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domingo, 27 de setembro de 2009

A boemia

A boemia não combina com a lei seca.
A lei seca é um mal necessário. Vivíamos , e ainda vivemos, uma guerra no trânsito. Nossa falta de educação nos levou a isso. Duas taças de vinho e um pouquinho de Própolis com álcool para aliviar a garganta e pronto: estamos bêbados. E eu não sabia...
Passei quase vinte anos na boemia dirigindo as minhas pernas mecânicas ,de variadas cilindradas,diferentes cores,modelos. Tive problemas, sobretudo com maus policiais atrás de uma grana extra,mas nada muito sério.
Envolvi-me uma vez numa briga de trânsito na madrugada com um sujeito que avançara o sinal e fez com que eu e o carro que vinha atrás tivéssemos que subir na calçada a fim de evitar o pior. O desentendimento nos levou à delegacia. O irresponsável com o nariz sangrando e eu com um olho roxo.Boçalidades também acompanham boêmios.
Fui sócio de quase todas as casas noturnas ,familiares é claro, do Rio. Tínhamos hábitos para lá de saudáveis e chegamos a batizar uma das nossas madrugadas de quinta sem lei.Lei seca, é claro!
Tempos em que a Lapa era Lapa. Em que Baixo Leblon era Baixo Leblon e não Lapa. Diagonal era Diagonal e o barril de chopp do Jobi o meu banquinho predileto.No Real Astória,chamado de RÁ pelos frequentadores, vi estrelas do Rock in Rio I desfilarem, e nenhum fotógrafo inconveniente por perto. Não eram celebridades e sim gente interessante, talentosa.
O Clipper atraía as jovens mais belas do Leblon,numa das suas esquinas mais charmosas, e era lá, a cada Copa do Mundo , que conversávamos sobre algo que está sumindo na Cidade: futebol de qualidade.Bebíamos chopp em copos de vidro e nunca vi uma confusão para valer. Daquelas que valem à pena serem chamadas de confusão.
Na primeira metade dos anos noventa o ambiente mudou...para pior.
É curioso. O avanço tecnológico que nos ajuda tanto veio acompanhado de uma guerra sem fim.Uma hostilidade boçal. Uma exclusão progressiva e propagada.O Rio faliu na segunda metade dos anos 80 e vai se reerguendo economicamente agora,mas os tempos de Glória ficaram para trás.Até o Hotel Glória fechou!!Mas vai reabrir....O Glamour morreu e sandália Havaiana virou traje a rigor. Insisto: a perda da condição de capital política e cultural do país nos custou a existência. Décadas de péssimas administrações contribuíram decisivamente para isso.
Recentemente, encontrei em evento festivo um rapaz que olhava para o mundo , o mundo dele naquele momento era eu, modéstia alguma, e se perguntava , entre um gole e outro, como foi possível sobrevivermos a tudo o que vivemos? E o tal fulano nem me conhecia...Respondi-lhe secamente: uma dose boa de Whisky com sorte.
Sorte e também o fato de que a cidade era menos enlouquecida,menos violenta.Circulávamos noite a dentro e funcionávamos a contento.Daqui a pouco, logo mais, haverá toque de recolher oficial,visto que toque de recolher oficioso já é realizado pela turma.Pé sujo ficou limpinho com cara de Mac Donalds.É tudo igual.Aonde foi parar a nossa singularidade?
O texto parece saudosista e é.Parece chato e é também.Porém, a boemia está ficando mais chata com a nossa burrice, com a nossa caretice, com a nossa descortesia. Na boemia de hoje há pouca poesia e os "boêmios" ficantes estão transformando taxistas em babás,"super nannys".
A tal da lei seca( repito: mal necessário), é um chopp pra lá de mal tirado.

Um comentário:

Anônimo disse...

querido, sei não... mas ficar em pé a noite toda bebendo no Clipper ainda é uma delicia pra quem tem 20anos, nossa culpa foi envelhecer. O Rio de Janeiro morreu e esqueceu de deitar... Mais uma vez a culpa é nossa, que temos memória... e nem podemos mais beber pra esquecer! ai, ai...