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quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

ATÉ BREVE , PAUL. IMPRESSÕES DO IMPRESSIONISTA.

Émile Zola tomou uma frase emprestada de seu amigo de juventude, Paul Cézanne. Colocou essa sentença num dos seus mais famosos romances, 'A OBRA', e sentou a paulada no chamado movimento impressionista nas artes plásticas.
Sanguessuga foi o quadro que nem Cézanne, nem Renoir , Monet ou Degas - amigos e alguns dos principais inventores desse estilo-  jamais pintaram. Teria sido a oportunidade para oferecê-la em desagravo à tentativa de destruição. Quem sabe o escritor não havia intuído que aquilo poderia se tornar algo mais importante do que a sua 'Obra'?
Émile já estava consagrado e desprezava os seus outros amigos ou intelectuais que ainda não tivessem obtido sucesso. Leia-se: faturado uma grana, obtido prestígio junto à realeza  e outras formas de poder. Ingrato. Edouard Manet - um outro egrégio da turma- pintou-lhe e aquilo roda o mundo. 
A provocação, entretanto, suscitou naqueles que foram muito esculhambados pelo escrito de Zola uma reação profícua. Ao invés da desistência, prosseguiram e mudaram as coisas nesse modo de ver. Paul Cézanne sobretudo.
 Naquela famosa frase em que se diz que quem não veio ao mundo para incomodar seria melhor que não tivesse vindo, o pincel varreu a região da Provence centenas de vezes. Quando Ambroise Vollard -que se tornou marchand de Paul e de outros - decidiu procurar aquela versão século XIX de anacoreta , sabia que ali estava um olhar transformador. Portanto, um certo mal estar de rebeldias não faz malcriação. Ele incomoda porque se rebela. Mas se rebela com estilo próprio, sutilezas, riquezas, criatividade e até - nos casos mais relevantes- criação de uma estilística nova. Fadiga em relação à mesmice. Picasso ficou abismado com uma pequena escultura de um busto de escravo africano , nas mãos de um Matisse rival. Ali, teve início o seu cubismo transformador. Mesmo que não tenha sido a sua fase mais admirada. Para mim, por exemplo.
Somos uma espécie viciada. Adoramos hábitos que triunfaram. Fazer cocô, xixi. Beber água senão o rim apodrece. Ingerir carboidratos, glicose e proteínas para o boneco não perecer. Do ponto de vista de outras articulações, gostamos de manter certa rotina burocrática, cultural. A cor tal para menininhas e a outra para os menininhos. Imagine se isso cabe na mente de um desses caras citados anteriormente? Esse baile de cores disponíveis ou um ponto de luz na escuridão ( diria um Goethe diante do chamado vermelho) limitado à cegueira voluntária de um aspecto cultural esclerosado.
Aquilo já caducou, mas mantemos. Medo do desconhecido? Conversa fiada. Impossível temer o que não se conhece. Uma ex-mulher, por exemplo, não teme o que não conheceu, durante anos, ( Isso é século passado, pois hoje os casamentos duram até a troca dos presentes nas melhores lojas do ramo, após a festinha)  no ex-marido. Sabe muito bem do que se trata. Ao menos deveria, caso contrário, surgirá o personagem todo engravatado e com aquele terno cinematográfico, carregando seu judicialismo pincelado de juízos valorados pela convenção cultural que a estabeleceu. Ou seja: borrou a tela. E o personagem mediando as transas, as negociações, os conflitos, aos quais nos recusamos  pegá-los  pelas rédeas pertinentes a cada situação e com mãos próprias.  O genérico é inimigo das singularidades, das idiossincrasias. Genérico é neo-etologia. " Bom dia, Dr. Cachorro? Como vai a Senhora sua mãe, a Dona Cachorra?"
O excesso de judicialismo que nos submetemos é a comprovação da doença mental que assola a contemporaneidade. O mínimo de verdades que não se suporta- diria uma mente nietzschiana que sempre insiste em retornar porque não há outra saída-.
Onde? Como? O quê? Esse EU que, é tanta coisa e nada além, mente? Aqui e agora? Ficção? Realismo?
Ficamos à beira da estrada coberta por um vendaval de nome Mistral. Vem dos Alpes Suíços. Pontual, furioso e pode dar pinceladas por até 12 dias e atingir os 120 km/h.Temperatura descendo à menos 15 graus centígrados. As lavandas fugiram, esconderam-se dos nossos cavaletes à postos. " Não, senhor. Escafederam-se foi desse vento infernal'- disse aquela senhora que caminhava solitária pela encosta pintada de terracota, em Gordes, Provence. E ela gritou alto na nossa direção, enquanto agarrava sua sacola com as mãos: ' 'Il  ya a  pas de touristique ici, pendant l'hiver, monsieur' ( Não há turista por aqui no inverno, senhor!). Pobre senhora com calafrios! Ela ignorava que aventureiros-brasileiros-farofeiros formam uma tríade quase inacreditável. Surrealismo?
O hospício que foi habitado por Van Gogh , por último, em Les Baux, foi visitado. Mas Aix en Provence - um algoritmo que movimenta impressões- e pátria de Cézanne, escapou do olhar. Fica para uma outra, Paul. À bientôt.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Assis e um Brasil; José. Um terceiro moldado de barro.

