Nilton Santos foi um atleta brilhante e que mudou o modo como os laterais no futebol jogavam. Eles passaram a atacar, ousaram definir o jogo marcando até gols ( o que antes parecia privilégios para atacantes) , para além das suas atribuições defensivas. Parecia um lorde a comandar pelotões de boleiros. Inventou Mané- junto com o jornalista Sandro Moreira- fundando assim a dupla endiabrada de fuzileiros, o tal Edson Pelé Arantes do Nascimento e o Mané Mais Querido Garrincha. Esses dois senhores juntos brigando no ataque canarinho, Mané de Pau Grande ( sem nenhuma alusão biótica) e Pelé, contra os adversários de todos os cantos do planeta bola, jamais perderam um único jogo sequer.
Nilton parecia ser boa praça ( expressão que denota que o cidadão era agradável, simpático). Há quem garanta que mesmo vitimado pelo Mal de Alzheimer, ele não perdeu a elegância e a altivez. Nas suas entrevistas, apresentava humor discreto com dribles curtos nos inconvenientes microfones que tentavam lhe roubar a bola. Adorava preservar as lembranças dos tempos de Mané Garrincha. É quando ele se comove, falando sobre os excessos que derrotaram o craque da ponta-direita. Estabelecera um vínculo fraterno, paterno, sabemos lá, com o ex-marido da Dona Elza. Quem viu viu. É feito dirigível, mula sem cabeça, unicórnio....
Num jogo importante da Copa de 1962, no Chile, Nilton Santos comete falta no adversário dentro da área. Segundo as regras desse jogo, um pênalti - aquele momento em que se fuzila, sacaneia-se o goleiro sem piedade- não fora marcado pela arbitragem. No artifício mais burro jamais inventado- segundo Nelson Rodrigues- , o tal 'replay', vemos a imagem de um lateral esquerdo com a camisa canarinho, cabisbaixo, olhar de constrangimento e com os braços erguidos pedindo perdão. Ele dera uns passinhos para frente, para fora da área derradeira. O árbitro do jogo - a quem, 61 anos após esse fato, entrego-lhe o prêmio Nobel de sabedoria- marca a infração fora da área grande. Diante da altivez do maior lateral esquerdo do futebol, e que tivera a grandeza de reconhecer o seu erro malandramente, não se podia fazer outra coisa. Fato semelhante com o gol de alma portenha que Diego Maradona fez contra os ingleses nas quartas-de final, Copa do Mundo de 1986, no México. Marcar uma infração naquela mão artilheira seria atentado contra a humanidade. Felizmente, tanto em 1962 quanto em 1986, não existiam 60 bisbilhoteiras câmeras a atrapalhar o jogo dos erros. Feito a vida. Querem quantificar o futebol! Querem o futebol limpinho de equívocos! Perfumadinho feito Mr. Spice Beckham . O quê o genial Mané, pernas tortas, de Pau Grande, acharia dessa perfumaria toda? Nilton, elegante, soltaria aquela rouca gargalhada. Aliás, confabula-se também - o meio dos atletas futebolísticos é deveras corporativista- que nunca um local de nascimento fez uma simetria tão notável quanto a de Mané e a sua Pau Grande querida.
Nessa semana em que se termina o texto preguiçoso, Pedro Rocha, outro comandante supremo da pelada oficial, também faleceu. Vivia bem mal, há tempos. Foi um artista brilhante de seu tempo e não conseguiu prosperar financeiramente. Para muitos, meninos de programa do mercado financeiro, isso qualifica alguém como fracassado, 'loser'. Certamente, trata-se de um fracasso regional, de um setor específico da vida. E as outras riquezas que não são ou foram computadas? Afinal, quanto vale um fracasso? Quem ou quais as formações que obtiveram sucesso com ele? Quantos pernas de pau- no caso dos futebolistas e que jamais disputariam um jogo pela seleção de seu país com o ombro quebrado, tal como Rocha o fez , No Mundial de 1974, pelo Uruguai-, reinam com a ausência ou falência de um Pedro 'El Verdugo' Rocha? Toda invenção apresenta novos poderes, ganhos e perdas também. E sobre o nosso fracasso? O livro de Moisés Naim, ex-ministro Venezuelano e diretor do Banco de Filantropias Globais, O Banco Mundial,- aliás, um dos negócios mais rentáveis para os bolsos e imagens de celebridades vedetes ou políticas-, traz a definição preciosa para crises capitalistas, ou seja, a degradação do próprio capitalismo. De fato- e esse é o título do livro ( O Fim do Poder)-, a degradação é dos poderes em jogo no mundo todo. Sejam eles políticos, financeiros, religiosos, éticos, científicos....E não se está fazendo nenhuma defesa de socialismos enquanto projeto político com seus estados gigantes, ineficazes, propondo igualdades que jamais existiram ou existirão, mas há de se reinventar o capitalismo ( baixar o seu freio de mão, tal como dizia Deleuze em sua sofisticada e difícil filosofia) e suas aplicações do aqui agora , feito o que ocorre na dinâmica movimentação que transcorre numa análise. Baixar o freio de mão em análise é importante para dissolvermos recusas, resistências.
