O documentário ‘Junho o mês que abalou o Brasil foi dirigido
por Jorge Wainer. Seu ano, 2013. É sobre aquelas manifestações que foram
tomadas pelo país. Diversos depoimentos. O mais interessante a meu ver foi o
depoimento de uma pessoa que vive na periferia de São Paulo. Um bairro bastante
violento. Ele começou dizendo que algumas de suas vizinhas que perderam seus filhos
para balas policialescas, e que não eram de borracha, adorariam que por lá
desfilassem essas tais balas de borracha. Quem sabe recicláveis?
A indignação que ele ostentava se dava mediante o jargão
cantarolado por multidões sem rosto de que o gigante acordara... Na sua
concepção, periferia não dorme nunca. Tem que estar de olho muito aberto,
insone, o tempo todo. E ele fuzila com um sorriso no rosto e contagiante
gargalhada: ‘ Nós somos covardes mesmo. Tem brasileiro que deveria ser açoitado
todo fim de tarde, por fingir que não somos cúmplices de alguma forma com esse
bando de ladrões que só existem, governam, para isso, ou seja, sacanear as
pessoas. A gente sabe. Eles não escondem mais. É covarde, é babaca mesmo’. Perfeito.
Diria eu que o máximo que alguns dos canalhas podem fazer é
dizer que nunca viram, nunca souberam. E o pior que cola. Sei que não me foi
dado o direito de desconhecer as leis, mas se um pouco de humanidade houver
sabemos o que pode ultrapassar ou ficar bem aquém do que se pode chamar de alguma
dose de civilidade.
O Brasil sempre fingiu resolver muitas das suas mazelas com
métodos denegatórios. Afirma-se algo, foi reconhecido, mas nego. Nada mais
cínico, doente. Anistia sempre foi um problema, por exemplo. Desde Rui Barbosa.
O jurista, diplomata, escritor, político e que tratou do tema desde o Império.
Na era Vargas, aconteceram vários movimentos para se anistiar pessoas ou instituições
que tivessem cometido erros graves, desobediência civil, atos abusivos, arbitrariedades,
crimes contra o estado ou cidadãos, tanto por parte da situação quanto da
oposição. Por aqui, o que houve foi esquecimento. Na verdade, denegação. É esse
‘esquecimento’ que tanto Barbosa quanto o filósofo francês, Paul Ricouer, e que
morreu há uma década, combatem. Ricoeur só via algum aspecto positivo num
processo de anistia se esse ‘esquecimento daquilo que ocorreu’ fosse levado às
últimas consequências. Um luto elaborado, analisado, rasgado. Ele usa o luto quase
como um conceito. Filósofos adoram conceitos. E por certo, os responsáveis
seriam devidamente chamados às falas. O único país da América do Sul que não
pune os seus torturadores e algozes ainda é o Brasil. Daqui a pouco, nem os próprios
protagonistas se lembrarão. Continuarão inimputáveis. Feito índio guerreiro
inocente ou algum desorientado de Bagé – sem analista ou tampouco humor- a
encobrir seu Garrastazu Médici local. A
fundação que levava o nome desse senhor morreu também, na também terra de
Carlos Scliar. Feito rua que muda de nome sem saber.
Alegarão que estão sofrendo do mal do alemão. Não mais da
ameaça soviética de então. E ele, esquadra germânica, costuma enfiar pelo menos
uns sete. É o chamado capote da bisca.
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