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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Bipolaridades de retorno. Reminiscências. O mar não é Oceano.

Atravessado uma possível crise de bipolaridade semanal, a resultante de momento é uma euforia semelhante àquela que alguns apresentadores televisivos conclamam aos compatriotas. Nos últimos dias, ao menos, não é raro observar nas falas e conversas midiáticas uma espécie de rito entusiasmado sobre e sob o desencanto presenciado. Uma melancolia com buraco sem mundo- diria Freud-  no horizonte global, no futuro da nação. Curiosamente, é exatamente isso que deve ser deixado de lado, denegado, esquecido. Falando em termos mais palatáveis: fingir que não se vê; que não se viu. Por quê? Porque dói, apurrinha, enche o saco...Mas se não reconhecermos e analisarmos o que se passa e passará, solução profícua , ao menos a médio prazo, garante-se, não haverá.
Faz muito tempo, num outro mundo, que por aqui esteve o irmão da escultura e amante de Auguste Rodin, Camille Claudel, o Sr. Poeta e Diplomata, Paul Claudel. Foi dele a sensível e precisa observação sobre algumas das nossas maneiras de haver: 'É um povo com muitos reflexos, mas muito pouca reflexão'.- teria dito. É disso que se trata na manutenção do sintoma mazombo que já derrubou diversos movimentos que tentaram exprimir e apresentar muitas das nossas articulações arteiras, artísticas, pensantes. Retomemos à semana de 1922 macunaímica e até mesmo antes, por exemplo, na sacação e praticagem política de um Marquês de Pombal ou de um primeiro herói Bonifácio de Andrade e até mesmo Pedro II,  onde encontraremos diversos momentos de assassinato explícito das nossas maneiras brasileiras, para além, a bem verdade, coisa outra, diante do classicismo ou da estilística barroca importada. O maneirismo brasileiro- essa via terceira e que não é síntese das duas mencionadas anteriormente- sempre foi sacaneado por nós mesmos. Gente do tamanho de Anísio Teixeira, Villa Lobos, MD.Magno, Hilda Hilst, Machado de Assis, José de Alencar, Tom Jobim, Oswald e Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Glauber Rocha, Euclides da Cunha, João Cabral Severina Sempre Viva, os irmãos Campos, Gilberto Freire, Raimundo Faoro, Caetano Veloso, Millôr Fernandes, Monteiro Lobato e outros grandes tantos já indicaram em suas obras o tamanho da doença que já perdura 515 anos.
José Bonifácio de Andrade, exemplificando pela via política, não concordava com um governo centralizado e tantas novas 'federações' ao seu redor, sobretudo por  se tratar de um país com dimensões continentais. À época, as caravelas - naves espaciais flutuantes- deslocavam-se ao sabor e dissabor dos ventos. Demorava muito tempo para se reconhecer um amazônico-gaúcho menino, por exemplo. Aliás, um outro tempo.
Vindo de um período nas terras escandinavas, o conselheiro real espantava-se diante de algumas decisões. Logo na Escandinávia onde a prevenção é algo quase paradigmático. Antecipam-se às demandas. Nos nossos lados, ao contrário, corremos atrás do próprio rabo perdido. Todavia, seguindo orientação de algumas mães e sobretudo avós, preocupadíssimas com o futuro dos seus rebentos, sejamos pollyânicos. Ou melhor: sejamos otimistas. Não confundir com os positivistas preconizados numa pequena faixa branca que destaca no verde-amarelo de nossa bandeira e onde se poderá dizer: ' Ordem e Progresso'.  Na cabeça de Augusto, não o Rodin, amante de Camille, irmã do profeta, mas de Comte, o que não pudesse ter comprovação empírica ou seja, receber o carimbo de CIÊNCIA enquanto padrões rígidos para práticas duras, teria validade nula, inexistente, sem qualquer importância. Bem ali, na rua do militar Benjamim Constant, outro expoente da religião positivista,  bairro da Glória, ainda suspira sua igreja. Tem adeptos. Tímidos é bem verdade; porém, crédulos.Quem sabe o positivista contemporâneo de Hollywood, uma espécie de Malafaia de lá, o galã Tom Cruse, apareça para um culto? Uma Missão quase impossível? Nada porém seria impossível para um jovem ( e como a maioria deles, arrogante), naquele verão de 1984, e que retornava, depois de 7 anos, de exílio familiar em terras estranhas para casa. A cena que se segue dera início à virada em sua vida.
