Dois jovens estão sentados, depois de uma busca corajosa, nos seus assentos reservados para outrem. Cabe esclarecimento: não se respeita o número do assento. É mais um faz de conta na conta da falta de civilidade.
Estamos na versão moderninha do mais famoso coliseu carioca. Os assentos do lado contrário às cabines onde certas vozes e seus rostos imaginários narravam ilusões sob forma de uma pelada de futebol, ressoam historinhas. Aos poucos, movimento bem estudado mediante uma multidão ao redor, decidem se levantar acompanhando assim a turba que se agita feito um animal de entusiasmos. Gritos, canções com idiotias ultra referenciadas a eles mesmos, tumulto, bandalha.... Não há escapatória. Condenados, resta-lhes somente estar ali e jogar junto. Ao menos fingir que compartilham daquilo que mais se parece com uma ataque histérico, uma catarse, um mal-dito surto desenhado de rotinas . Mal-dito porque se bem-dito fosse talvez os fizessem falar melhor essa canção composta, sobretudo, de surdez e confusão.
O rapaz nesse caso, havia uma moça enamorada com ele, carrega no peito um brasão. Pode-se ver um retrato, lembra uma pintura. Florescendo a fisionomia de um macho brabo; pouco riso e nenhuma leveza. Leveza não é coisa para macho brabo, segundo algumas ceitas. Acompanha-lhe, pintado de tinta escura, umas letrinhas espanholas. A memória passeando pelos fatos e claudica o suficiente para que se registre que não haverá 'recuerdo' do que ali se rezava. Era um homem de barba.Um homem egrégio, célebre. Teve até pedaços de suas andanças eternizadas em filme internacional. Ele e uma motocicleta. E ela, a motocicleta, trafegava pelo continente abaixo da linha do equador, espalhando - além do estampido histriônico que saltava dos seus escapes-, outras ilusões. Não iguais àquelas das peladas e seus casais testemunhas. Nesse caso específico, cordilheiras a testemunhar pretensas 'revoluções'. Palavra tão antiga, revolução. Retorna sempre ao mesmo lugar feito um Leopardo à Visconti. E o planetinha, uma poeria estrelar, com o seu caminhar anual. Seriam todos heróis? Feito de falações, baionetes e quadrinhos? Já dizia Brecht, O Bertold, que uma nação estaria mais empobrecida quanto mais a cata ficasse de heróis. Talvez não dos heróis para valer, podemos crer. Ao pé das letrinhas do alfabeto que se dispõem. Mas pode-se supor que o pensante alemão se reportava a esses heróis fajutos e cujo traço mais destacável é uma incurável falta de noção do próprio sintoma-fantasia. Não se pode ser tão bonzinho, politicamente correto, e pertencer a essa espécie esquisita. Caso contrário, o inconsciente freudiano- que não responde por adjetivações às chamadas de bancas escolares- mas sim por substantivos, não haveria. Trata-se de uma formação estrutural. Aqueles que ousaram e ousam reverter a mediocridade, na qual o destino reserva nossa habitual morada, consistem na produção de um teatro efetivo. Uma prosa brechtiana reluz nas sombras, por exemplo. Galileu Galilei foi um dos seus eleitos. A torre de Pisa é uma formação enebriada por efeitos galileanos. Não tomba e ele há de explicar. Era sua terra natal. E a sua obra e destemor invadiram o nosso mundo para sempre. Seu olhar luneta. Se esse italiano-heroico- acrescido pelo relato-poético brechtiano-, fosse nascido em terras tropicais canarinhas seria posto como malfadado ser por seus patrícios. Xingariam-no de megalomaníaco - sem ao menos prestar a atenção necessária ao termo e seu sentido-, de maluco, pretensioso e outros tantos adjetivos. Ah! Tem aquele outro: arrogante. E se o fulano/fulana der conta daquilo que se arroga? Inquisição nele, oras!
