Um grupo de jovens comunistas- época em que o mundo se preparava para entrar numa fria pós guerra dos anos 40 , século XX- e que não sabiam ao certo o que faziam, decidiram matar com tiros pelas costas um importante oficial alemão. Oficial dileto do 'fuhrer', o condutor lunático das tropas alemães com aquele bigodinho ridículo, as consequências por causa do crime- ato irreversível, definição para o trágico- seriam as piores possíveis. Por isso que a ingenuidade, inconsequência juvenil no caso, revela o não saber o que se fazia apontado antes. E é bem verdade que não sabemos o que fazemos nem tampouco o que queremos, em última instância. Caso contrário como supor a havência, enquanto estrutura, do inconsciente freudiano?
O que comparece esconde o seu contrário. E essa operação mental chama-se recalque. Portanto, quando alguém costuma se referir a outrem como um recalcado- com a intenção de ofendê-lo- está de fato nomeando, a quem quer que seja da nossa espécie, corretamente, a tal pretensa figura. Uma boa definição. Se o tal agressor e sua verborragia desenfreada não for do tipo que passa a vida negando o que lhe diz respeito e colocando em contas alheias, enxergará o mesmo do que proclama de si no recalcado daquele tal outro. Nascemos recalcados. Ninguém escapa. Tem corpo, fudeu. E daqui a pouco não se precisará fuder mais com corpos humanos para que eles se reproduzam. E se há gravidade, por exemplo, o voo necessita de muita tecnologia para alçar outras nuvens. A ave que aqui habita consome alpiste em forma de querosene. Polui bem mais o vasto mundo de tantas outras aves, mas também consegue reverter uma asinha defeituosa aqui, com agulhas, seringas e anestésico e outra acolá, num outro hangar.
Tanto as aves humanas mecânicas quanto as mais antigas, isto é, os gaviões, urubus e outras fantasias aladas têm seus fãs. E outros animais menos esvoaçantes também. Já existem mulheres, seres da nossa espécie, convidando amigos ou adeptos, para festas nupciais entre elas e o seus bichinhos de estimação. O tradicional chá de panela, rito para angariar regalos para lares futuros, traz a foto com o pedigree do pretendente. Dizem as bocas rotas que esses tipos constituem um ótimo partido, os seres caninos e felinos, já que não dizem não e aceitam coleiras com menos resistência. Tensões pré-menstruais também não os afugentam. Muito pelo contrário! Eles se sentem atraídos por odores mágicos, reprodutivos, e não se melindram com aquele novo ser que emerge mensalmente. E o erário fica por conta da senhorita e sua boa vontade.
Portanto, estamos no auge das diversidades amorosas, faz-se necessário o entendimento de que a sexualidade é uma formação psíquica, e numa era em que pensamentos totalitários não cabem. Já houve estado que proclamou o seu totalitarismo particular, tanto à direita quanto à esquerda, e obteve até algum êxito para logo em seguida fracassar. Igual a certos casórios. Exceto os dos bichanos e com os bichanos.
Ao assassinar o oficial alemão graduado, na cidade de Nantes, com dois tiros, os dois rapazes franceses, heróis da resistência à invasão nazista no início dos anos 40, foram imediatamente traídos pelos colaboracionistas - termo técnico para alcaguete- nascidos no mesmo país. Franceses, em diversos cantos da nação Paris, entregando seus próprios compatriotas à forca germânica, para deleite gozoso do psicótico de bigodinho estranho. Pouco importava a idade ou ofício. A paranoia- importante método de produção de conhecimento- triunfava onde a lucidez morrera. Todo mundo era comunista, totalitário, estatizante e conspirador. Até mesmo os jovens de 16, 17 anos que acabaram de nascer. Poetas eram os terroristas mais temidos.
As anotações dos diários e as cartas enviadas às famílias dos condenados viabilizaram o roteiro para essa história, para o filme. A cena em que todos estão escrevendo e lendo as suas últimas palavras a serem lidas pelos últimos habitantes do seu mundo a se importar com o que ali acontecia é belíssima. E com a vantagem de que não havia trilha sonora melodramática- tesão maior de diretor estadunidense- a amanhecer com oceanos.
O que amanhece é a dureza do irreversível fato de que aquele amanhecer terá sido único e derradeiro. Inclusive para quem fica.
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