Assis Brasil foi diplomata e pensador político brasileiro. Nascido no sul, foi ministro do conterrâneo, Getúlio Vargas. Perdeu a única filha, atingida por um raio. Quatro anos depois, morreria de tristeza. Utilizando um termo bem apropriado para época, o político nascido no século XIX, 'morreu de desgosto'.
O Brasil recebe a descarga de 50 milhões de raios por ano. Somos recordistas na arte de eletrocutar pessoas ou rebanhos e também provocar inúmeros danos materiais. Nos últimos 20 anos, morreram mais brasileiros vitimados por essa demasiada excitação no interior das nuvens do que as que morreram por causa dos deslizamentos de terra ou enxurradas.
Assis Brasil escrevia bem. Tinha um texto apurado. Pensava a política enquanto ferramenta para mediações diplomáticas na destribuição dos poderes. Sem nunca se esquecer das benesses sociais. Para ele, o Estado deve servir a sociedade e não o contrário. Infelizmente, o que se observa é a prática patrimonialista e patriarcalista viciadas.
O homem que carregava o país em nome próprio pode ao menos se despedir, sepultar, reconhecer de fato e direito a dolorosa perda da filha.
No caso das enxurradas no Estado do Rio, em Janeiro de 2011, mais de duzentas criaturas e os seus próximos não puderam fazer o mesmo. Sumiram. Levadas pela água, pelo barro, pela lama, desapareceram. Não é tão simples. Existiram e sumiram de fato e direito. De direito, contudo, ainda permanecem.
Essa prática mórbida data de períodos arbitrários onde o próprio Estado exercia papel de fuzilaria e massacre das oposições, de certas diferenças. Independente de ideologias. Se corrermos com a história no mundo, encontraremos essas praticagem em ambas as extremidades. Tanto à direita quanto à esquerda.
Um outro personagem, Armando Nogueira, jornalista esportivo, botafoguense, e que sabia escrever tão bem numa época em que o futebol podia inspirar belos textos, nasceu no Acre e se mudou para o Rio. Aqui despontou. Venceu a vida. Notabilizou-se. O que é bem mais relevante do que a vulgaridade da fama.
Numa manhã- mas poderia também ser à noite- avisaram-no que ele fora declarado morto, lá na sua longínqua terra. Decidiu averiguar. Avião tomado, rumou, Vivinho de Nogueira, para se declarar como tal. Parece que não conseguiu. Diante do funcionário estatal- burocrático reificado feito estátua- apresentou-se. Mostrou documentos com foto colorida e até em preto e branco ( homenagem ao clube esportivo de sua adoração). Carregou uma testemunha. Nada. O cidadão insistia em lhe dizer: ' O senhor está morto'. Causa mortis: acidente aéreo. Armando imitava passarinhos. Era também aviador.
Por mais que pareça espantoso, a fidelidade ao enunciado primeiro, ou seja, o documento inicial que por alguma tentativa de linchamento ( sabemos que a inveja é uma merda, mas o ressentimento pode ser merda maior) poderia decidir sobre a morte de um insistente ser vivo, era extraordinariamente delirante. Vejamos que práticas fundamentalistas são bem mais antigas e com diversas nuances, credos e ofícios.
José da Silva Matarazzo Gates de Alcântara III era um homem. Logo, pode ser mais um personagem. Diante desse fato, ao menos. nenhum outro escrivão causou maiores estragos. Esse outro nasceu num bom lugar, numa hora errada. Surgiu na região das montanhas do Estado Fluminense que só sabe celebrar o Oceano. E por isso se tornara um terceiro qualquer. Na linhagem de alguns Pedros, da cidade vizinha. Seu pai não o queria. Sua mamãe, Teresa, o adorava. Contrariado, o pai fugiu com a melhor das piores amigas da mãe de José III. Abandonou aquela senhorita e outras cinco crianças na sua cidade, uma Teresa-Pólis. Reproduzem assim mesmo: aos montes. Até mesmo um Papa confessou para milhões que pareciam coelhinhos...de Páscoa.
Crescido, Matarazzo José Gates caiu do mundo. Destemido, dispensou mediações para poder caminhar com pernas tão suas. Foi criticado. Chamaram-no de arrogante. Como ousa dispensar mediações numa terra que só se dedica a essa prática? Na política profissional recebe o nome de pistolão. Mandou às favas aquele ritual dominical e também os festejos que encerram mais uma voltinha do planeta na cinturinha de uma estrela que cospe fogo e da sua própria. Transações. Não quis filhos. Pensou que poderia amaldiçoá-los com a sua singular maldição. Além do que, adorava as mulheres e seu corpo original de fábrica. Decidiu ser ninguém. E a lama odienta varrendo, limpando....E aquela chuvarada? Pegou-lhe de frente, de lado, rabo de arraia. Um cachorro foi visto se afogando. Sua dona escapou, pois coleira estava frouxa. Houve gente que torceu mais pelo cachorro do que pela mulher. Eram mulheres, na maioria.
Parece então que esse Silva enrustido virou, sobretudo ou finalmente, ninguém. Esculpido e eternizado pelo barro. Escombros. Será que Caminhas de mãos dadas, seresta a cantarolar supostas arrogâncias, agora, de Marianas?