Uh! É um dos ruídos estranhos, uma espécie de êxtase tribal, que a fanfarronice que envolve artistas com a pelota nos pés e os gozadores escópicos - espectadores amalucados- emitem quando um quase gozo se avizinhou. O mais interessante é que a moça enamorada do moço antigo ( uma policial que, assistia a menos nobre das batalhas com um porrete à postos, dizia que a moça- penteado teria lhe dito sobre o seu envolvimento com um elemento secreto, uma formação ainda mais antiga, quase jurássica, proclamada de platônico ser e que contava, de acordo com o borderô que contabiliza a grana que se perdeu no estádio-ex.coliseu, com uns 10 mil anos pelo menos), parecia não estar nem um pouco interessada no que se passava naquele tapete esverdeado. O único interesse que tinha era tirar fotos e masturbar maquininhas de sua propriedade como num gesto de compaixão cinicamente compaixão, na arena moderninha e cheia de novidades também desinteressadas no espetáculo que se desenrola. Quem sabe não apareço na televisão do mundo? - teria pensado alto no meio do caos. Passa novamente o pente fino na cabeleira de um lado a outro, cruzando a área pequena, driblando o desconcertado zagueiro de cintura dura. Se encostar em minha pessoa, nessa área que não tem fim para Pessoas e nesse assento que era de outrem, o pênalti será marcado.
Vive-se ou não numa sociedade espetacular de exibições e elucubrações as mais disparatadas? O livro clássico de Guy Debord - morto em 1994, justamente o ano em que as camisas canarinho ganharam a América ao Norte, A Sociedade do Espetáculo, merece uma re-visita. Faz-se contemporâneo. E não se faz aqui crítica à vocação - obviamente infantil- de todo e qualquer exibicionismo. Escrever em blog para divulgar em facebook, por exemplo. Parece que é assim mesmo. Não assumir a tal postura e cuidar para que haja o mínimo de consistência, inteligibilidade, no que se apresenta é que anda estragando as peladas todas. Talvez porque estejam muito bem trajadas em seus uniformes cibernéticos. Bola com chip, camisa com software, calção à pendrive. Antigamente, ponta-direita. E se dizia Mané. Apelido, Pelé.
A namoradeira está na janela do estádio gigante. Enquanto se penteia mistura de um tudo e mais um pouco. Vai de Kardec- não dorme no escuro porque passa a ver um jogo de assombrações e almas penadas pernas de pau-, passando para Jesus que na sua vez toca para uma constelação de um zodíaco específico que está na suplência. Falta-lhe a posição exata no mapa imaginário para poder adentar o campo de jogo ao lado de uma multidão de trouxas, quer dizer, iludidos feito a gente. Aproveitando-se- barbaramente- das Nanotecnologias , Teoria das cordas, Cosmologia e outras, invoca saber verdadeiro, científico no mundo, em ano bissexto de formações quânticas. Psicanálise e 'linhas terapêuticas' fazem parte do mesmo esquema traçado para se tentar salvar o time do rebaixamento de postura. O que parece quase impossível.
Qual é a sua linha? Alguém bradou para o técnico sonolento. " 464".- respondeu constrangido, o auxiliar. Mas a linha 435 também passa por lá!- animou-se com o portentoso conhecimento adquirido nos seu anos a bordo de um lotação ou 'busu' , segundo outros lotantes. Mutantes?
Feliz, saiu de mãos dadas com outras mãos. Em frente ao estádio, bebeu uma cerveja gelada. Ela, morena, sorvendo com bastante tesão uma loira gelada. Era a única felicidade que se sentia nas imediações do coliseu entristecido. O time de bola murcha perdera e fora eliminado da competição conhecida como 'International Wild Soccer Competition in South America Way'. E que insistem em traduzir ( trair?) por Libertadores. Liberdade onde? Para quem?
Ao menos para aquela senhorita bem penteada que percebeu , depois da terceira ou quarta dose, que as mãos abraçadas às suas não eram as do então namorado do jogo, agora passado. Aquele?Sim! Um outro mesmo e as mãos semelhantes, diferença na textura, e que carregava a imagem santificada de um personagem ainda famoso, retratado orgulhosamente sob seu peito juvenil. Eram surpreendentemente outras e tão suas essas mãos entrelaçadas, a partir de agora. Pois o que importa é participar, ficar. Estar presente. Dar na pinta. Pouco importa o porquê, o para quê ou sobre o quê. Uma nova forma, pinceladas de velhices ( ninguém escapa da carcaça) de viver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário