Armando Rodolfo estava no teatro pela primeira vez. Acompanhado de sua mãe que o tinha convidado para prestigiar a irmã que, por sua vez, exibia virtuosidades juntamente com a sua turma de sapateado. O cenário: um grande teatro em área nobre da cidade. E com a platéia alvoroçada.
'Tap Dance'- garoto. Irmã mais velha adora esse tipo de provocação. No século passado, o clã das irmãs utilizava o pejorativo 'pirralho' a fim de encerrar qualquer argumentação. Um nocaute. Portanto, 'pirralho' e 'garoto' são algumas das armas quase letais nessa batalha familiar intensificada no fim do ano com seus festejos desgastados, previsíveis. Por exemplo: um ano termina e um outro parece que tem que começar. Para quê tanto imperativo? Algo tão opressivo. Junte-se a isso um calor tórrido e pouco civilizado pelos lados mais rebaixados do Equador imaginário.
O garoto estava impossível. Mudou de lugar algumas dezenas de vezes e agindo assim supunha iniciar um balé sedutor na direção de sua mãe. Estaria suicida, o pequeno Armando? Ataques de ciúmes por causa do olhar amoroso, materno, desviado para sua irmã? Sim, pois sua mãe procurava- quase à beira de um ataque à Almodóvar-, e mesmo com as luzes apagadas e o espetáculo a começar, pelos teclados do abominável celular. Essa jovem senhora não respeitava as recomendações de manter o tenebroso telefone século 21 fora de cena. Imaginem!- teria olhado em voz alta e plena.- Se vou deixar de registrar esse momento inédito, único, da minha exibição (ôps), quero dizer: da performance da minha única e mais querida filha! Armando Rodolfo não gostou. Ela, ao perceber seu desapontamento, explica-lhe que colocara tudo no feminino. Portanto, a loucura estava bem posta. Utilizou o gênero mais apropriado.
Visto isso, O pirralho ( ôps), o garoto, aceita o armistício. Sabe que a mãe - bem maior e robusta do que ele- não está para firulas. Assustador, contudo, para os seus olhos de fantasia, pois a mãe leva tudo muito a sério. Ela crê fundamentalmente. Então, remexe os quadris, dança, goza frenética. Felizmente, poupara os saltos do sapato, tamanho 20cms, que tentavam acompanhar o ritmo dos 'tap dancers', enquanto ajustava a câmera do monstro portátil que, muito raramente, serve também para se dizer um singelo 'alô'.
Quando consegue ajustar a posição adequada para o tiro, seu filho a faz, outra vez, perder a compostura. Ele reconhecera o poder maior do outro, mas não se conformava. O que comprova sinal de inteligência. Não ia desafiá-la sem medir algumas consequências. Temerário, imprudente, ele pula, fingindo entusiasmo verdadeiro, para uma outra poltrona, e cuja distância para tal proeza exigia perícia. Porém, o movimento foi tão brusco que a fileira inteira parecia fazer uma onda. Daquelas que torcedores nos estádios de futebol fazem. Fingindo, tão bem, felicidades.
De repente, a compostura materna adentra com o pedido de falência, e a partir daí, o filho da mãe começa a gritar por um nome. Quase uma prece. Parece que era Marina, o dito nome de menina. O público, por sua vez, espanta-se. Alvoroçados desde o início, viravam as cabeças na direção do menino e quase o fuzilam munidos de batons, leques, celulares e outros quitutes.
' Estás louco?- pergunta um semideus assombrado que passara por aquele palco, décadas atrás. 'Decidir por provocar a cólera dessas senhoras? Mães e até as avós dessas meninas que dançam com as suas próprias pernas, num noite de estréia? Festa de estrelas? Continuas com tanto talento para o suicídio?'- prosseguiu o fantasma antes de sumir na coxia.'
O menino silenciou. Evocou um adágio, depois um noturno, mas vislumbrou mesmo a marcha fúnebre no horizonte de três poltronas à direita. Não ousava, ele mesmo, virar a cabeça para o lado. E se um torcicolo o tomasse de jeito e ficasse congelado como nas brincadeiras de outrora: 'estátua'! Aquela senhora o mataria ali mesmo. De um modo ou de um outro modo, ela o faria. E alegaria legítima defesa da sua honra. Crime doloso. Não há nenhum porquê para não assumir tal ato. Afinal, quem mandou cutucar certas loucuras milenares?
Permaneceu quieto, imóvel. Estaria vivo? Ah! Ainda respira. É possível ver uma lágrima se destacar na multidão. A lágrima sobe e desce. Muda de figurino. Metamorfoseada de riso, ela aplaude o derradeiro ato daquela dança. As abomináveis máquinas de tirar fotografias - dessas que fizeram ninho nos telefones onipresentes- disparam seus ataques de luzes e flashes.
Dizem que se passaram minutos. Pura ficção de algum contador dos tempos. Mas o que se sabe é que Armando Rodolfo exaltou como nunca todo o ciúme, a inveja, certo horror com amor, ressentimento, na direção da irmã Marina que, a essa altura, estava embevecida pelos tantos aplausos e gritinhos que a audiência lhes dirigia.
Foi então que o garoto DDA, DDT, Hiper-Polar ( síndrome de urso), Maníaco Depressivo, Hiperativo, ou seja, Contemporâneo, decidiu agir feito um homem precoce: virou lentamente a sua cabeça para o lado direito daquela fileira de poltronas que, massacradas pelos seus pulos, respiravam ofegantes. Uma eternidade esse vira-vira. E o mais espantoso foi o que presenciou.
Caída no chão, celular agarrado às mãos ( feito uma reza) estava sua mãe. Àquela....Simplesmente, desmaiara.
