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quinta-feira, 11 de julho de 2013

A vidente ( Mãe Valéria traz o amor de volta) e o aristocrata ninguém.

Mãe Valéria é o nome dado a uma suposta senhora que adivinha , prevê fatos futuros. Mãe Valéria não sabe que o futuro é uma espécie de  presente postergado. Aliás, viu-se o rosto de Mãe Valéria, uma entidade que pode ser nome artístico para crenças e seus orixás , e ele era belo. O fato é que Mãe Valéria há e por muitas esquinas do Rio de Janeiro seus acólitos se encarregam da distribuição de farto material século XX -aqueles papeizinhos meio sujos, desbotados, cor de nada- para todos os transeuntes existentes e necessitados de algum préstimo, normalmente algum milagre de cepa amorosa. Pois um ponto forte da magia valeriana é trazer de volta o amor perdido em poucos dias, uma semana no máximo. Apesar do material propagandístico ser de quinta categoria, Valéria, A Mãe, tem a pressa das conexões cibernéticas. Seus discípulos mais otimistas ou adeptos radicais de um certo ufanismo, cercado de mistérios, tratam-na como um ser ultra pragmático.
Essas criaturas devotas passam horas a fio debaixo de trovoadas, picaretagens ou calor de estufa, a servir e serem servidos pelos poderes paranormais da senhora ( que também pode ser senhor. Dependendo da crença) . Eles acreditam, eles se alienam intensamente. Costumam se apelidar de fanáticos. E esse fanatismo pode não ser específico das adivinhações de fundo amoroso-odioso no sentido dos romances que envolvem casais independente do sexo próprio. Ele se junta a qualquer outro conteúdo, qualquer outra formação. Pode ser encontrado na política, nas religiões, nas instituições psicanalíticas, nos grupos musicais, teatrais ( sobretudo no teatro burguês e seus reis), nos embates esportivos, na famigerada família...E por aí nos perdemos.
O mais interessante é que os fanáticos creem que as Mães Valérias têm o poder. Na verdade, somente elas o possuem. Eles que ali apostaram suas fichas, suas crenças, suas expectativas, seus corpos à chuva e ao sol e ao ridículo, mas ainda à sua alienação paralisante, nada tem a ver com o jogo. Seus poderes não contam. Pior: pensam que não existem. Uma alienação mais confortável.
Desde o início que para nós, crianças humanas, repleta de limitações e impotências, as divindades com suas magias e farsas ( posteriormente denominadas de ciências e suas penicilinas tão boas ou a suas lobotomias más) instalam-se feito hardware no cérebro dos pequenos. O duplo salvação/salvador constitui uma das mais duras,  até porque alucinada, e maléficas formações que invadem a mente infantil via cultura psicotizante. A brincadeira de fazer de conta- em não se esquecer que a vida não transcende a ela mesma- torna-se fato bruto feito pedra dura que não se comporta. No máximo, um furo feito por água que não descansa. Logo, as pedras e as águas também têm os seus poderes.
A alienação infantil é trajetória necessária, indelével. Elas não possuem outra chance de saída. Está inscrito no seu etograma. Portanto, nascemos escravos. Millôr Fernandes já dizia que o tal homem nascia original e morria um plágio.  O que muitas vezes parece rebeldia - e a sociedade nos mostra nesses tempos de caminhadas que pode ser até possível - desloca-se tão somente para uma outra forma de servidão. Uma outra alienação. Daí que o macaco original pode ser mais ....original. Millorianamente falando.
E quem disse isso foi Millôr. Foi um alguém que produziu de verdade.Isolou-se e estava sempre por perto a dez mil anos pra frente. Não era nenhum anacoreta ou anti-social , e sim alguém que sacou que isso aqui é só isso aqui e é melhor a gente se apressar pois pode não haver mais tempo. Duro, não? Duríssimo e levíssimo. Millôr foi também um dos melhores cômicos que já houve por esses nossos cantos.Por isso também os poderes que serão apossados ou não para não se  fingir que a base, o chão, desse lado deveras inadimplente nada tem a ver com o palácio e suas torres magnânimas que nos apedrejaram de volta há pouco. Aliás, qual foi o palácio que não apedreja e acaricia de volta? Molière, trezentos e trinta anos de sua morte agora, frequentou diversos. E como produziu....E tinha humor à vera. Quase à guilhotina. Caso contrário, como suportar a sua hipocondria? E aqueles reis meio fedidos, sujos feito o papelzinho da bruxa contemporânea? Cada alguém tem a bruxinha que merece. Contemplemos aquela lambisgoia de passarela meio sem bunda ( seria um sobrenome de família?)  a desfilar?! E ela festeja trinta e três e não trezentos e trinta!! Molière está mais jovial.
Teria sido jogada de volta aquela pedra furada pelo pingo de água - que já afogara um poeta- feito objeto amoroso que a vidente para sonâmbulos promete também devolver, em uma semana? Trezentos e trinta anos é tempo demasiado até mesmo para as pedras. Há de se dar razão - e quem não a tem- aos alienados fanáticos que a adjetivaram de pragmática. John Dewey, aquele estadunidense tão genialmente pragmático, William James, um dos precursores da Psicologia,  poderão até perdoar. Quem jamais não apelou para "bruxices" e outras crendices na vã tentativa (pragmaticamente?) de gozar definitivamente com o duplo salvador/salvação?
Naquele palácio apedrejado/apedrejador sobrou o espelho - ainda que côncavo/convexo- a refletir  a turba nossa de cada dia. É que disseram certa vez a um rei, enamorado que estava de uma Mãe Valéria daquelas bandas mais orientais, que o espelho que retratava a corte em êxtase, visto que o pintor cansara das tantas  pinceladas, refletia uma arte definitivamente ocidental. O pintor limitou-se a descerrar o pano que encobria o imenso espelho e a turba, fingindo-se aristocrática, espelhava de euforia .
Dizem até que não houve quem se recusasse ( podem até ser os ufanistas meio juvenis de várias idades, aqueles do início, sabe-se lá?), a proclamar otimismos naquele palácio. Palácio esse  mais oriental ou até  mesmo de um planalto central? Ou ainda, o palácio de um Tiradentes inconfidente? O fato é que não houve quem  não deixasse de reconhecer no sorriso desbotado, mesmo que aristocraticamente extasiado, um ninguém no meio da multidão. E como fazia barulho!! Apesar do silêncio.

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