Quando se fala, no presente, da sua vida passada, sonhando com futuro, em que tempo de verbo nos situamos? Daí aquela variação enorme- estou forçando a barra, bem sei-, dos tempos de verbo nas línguas, nas gramáticas, ao menos ocidentais, que conhecemos um tiquinho. Só restam coisas presentes, feitas de material antigo, e que pretendem pra frente continuar, persistir, havendo. Até porque não há como voltar para trás. O relógio faz da hora espécie de ilusão e o ponteiro indica lá longe um não-fim. Essa pergunta já foi feita por alguns pensantes: " Qual era mesmo o tempo antes do Big-Bang?"
Enquanto um acelerador de partículas não avessar experimentalmente o que deseja demonstrar, aguardemos o início do segundo tempo. Sem preliminares. Aquela peladinha, preliminares, que aconteciam antes do jogo principal, nos estádios brasileiros. Lembram daquele São Cristóvão versus Bonsucesso ao som de My mistake, do Pholhas? O São Cricri - intimidades reveladas- trouxe ao mundo, parto natural, o Fenômeno Ronaldo Gorducho.
Arthur Dapieve, adorável e excelente escritor, e também botafoguense em luto, reporta-se, na sua coluna de sexta-feira passada, dia 29/11/13, no jornal O Globo, a alguns textos de Freud ( a nova versão brasileira realizada por Paulo Cesar Souza recebe muitos elogios.Paulo é conhecido pelo seu ótimo trabalho em torno da obra de Nietzsche no país) em que o luto e a melancolia são temas abordados pelo mestre, além de algumas correspondências que trocou com contemporâneos bacaninhas tipo o Sr. Albert Einstein. Falavam sobre a guerra e seus efeitos. Freud teve os 3 filhos homens enviados para primeira guerra mundial (1914-1918). Apenas um deles teve ferimentos pelo corpo, mas nada grave. Freud morre pouco tempo, acho que algumas semanas, antes do início da Segunda Grande Guerra.Já estava em seu exílio londrino. Teve que se mandar da Áustria com a ajuda de uma aristocrata francesa, analista e sua ex-analisanda, Marie Bonaparte. O lunático de bigodinho estranho, Adolf, aprontava demasiado.
Freud não era saudosista, muito menos o era Lacan. Fez do luto que o acossou a vida toda uma virada mais alegre, um passo adiante, tal como significa o seu nome. Freud! Freud! Ecoa um trecho do coro na nona de Beethoven. E a sinfônica ressoa: alegria!
Dapieve descreve a tristeza que lhe invade o peito nessas datas em que um calendário ultrapassado, reacionário, dito Gregório, invade multidões. Intui através, um viés, da sabedoria em Freud uma possibilidade de virada. Talvez um mero saber, conhecimento clarificado, algum sentido para desobstruir peitos lacrados.
O acelerador de partículas bate progressivamente no peito do universo, multiverso ( expressão de MD.Magno), e aposta na derrocada da melancolia. O que resta é mundo, ainda que de poeira. O luto pode se tornar alegria futura. E qual será ou seria o tempo, havente, desse verbo?
Bola para Nilton Santos que acelera o passe para Pedro Rocha que enfia a bola no pé do peito da bola e....
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