Armando Rodolfo se aproxima. Passa a mão no seu rosto e suplica-lhe que acorde. Ela abre os olhos, confere o celular. Aflita, mas agora, contente. Gravara tudo. Até mesmo a hora que antecedeu o seu piripaque. Os dois se abraçaram num dramalhão só. 'Filho! Tenho que lhe dizer algo.- diz a jovem senhora. Antes de quase morrer, avistei um fantasminha que mora nesse teatro, faz muitos anos. E ele me disse que você seria uma excelente bailarina (ôps), bailarino.'
O menino-pirrralho-garoto aprendeu na sua primeira ida ao teatro - e com o reforço da mãe da bailarina - que não se deve confiar em qualquer assombração. E como nos relembra Fernando Pessoa... 'Apesar de sermos os avatares da estupidez passada'.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
terça-feira, 8 de dezembro de 2015
Contudo, embora, entretanto. Isto é: ou seja. Locuções e mitos.
Esse título, nada usual, diz respeito à certas construções linguageiras- as 3 primeiras são chamadas conjunções gramaticais adversativas e as 2 seguintes são locuções que juntam duas frases ou palavras , normalmente, tentando retificá-las ou ratificá-las.
Nessa linha, o jornalista e autor gaúcho, Fausto Wolff, - empedernido brizolista e que morreu há poucos anos- era conhecido por seu texto preciso ( o que seria isso?) e por ser o mais hábil dos jornalistas/escritores a utilizar, por exemplo, o pronome que. Esteja ele na sua forma indefinida ou relativa.
Aprende-se que o brilhantismo de um texto, necessariamente, tem a ver com o estilo desenvolvido, encarnado, que alguém poderá dizer com palavrinhas. Deve ser esse o sentido do emprego do pronome que, por Fausto. Ele tinha brilho com o quê. E não somente com o que. Fausto foi um ensaísta, diretor de teatro e deixou vasta obra intelectual. Era machão dos pampas e ao mesmo tempo doce. Morreu no dia seguinte à morte de um outro celebrado machão, talvez o maior deles, Waldick Que, não era cachorro NÃO, Soriano. Waldick não se submetia à exames de próstata. Seu câncer começou por ali.
Nesse meu caso pessoal, tenho sérias questões- não tanto com as dedadas invasivas e impessoais às quais nos submetem os exames prostáticos-, mas com as conjunções, pois sou uma espécie de viciado. E aí, para mudar o foco, justifico com essas mencionadas locuções. Para aquilo que, provável/mente, ainda não fez sentido.
Outro vício incurável é a aplicação das reticências. Não irei nem ao menos reafirmar a sua função na escrita, já que temos como fonte de inspiração uma bela autora do teatro infantil francês e que declarou que, às vezes, ao se cansar muito, depois de horas de tela vazia, papel em branco, interrompe essa atividade para respirar um pouco e sapecar umas reticências. Disse ainda que tinha preguiça com a tal pontuação. Se acaso sofresse de asma, iria rever suas posições e pontuações.
Reticências seriam um mero capricho para evitar longos períodos, hiatos....Reticências. Suspensão.
Suspensão de sentido, emoção velada. Conjunções que tentam contrapor o sentido pregresso ou as locuções que procuram juntar palavras ou frases anteriores a fim de confirmá-las ou negá-las. Brincadeira de equivocar qualquer sentido ou qualquer falação. Para quê?
Eis que a forma pronominal -com a qual se divertia tanto o jornalista gaúcho, Fausto- reaparece. Uma curiosidade quase desproporcional à pretensão do texto. Existiria, por exemplo, QUE em alemão? Goethe sabia sobre esses quês tão endiabrados? Quase que fundamentais? Imperativos? Estariam indefinidos?
A relatividade proposta por um festejado conterrâneo, Einstein ( aquele mesmo que estirou a língua para o universo em expansão ), ajudaria nesse confusão de línguas e seus artifícios/artemanhas? Tempo e espaço se misturam. São ficcionais? Um texto fala sobre fatos verdadeiros ou fatos falsos? O que é a vida real e o que é a ficção? Se está sendo inventado, por que não é 'da vida real'? Só é considerado da chamada vida real o que já estava por aqui, antes dessa espécie gente estar? Portanto, passemos a saudar as árvores, os cachorros,a lama que muda a cor dos oceanos, mata, e assim por diante. Mas não haveria minha concepção de lama ou rio se o conceito/palavra assim não houvesse. Haveria outra coisa. Mas ambos, rios e lamas, estariam lá, desde sempre, a se supor antes da gente. Quem faz essa conta? Seria um demiurgo? Esses seres transcendentes apelidados de deuses? E quem faz a conta por eles? Esse recuo reflexivo provoca vertigens na entropia/neguentropia da expansão do universo. A Língua de Albert Einstein aponta para o infinito. E lembremos que o projeto dele, hoje, pode ser considerado um clássico. No contemporâneo temos os quantuns, os bits, q-bits e física feita de cordas.
Na nossa estada contemporânea, presencia-se essa confusão de mitos e ditos. Tudo parece que morreu e insiste em continuar. Mas como pode? Um desfile de mortos vivos. Talvez por isso que existam tantos filmes com zumbis. Uma nova festa de família? Já que o fim de ano está perto, o tema está posto: lado a lado com comilança, champanhe, saco de Noel e lorotas. Enganamos criancinhas, por séculos, e isso não é considerado assédio. Curioso.
Terminemos tão somente para prosseguir, 'claricianamente', ou seja ( UFA! Não se resiste) artemanhas de Clarice, fazendo um som mais ou menos assim. .......... Ou melhor,.;"?!~^{}
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