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terça-feira, 28 de abril de 2015

Lullaby- canção de ninar? Novas tecnologias. Recordações.

Lullaby não é a despedida de algum político importante. Lullaby é uma composição de Brahms, aquele músico alemão- século 19-, e que dentre outras coisas frequentava a casa da família do filósofo e aventureiro, Wittgenstein. Eram contemporâneos. Wittgenstein nascia e uma década depois, Brahms morria. A família vienense do filósofo tinha um ótimo hábito que era  financiar projetos artísticos. A mansão da família era local para os encontros de músicos, diretores teatrais. Ravel compôs o concerto para mão esquerda, dedicando-o a um dos irmãos do pupilo de outro grande do pensamento ocidental , Bertrand Russerl, e que perdera a mão direita durante a primeira guerra mundial. Antes de se consagrar, o compositor alemão perambulou um bocado- o tempo considerado difere da nossa realidade contemporânea, já que um homem de trinta anos, à essa época, era considerado um senhor- , até ser acolhido por Clara e Robert Schumann ( Robert um compositor notável e sua esposa uma pianista, uma musicista muito talentosa), na residência do casal.
Tesões em comum podem ter suscitado admiração que, segundo certa alcova alemã e vienense, ultrapassava formalidades musicais entre Clara e Brahms. Ou ainda o ciúme doentio- uma parana exagerada e mal articulada-, de Robert,e que já apresentava sintomas de doença mental. Considerada por estudiosos de sua vida e obra como um quadro psicótico maníaco depressivo. Morreu internado numa daquelas clínicas pavorosas, daquele período. Não muito diferente de hoje. Se relembrarmos o livro 'História da Loucura', Michel Foucault, teremos a noção exata do modo como eram tratados os chamados loucos. A morte de Schumann é tratada como trágica. E qual seria a morte que não se configuraria enquanto tal? Existem desaparecimentos espetaculares, acidentes raros, assassinatos e coisa e tal , mas todo desaparecimento é da ordem de uma trágédia no sentido da impossibilidade radical de se reverter uma situação ou fato. Não tem volta. Ao insistir com esse teclar de letrinhas, por exemplo, não posso passar a borracha no fato de ter iniciado esse teclar de letrinhas. Posso passar a borracha no conteúdo, nas letrinhas, mas não no fato já iniciado. É mais ou menos o que Édipo- aquele Hamlet grego, filho de Sófocles, em Colona- veio relembrar: uma vez nascido, um tanto ferrado estarás. Condenado a existir e não poderá desistir existindo. Desejo mais ambicioso no qual se assenta nossa especificidade de gente. Por isso não adianta conclamar ambições ao dizer " Seja ambicioso. Deseje o impossível'. Não é preciso apelar para redundâncias. É uma questão de reconhecer, saber, manejar. Portanto, lamenta-se mas não haverá presença nessa desistência. Apesar disso, cada um tem a ficção que pode e se faz merecedor.Sempre teremos algo disponível para nos salvar um pouquinho. Fé não necessita de conteúdo ou letrinhas. Fé é o ato posto. A crença por sua vez só faz elocubrar. Ela não existe sem conteúdos. A outra se põe enquanto movimento.
Lullaby se virou numa canção de ninar. Segundo recordações, minha mãe me incorporou- prefiro o termo adoção- desde então. Toda criança é adotada. E a canção era tocada por ela mesma no piano de casa. Piano familiar. Daqueles que aparecem na herança deixada pelo morto. 'E o piano com cauda avariada irá para o fulano ou sicrana'- avisa o locutor para inventários. O morto/a não faz ideia da confusão que armou. Mesmo sem saber tocar ou fritar um bife ( no piano é aquele início do início dos estudos do instrumento rei e insuportável para quem escuta), a turma goza por sofrer de rejeições e não perdoa quem fez a doação. Assunto para gerações futuras. Melhor dizer: fofoca.
Garanto-lhes que nenhum daqueles petiscos ou aromas proustianos ( o escritor francês que era afetado radicalmente em suas lembranças, através dos cheiros, gostos, produzindo aquela obra enorme) foram ingeridos para evocar canções, sobretudo, aquele sorriso que se debruçava sobre meu rosto e que me faz tanta falta.
Lullaby continua a fazer barulho. As novas tecnologias produzem esses efeitos. Trazem umas coisas de tão longe para bem perto, afastando outras que estão mais ao lado. Seriam compensações? O que afasta ou aproxima é a intenção de quem tecla, de quem se aconchega ou não. Onde começa e termina esse ruído todo? É essa distância que se apaga cada vez mais. Nosso vizinho mais próximo - a quem você poderá pedir emprestado um pouco de coisas sem glúten, sem lactose e com o forte tendência a ser atendido- , reside na Sibéria ou na Guiné Equatorial. Mas aquele sorriso afetuoso com sonoplastia de um outro mundo só existe nessas lembranças. E ainda bem.

2 comentários:

andrea dutra disse...

que lindo! janetinha adoraria!

carluchodantas disse...

Saudades. Era bom. Bjs.