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Arteiros/Artistas

'Passei alguns anos tentando pintar como Rafael, mas a vida toda tentando pintar como uma criança'. ( Pablo Picasso)
Influenciado pelo pós-impressionista, Cézanne; pela obra do grande amigo, Braque; pelo infantilismo de um então pintor desconhecido, Henry Rousseau; e finalmente pela rivalidade profícua que alimentava com Matisse, surgiu Picasso e suas mil e uma possibilidades. Através do amódio por Matisse, ele inicia sua trajetória em direção ao cubismo.
Matisse lhe escondia o que fazia. Numa tarde parisiense - terra escolhida pelo espanhol furioso- na casa da amiga de ambos, Gertrude Stein, o francês lhe esconde por entre suas próprias mãos, a pequena escultura de um busto que retratava as feições de um homem africano. Picasso quase que lhe arranca das mãos a pequena peça, pois Matisse se recusava a lhe mostrar, e começa a contemplá-la. Epifania? Essa peça lhe muda o rumo. De uma quase certeza, inerte segundo ele, passa a se guiar por sensações, descobertas, incertezas e inconformismos.
Inconformado com as formas tão previsíveis, simétricas,  passa a decompô-las, fragmentá-las. Ao invés do bidimensional tão reconfortante, inclui diversas outras formas, infinitas possibilidades, mais dimensões. Atravessou praticamente todos os períodos da chamada artes plásticas. Não foi à toa que cutucou o brio de colegas como Modigliani, o próprio Matisse, e um Marcel Duchamp que lhe botou na frente e por trás um penico. As articulações que daquele penico emergissem - nossas considerações, certos olhares- comprovariam que era de obra de arte se tratava. Essa conversa vai longe...Há mais ou menos 5 anos, escapando da festa pagã movida por bebuns e colombinas e seus grossos gogós, estivemos em São Paulo para uma suposta exposição num novo centro cultural, antiga sede do Detran da capital do estado. Saíram os automóveis e suas multas e entraram pinturas e esculturas. Infelizmente, não avisaram aos mantenedores e patrocinadores do local que as obras expostas eram bem mais importantes do que uma presença opressiva de uma centena de seguranças para quase nenhuma testemunha. Muitas obras não estavam disponíveis para serem vistas pelo público. Uma produção burocrática confundiu as cores, texturas. Mas havia ao menos uma que se destacava: uma escultura enorme, toda de bronze, enorme, e que repousava na entrada prinicipal. Marília Martins se fazia presente. Sempre mandou às favas qualquer tentativa de institucionalizar qualquer protocolo que não combinasse com tal ato opressivo. Logo, ela, Marília. Embaixatriz brasileira e também ex- amante de Marcel Duchamp.
Quando se está numa exposição é preciso que se tenha alguma informação mínima sobre a trajetória daquele ou daquela artista. Caso contrário, simplesmente, não se conseguirá entender nada e algo como ' eu faria melhor' ou 'esse fulano é muito doido' continuarão a ressoar nas exibições mundo afora. 
Um Eduardo Sued, nosso conterrâneo e que entra para o time dos nonagenários, por exemplo, tem um processo de abstração figurativa, geométrica, e minimalismos na sua obra e que são de uma sofisticação impressionantes. Numa das últimas mostras suas, no CCBB-Rio, todas aquelas telas enormes, vermelhas e retangulares em sua maioria, eram únicas e traziam um vermelho de cada. Para quem pode ver melhor, existiam outras cores presentes. Talvez várias delas.
Cézanne ou seu conterrâneo, René Magritte, são exemplos de pinturas que -segundo seus estudiosos- você só poderá contemplá-los com um olhar atravessado, melhor dizendo; aquele olhar que atravesse o quadro. Mesmo as inúmeras telas que o mestre de Aix-en-Provence fez de uma mesma série de montanhas e planícies da sua terra provençal possuem singularidades. Não se trata- equívoco tão comum- de perfeccionismo, e sim, que eles descobrem mais e mais formações a cada nova perspectiva. A cada nova pincelada.
Toda neura começa na infância. Isso é mais do que sabido. Porém, parece possível mesclar todas as cores em suas diferentes gerações. Deslocar, portanto, sintomas que borram nossa arte. Seria também isso poder, finalmente, pintar feito criança?