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quinta-feira, 13 de março de 2014

O avião e um senador. Avoa?

O senador que se aconchega com seu traje civil na poltrona  - sem aquele terno e aquela gravata com sotaque italiano, do norte do país em contorno de bota, cabe dizer- carrega  ao seu lado uma bolsa tiracolo e um computador pequenino. Talvez para acompanhar-lhe na baixa estatura.
Inteligente, veste traje de não-senador. O prestígio da classe a qual pertence está inclinado. Encontra-se nessa tarde no aeroporto da capital federal, um JK que decola, enquanto chove muito lá fora.
Chove tanto que pensou-se até em pedir proteção a uma tal de imunidade parlamentar a fim de acalmar os santos voadores. E são muitos. Há testemunhas que já avistaram São Francisco e uma outra, conhecida por cuidar de causas impossíveis, logo não são tão impossíveis assim, voando mundo afora. E se instalam nas diferentes classes de assentos disponíveis na máquina voadora. Desde o chiqueirinho ( para fazer coro com Luíz Felipe Pondé ) até aquela outra com as suas poltronas mais generosas. Dizem até que o avião pode fazer escolhas a partir da classe escolhida. Vez ou outra um santo presente se rebela e aí.....Uma guerra santa pode se presentificar. Briga entre gente grande. Melhor passarinho com asas não se meter. Seu percurso é mais próximo do azul do céu. Intrometendo-se na guerra secular entre delirantes milagreiros pode haver turbulência pesada. E senador brasileiro gosta mesmo é de um céu com brigadeiros, confeitos e outras guloseimas. Aquele plano de saúde maravilhoso a que têm direito, por exemplo, para todo o sempre. Assim como para os parentes bem próximos. Normalmente, aconchegados no gabinete do parlamentar- parente.
Apesar de casa revisora e que pode julgar e processar as maiores autoridades do país - tanto do poder executivo quanto do poder judiciário e também do próprio umbigo zelar- aprovando ou não certas indicações feitas pela Presidência da República, essa casa que representa os 26 Estados brasileiros no Parlamento e mais o Distrito Federal, já teve a sua existência questionada em passado bem recente. Por mais de uma vez. E não foi à época das botas e seus tanques para guerra. Foi há pouco tempo, e proferida - a tal possibilidade de se extinguir tão 'nobre' recinto- por um senador da base política do atual governo federal. 
Paulo Francis - e lá se vão 17 anos de sua morte- proferia por sua vez que o ilustre senador da tal base do governo - na época de Francis ele trafegava na oposição- parecia raciocinar como quem acaba de ingerir doses consideráveis de algum sonífero. Maldade do polemista 'Fumanchu' ( não confundir com o veloz ponta-direita do Vasco da Gama carioca, nos anos 70), genial, da imprensa brazuca. Até porque pontas à direita não existem mais ao longo dos gramados futebolísticos.
Talvez pela letargia e pelos quase 160 milhões de reais anuais que  os seus mais de 3.000 funcionários contratados, concursados, terceirizados ( sabemos mais o quê?) custam aos cofres nossos que o distinto senador tenha pensado no extermínio da casa em que milita, trabalha e recebe um polpudo salário e as mordomias todas que o cargo lhe confere. E mais: a imunidade- muitas vezes confundida com impunidade- que os santos voadores também lhes dedicam.
Quantos adjetivos nesse parágrafo anterior, não é mesmo? Tem gente que odeia. Nós também. Quem sabe uma sedução sub-reptícia no mais escancarado estilo de cutucar emoções conhecido como 'Método do morde e assopra'? Tratamos então dos representantes dos Estados - não são representantes da população em termos proporcionais- e cuja postura mais se assemelha a de um bando de velhinhos aposentados, mas não das suas vaidades e do poder financeiro que os sustenta. Aquilo é o retrato de certa inoperância e cujo objetivo se traduz pela  manutenção estacionária da casa grande e da senzala brasileiras. 
O voo se atira por entre nuvens multicoloridas. A aeronave - pássaro explosivo pintado de vermelho e branco- parece cambalear de vez em quando , mas não desiste. Estaria bêbada? No mínimo, uma desfeita se por acaso estivesses? Afinal, aos convivas todos - incluindo no pacote de alguma medida provisória o senador discreto e franzino- fora negado qualquer bebida um pouco mais alegre. Alegam que o voo é curto. Curto? A eternidade em 10 minutos de chacoalhadas próximas ao céu. Ou estaria o inferno pintado de nuvens? Cumulonimbus! E a turma a crer em inferno com diabinhos vermelhos e suas foices. Haveria um martelo a lhe acompanhar na contradança? A ave que avoa está pintada de vermelho. Seria uma senha para entrar na residência oficial do coisa ruim? Falava-se do quê mesmo? Ah! Da imitação do S.P.Q.R ( Senatus Popolusque Romanus). Pretensão da gravata italiana que custa o salário da maioria. A nossa 'Popolusque' imita o modelo estadunidense e o argentino também. O nosso direito é que é romano. Aí a gente se embaralha e esquece que o que há são fatos, acontecimentos,costumes, modos de haver.O consuetudinário dos fatos- desculpem-nos pelo exagero da expressão- por sua vez é aplicado na cultura anglo saxônica.
Avião estacionado, portas abertas. O franzino senador de um Estado do Norte do Brasil - e cuja lembrança que nos invade a cabine é um famoso monumento erguido ao nobre português, Marquês de Pombal, figura homenageada tanto por republicanos quanto por monarquistas- prepara-se para desembarcar. Fisionomia fechada e blindada para curiosos. Não desgruda da bolsa tiracolo. Estaria de novo na moda? Seria um brinde do 'Senatus'? Lépido, desce as escadas que rolam num setor do aeroporto. Ele não tem mais nenhuma bagagem a portar. Fala ao telefone sem parar. Queixa-se do tempo nublado. Diz que seu partido gosta de sol. É um partido do Sol. O que isso significa para valer? Para os mais calejados- a desilusão necessária dos cabelos que se embranquecem- coisa alguma, ou melhor: que gosta do sol. Mas e a chuva tão necessária? Regiões tão secas, áridas, feito a casa revisora, deste enorme país.
Já para os que se iniciam nos voos de todos os dias, alguma alegria; uma nova expectativa. Até renovação. Talvez uma doce ilusão necessária. Afinal, ninguém é tão bonzinho. Tão certinho, tão tiracolo. Muito menos quando tratamos das práticas partidárias, na política vigente, há somente 500 anos ( viajamos de Brasis). 
Jean- Jacques- Rousseau já se denunciou enquanto equívoco sério. Iluminista que se recusara a considerar as sombras que cercam a espécie homem. Poderia recusar também a ave mecânica já que a suas asas eram perfeitas desde a  origem e plenas de liberdade.Para pular de um galho para outro e tão somente. 

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