pelo silêncio - e bem que eu insisti para que falasse qualquer coisa freudianamente, ou seja, vai falando aí..-, olhei seu rosto e ele sorria.
O sorriso dele é como a suposta surdez de um Beethoven compondo. Ninguém sabe o que é aquilo.
Ao menos, para o bem e para o mal, ele ainda sorri. Os dentes foram escovados.
Um comentário:
ai, carluchinho...
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