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quinta-feira, 12 de março de 2015

O futuro do pretérito lambido. Um momento de metrô.

Escada adiante. É isso. Ao final da Rua da Alfândega- final para quem vem da Primeiro de Março em direção à Uruguaiana- avista-se a entrada do transporte do demônio. Essa definição ,segundo um amigo dominado por claustrofobias, não combina com as realidades dos transportes outros, ditos públicos, O metrô ainda é algo um tanto mais civilizado e eficiente apesar dos seus esconderijos subterrâneos. O cabra em questão- autor da sentença endiabrada-  tem um metro e oitenta e tal e se coloca cheio de dedos para certos deslocamentos ( nos aviões também passa mal) e até para tomar uma injeção. E nem precisa ser na bundinha não. No braço, bem forte, também surgem espasmos. Vai saber....
Uma vez alcançado o demônio e suas extensões, vem na mesma direção o comentário da viúva de João Ubaldo Ribeiro sobre o modo como ele compunha alguns personagens. 'Ele ficava espiando e imaginando como seria a vida, a casa, os hábitos, as taras daquele cidadão ou daquela senhorita. '- relembrava.  Cono  se imagina, quem se dá a essa mistura de letras a contar firulas adora fofocar também. Mas é fofoca da vida toda. Aquela que qualquer UM pode fazer. Uma simples questão de poder. Não tão simples por escrever, porém. 
Seguindo a dica, nota-se esse senhor de cabelos grisalhos e desalinhados a existir pela frente. Carrega, enquanto desce uma sequência de escadas, uma sacola de plástico com brasão de algum supermercado. Vai para casa. Quem decidiu? A continuação dessa história, obviamente. E o óbvio é o que não se quer ver- diria Rodrigues, O Nelson. O evidente de Nelson era ululante. Uma hiper obviedade. Poderia se chamar então Óbvio Ululante Redundante Engraçadinha da Silva. Em homenagem as nossas origens e outras histórias. 
Desiste-se desse personagem. Ele é tosco. Um pouco mais ao lado percebe-se a inconveniente presença desse rapaz que disputa cada passada como se estivesse numa marcha olímpica. Tem os olhos preservados por umas lentes escuras e rebola com gosto. Sumiu adiante. Pegaria a linha de sentido oposto. 
E qual seria o sentido desse palavrório que brota por essa boca de computador com memória de gigabites a nos humilhar no presente e ainda mais no futuro incerto e que nos ensinamentos - tirando aquele surto esportivo de estrangular olimpicamente sua mulher, Hélène- de um Althusser predestinado a assustar até mesmo um Jacques Lacan contemporâneo, interlocutor e amigo. Althusser, nascido na Argélia, foi um filósofo marxista da melhor qualidade e um dos nomes importantes dos movimentos estudantis, acadêmicos e por que não, esportivos, daquele Maio de 1968, em Paris. Lacan, por sua vez também analista dos sintomas marxistas, um alto burguês. Sobretudo, genial. 
A história do metrô diabo já tomou outro rumo incerto. Deve ter sido o alto falante que berrava palavrinhas de 1968, num carro de som do século que não chega para muitos, numa esquina próxima, antes da estação. O carro estava estacionado, parado. Feito o discurso que se seguia. De fato, o moço que berrava anda para trás. Quase caiu do cavalo. Seria afinal carro ou não? Rédea curta, moço prendado. 
Salão principal a espreitar o trem-metrô que se agiganta. Passa voando. Seria o amigo que tem medo de tudo a lhe conduzir, fingindo ser o gavião que simboliza a sua paixão desportiva? Quanta pressa, meu nobre! Deixastes frustradas ao menos essas duas beldades que esperam por ti e que estavam na mesma sala de exposição que a gente, há pouco! Cochichavam durante a fala do pintor famoso.E justo  ele que tentou por entre gelos e tundras abstrair o seu olhar com aquelas cores e formas. Houve quem cuspisse em suas obras por causa da máquina de tirar fotografias- invenção recente no seu tempo tão próprio- e que retratava exatamente o que toda a gente pensa que vê. Será mesmo? 
Aqui por esses lados dizem que fiquei como se diz... pelado, ou melhor:pelado em cima da cabeça. da testa. Minha saudosa mamãezinha achava que, ao contrário das visões inimigas, invejosas, encurtara um pouco demais o corte e que o barbeiro de um Bertrand  Russerl , muito fatigado depois de passar horas, quase nove décadas, com as navalhas apontadas para os pescoços de outros e para o seu próprio, desistira com essa ladainha de paradoxo. Quem corta quem ou de quem? O quê seria cortado mesmo? E aquele que corta o cabelo de todos os outros, naquela Paideia de pelos, e  que não sabem cortar o próprio cabelo ( os filhinhos de mamãe todos), terá o seu cabelo cortado por quem? Afinal, ele só corta cabelos de quem não os sabe cortar? Mamãe dará sempre um jeito. Para o bem ou para o pior. 
Parou um troço que brilha bem na nossa frente e a porta se abre. As duas tagarelas continuavam a repetir a história sobre o artista. Ele já dissera que não era bem assim. Não adianta. O vagão, contudo, estava meio vazio para o horário. Fiquei em pé. Ao lado da saída. Óculos escuros a constranger outros olhares que estão mais transparente, visíveis. Fogem desse olhar que sai driblando gente. Seria traço de autismo? E quem não o tem? Ainda que pouco? 
Uma moça negra pula quase no colo do banco que se ofereceu. Ela pega seu telefone- faz companhia a uma multidão de humanos hojendía-,  e passa a masturbá-lo ali mesmo. Dentro do trem. Olha com tesão para o rapagão enorme e belo que também acaricia o seu branquinho digital. A sacanagem não prossegue já que ele não lhe dá a mínima. Um grupo pequeno de turistas invade o ambiente. São turistas de fato. Não há dúvidas e isso pode por em risco a humanidade das pessoas. Eles quase sempre andam colados feito pombos enfileirados sobre o prédio abandonado. Boquiabertos de perplexidade ainda não traduzida. E muito mal ajambrados. 
O Rio de Janeiro feito de sua gente tem  essa fama- não somente por razões climáticas tropicais- de ser meio pelado por natureza. Sandália de dedo que virou traje fino para fim de festa de casamento. O Rio ficou cafona, brega. Uma pena. O SR. a quem se deu passagem quando a porta metálica se escancarou com entranhas à mostra , destoava daquele mundo. Era elegante no postar-se. 
Destino alvejado. Estação terminal. Sim, eles anunciam o terminal daquele ser metálico. Ao menos para hoje. Amanhã e depois dar-se-á sequência. O futuro leva tempo demasiado , ensinou aquele argelino de Paris, passageiro imaginado, Louis Althusser. Certamente, porque existe de direito- nas nossas elucubrações, delírios e desejos- , mas não existe de fato. Quando estiver por chegar, já era. Já é futuro de um pretérito lambido. 
Essa gente toda daquele trem era bem xôxa. Parece até  com um certo cotidiano. 

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