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domingo, 22 de novembro de 2015

A MENINA GRINGA


Virgínia tinha um metro e muito de altura. Pele clara, olhos a lhes acompanhar. Em tempos de hoje, com essas exigências forçadas, harmonizavam perfeições.  Era uma menina gringa. E pessoa gringa, naqueles mesmos tempos, eram bichos raros pelo simples fato de que o Brasil sempre foi muito distante do velho mundo. Se bem que ela não vinha de outro mundo tão velho. Além do mais, o modo de deslocamento dos corpos de então tinha precariedades. As distâncias eram bem maiores; um telefonema de saudades vindo da estranja trazia muitos ruídos juntos; sem contar as tarifas – os famigerados interurbanos- que eram bastante caras. E os postais? Retratos coloridos que viajavam de charrete. Muitos se perderam sem deixar pistas (crime perfeito?) ou chegavam bem depois do retorno de quem partiu brevemente.

Virgínia andava de patins. Bailava com seus pés feitos de rodinhas pela única quadra de futebol de salão que existia naquela superquadra. Segundo conspiradores, esse espaço foi construído mediante intervenção estadunidense, a pátria da patinadora. E qual seria a razão que mobilizaria uma embaixada para esse fim? Nunca ficou claro, mas parece que era uma simples política de boa vizinhança. Afinal, o prédio da embaixada- lá eles apelidam essas construções de blocos- ficava praticamente em frente.

Após as peladas de salão, a moça loira patinava seus encantos. De tanto que o fez que um amigo se apaixonou. Desengonçado nos estudos e com as pernas, esforçava-se com a língua....inglesa.  Era o único saber em que se esmerava por melhores resultados. Tinha intenção definida, alvo vislumbrado, arma apontada, uma pequena guarda pretoriana de discos de vinil (coleção até invejável) e nada mais. Ao que tudo indica não teve êxito.

A jovem patinadora, filha de um funcionário da CIA (cuja sede fica no estado da Virgínia/EUA, e por isso o seu nome próprio), não correspondeu ao cerco quase bélico do nosso companheiro iludido, ou melhor, apaixonado. Talvez o aspecto belicoso é que tenha atrapalhado. Corria uma ditadura militar por aqui- com todo o apoio norte-americano- e eles não queriam financiar outras forças que não as suas. Todo brasileirinho que se aproximava daquele edifício pertencente à embaixada deles era observado de perto pela segurança. Quase hostis. Mas não estavam errados. Eles sabem muito bem o rabo preso que têm.

Virgínia um dia sumiu. Isso mesmo: desapareceu, escafedeu-se. Teria sido roteiro para algum sucesso premonitório de cinema Hollywood? Teria essa bela jovem se tornado mais uma vítima do terror que certo regime impôs no continente perdido, durante os anos 60, 70 e 80?

Os boquirrotos e boquirrotas garantem que não. Ela só desapareceu por não dizer Adeus. Voltou para algum canto do planeta onde seu papai seguia conspirando, bisbilhotando alheios.

Contudo, ainda resistem àqueles que sentem o som e as curvas daquele deslizar, sem concorrência, daquelas pernas longas e estrangeiras. Nunca uma conspiração foi tão adorável.

 

 

 

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