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terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A folha em branco

Escrever é uma árdua tarefa. Exige disciplina; o que contraria a habitual falta de educação.
Na última exposição que fizeram sobre alguns escritos e vídeos e depoimentos de Clarice Lispector, ela relatava sobre a famosa angústia do papel em branco. Tinha que escrever para sobreviver...o que não era bem verdade, pois a escrita é que sobrevivia brilhantemente nela. Ao mesmo tempo essa obrigatoriedade é que conduz ou é conduzida à tal disciplina. É como malhar. Tem que se ter uma frequência.Senão, a flacidez - que é até bonitinha em algumas espécies- dá Há-Deus.
Alguns notáveis dessa arte admoestam que ao menos uma frase há de ser dita-escrita por dia.Houve época em que portava uma espécie de guardanapo , nos bolsos das roupas que circulavam pelo mundinho._' Mas porque um guardanapo e não um papel comum.?'- Indagara um curioso não praticante. " Por que é mais romântico!"- disse-lhe eu sem ao menos saber o que estava respondendo.
Parece piada , mas o guardanapo fez falta em diversas situações.
E os sonhos? Deveríamos anotá-los também. Aquela maravilha de confusão, aquela riqueza onírica toda que o velho Freud teve tanta lucidez em desvelar ao afirmar que eles já estavam revelados nos relatos de cada um.
Os dois volumes da Interpretação dos Sonhos são duas das maiores obras científicas e literárias de todos os tempos.Além de ser um texto acessível a qualquer um....que ,obviamente, sonhe e acorde para continuar sonhando.Freud recebeu por ela- não somente por ela, mas é dela que estamos falando agora-, o prêmio Goethe de literatura.
O velho foi um herói. Diante de tantas tragédias, ou seja, das formações irreversíveis, não sucumbiu e teve postura exemplar. Postura psicanalítica, é claro. Logo, postura daquele que sabe articular, fazer articulações, ou seja, um artista.
Algo extremamente difícil. Um exercício permanente, assim como a escrita.
Na Microfísica do Poder - livro conhecido e adorável de Foucault- a escrita está condenada a um segundo plano ,no que diz respeito ao seu futuro enquanto potência persuasiva. Outras artes advirão. Estão todas aí a serviço da tecnologia. Sempre estiveram por aí com os seus textos específicos: a dança, a música, as artes plásticas, o cinema tão potente...quando bem escrito.
Talvez o mestre Foucault estivesse se reportando ao fato de que as grandes obras literárias estão cada vez mais escassas ou desapareceram de vez. Assim como na música erudita.
O virtuoso pianista Vladimir Horowits ( é assim mesmo que se escreve o sobrenome daquele gênio?) chegou a pegar um concerto de Beethoven ( Acho que foi de Beethoven ) que estava inacabado - teria sido a sinfonia inacabada?-, e se intrometeu naquilo. Escreveu lá: " Beethoven e Vladimir". Quase foi linchado.
É normal....Noutro dia , o sábio perguntou: 'aonde será que andam os poetas de hoje'. O outro sabiamente respondeu: ' Talvez sejam os hackers!'
Esses passeiam pelos nossos computadores. Invadem nossos corpos quando eles sonham, dormindo ou não. Bagunçam as nossas vidas e também as dos inimigos. Puxam literalmente os nossos tapetes que tampouco são tapetes e tampouco estão lá.São inconformados. A língua os limita. Ele, poeta, a atravessa.
A folha em branco agora é como cão sem dono.Oscila pra lá , pra cá, acolá, vai, vem.......revira.

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