Subimos naquele ônibus leito, pois o carro familiar ( um Opala 6 cilindros e fiel desde sempre) e que nunca falhava, falhou. Noite quente na partida e um tórrido despertar na chegada. Via Dutra percorrida pela enésima vez. Vínhamos novamente de São Paulo, uma nova São Paulo a bem dizer, e com quem um novo alguém iniciava romance. Eventos noturnos, festa de gente grande e outros ruídos passaram a fazer parte dessa nova cidade. A capital financeira do continente deixava tortas e sorvetes para trás e apresentava sua adega aos profissionais do futuro. Mas o calor que chegara repentino e pouco comum à cidade bandeirante, nesses tempos, indicava que era boa hora para se partir. Não harmoniza com o verão aquele lugar. Encaramos então a famigerada Via Dutra- que anos mais tarde foi imortalizada por cantora importante e parenta da via expressa- ao recorrer aquele busão com direito a uma prótese fundamental nesses tempos de raios solares impiedosos: o chamado ar condicionado. Sem conseguir pregar os olhos noite a dentro, testemunha-se a intimidade entre o condutor, o busão,  aquelas curvas e retas. Aquele sobe e desce. Algumas curvas até sensuais Um vai e vem. Uau! Cansamos. Um cigarrinho?
Chegando na pátria que abandonara por pressão paterna quando se tinha 10 anos de idade, a primeira antiga impressão foi com o fedor. A estação rodoviária, O Pior do Rio, e não o pretensioso nome, Novo Rio, junto com o seu porto Leopoldina que se avizinha, tem essas características conterrâneas: exalam mau cheiro.
Um dia ainda saberemos o porquê de insistirmos na manutenção de tradições de maus odores harmonizando com o que se come, com o que se bebe. Existe um botequim que ao menos tenta sorrir, em algum horizonte. Percebe-e também que o boteco é bangela porque o ralo do esgoto- quase sempre desnudo- mora ao lado. Reside em frente, melhor situado. Inquilino antigo e bom pagador- segundo muitos- apesar do desperdício fétido que jorra calçada abaixo. Os convivas parecem não se importar ou sofrem de entupimento grave e crônico das fossas, ou melhor, das vias aéreas. E por falar em botequins, tomamos um táxi. Algo que Vinícius de Moraes não aceitaria. Numa manhã pré --ressaca, respondendo ao amigo e parceiro de canções, Toquinho, ao sair do bar habitual, sobre a possibilidade de tomarem um táxi - no seu caso um taxizinho- respondeu-lhe que não o faria porque não misturava Whisky com Táxi. '' Não misturo quando bebo o escocês". Ponto para o poetinha.
Portanto, o sujeito condutor desse automóvel amarelo- com mais pinta para pinga do que whisky importado- mastiga entre dentes um palito. Tem cara de sonado. Não. Tem cara de doido. Pouco antes, estava ele ali, distraído, dentro de seu carro,  diante da rodoviária e lhe fizemos uma saudação. Fingiu que não viu. Ou seria cegueta mesmo? Que horror! Um cegueta a nos trazer de volta para casa. Será que ao menos sabe conduzir com  o alfabeto braille? Vejo que ele passa as mãos no painel do veículo. Procura por algo. Seria aquela prótese semelhente ao do grandalhão que nos trouxe, aquele ônibus difamado , porém bastante eficiente, e o seu ar que sopra frescuras? Ou seria uma luneta, um telescópio? Socorro! Não. Havia tão somente um inexpressivo rádio da cor de metal que não enferruja e envelhece por fingimentos.
O distinto motorista então acaricia com firmeza o botão da bendita Rádio Cidade e as notícias emergem. Temperatura alta, criminalidade também na moda e música tema de um filme estrangeiro, na caixa do alto falante: 'Arthur', o milionário sedutor, de Christopher Cross. Bela melodia num delicioso e despretensioso filme, apesar da presença protagonista de Liza Minnelli.
Uma espiadela para os lados e o Aterro do Flamengo continuava por lá. Fez 60 anos oficiais, há dois dias. Um pouco mais acima, majestoso e feito de pedra, estava o Corcovado e seus bondinhos de açúcar. A Baía de Guanabara, por sua vez, fica enciumada e reflete reboliços de espelho d'água.  Chegamos à nova morada.
Estava tudo ali. Como sempre. As árvores, o asfalto, o poste de luz, o calçamento, cruzamento. E mais ainda: Descobri que não era feito de mar o que ventava maresias no quarteirão adiante, bem pertinho. Era na verdade, um Oceano inteiro. OTIMISTA?

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