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domingo, 24 de abril de 2011

A porta do vento

Giuseppe Tornatore é um dos cineastas mais importantes do nosso tempo.Desde Cinema Paradiso,realizado há mais de 20 anos e que lhe deu um Oscar,ele persiste com a sua poesia de imagens.
A porta do vento(Baaría) é o seu último filme.Realizado há 2 anos,mostra-nos a história de um pequeno e sua família e seus amores e seus entraves e suas guerras,numa Sicília dos anos 30 até ontem.Desde Mussolini e seus facistas de então até o Sr.Berlusconi e os fascistas contemporâneos.
Os Italianos são engraçados quando não são patéticos.Aquele dramalhão todo,aquela gritaria familiar - e que parece exportada para América Latina inteira- são um retrato meticuloso do que por lá se pode encontrar.
Minha primeira ida à Itália aconteceu recentemente.Calcei as suas botas e visitei alguns lugares.Partindo da capital,exuberante, onde o Inconsciente se apresenta nos monumentos a céu aberto - você sai de uma avenida de ontem e chega ao Coliseu ou às termas romanas -aos encantos florentinos - potência política e artística por séculos-ou ao Sul e os seus contrastes e hospitalidade;Itália é sinônimo de encantamento perpétuo.
É por isso que acho que não estava tão longe de casa assim.Sobretudo ao Sul- e me parece que Tornatore vem de lá- somos muito próximos.Sem falar da língua latina que nos envolve.Os rostos são parecidos.As angústias se aproximam.Os velhos também são bem velhos.
Não é à toa que São Paulo é a maior capital de italianos fora da própria Itália.E a maluquice católica nos atingiu em cheio também.
Tornatore costura tudo isso e nos traz à retina 2 atores - uma atriz e um ator - muito bons,além de belos.A moça,bem jovem, lembra Sofia Loren.Aquele rosto de quem não faz outra coisa a não ser nos seduzir a todo momento.Ela quer nos convencer de coisa alguma, e não conseguimos a sublime indiferença diante daquilo que é nada.Tomamos partido.Viramos socialistas,comunistas.Por que não Sofia Lorenistas e suas discípulas?
As crianças-personagens parecem nascidas num ambiente cinematográfico,tamanha a espontaneidade ,a desenvoltura com que trabalham.Obra de bom diretor.E ainda temos a Mônica Belucci....Ufa!
O que quero dizer - e não faço crítica ,pois sou somente um voyeur cinematográfico- é que calcei aquelas botas e corri por aqueles cantos com direção incerta.O meu GPS tinha às vezes 5.ooo anos e não se perdia. E se por aventura se perdesse,pronto!Perdeu-se.E daí?
Tudo não passa de sonho no corre corre desvairado das nossas pernas curtas.As botas por fim nos protegem do pisar cruel de uma lembrança que carrega 10mil anos em apenas uma vidinha de pernas curtas.Que sopre o vento.Bate-se mais uma porta.

domingo, 10 de abril de 2011

Na Escola.Tintas e armas.

Numa escola do Rio, um moço que, permanecia paradinho na sua própria infância,abriu fogo contra adolescentes e depois atirou contra o próprio corpo.Ali ele estudou por anos.Morava no mesmo bairro,um dos mais quentes da cidade, e não gostava muito - pelo que relatam aqueles que o conheceram- do convívio com gente.A não ser para lhes dar uns tecos. O cenário para o horror ,instalado após o fuzilamento que tirou a vida de 12 adolescentes, prossegue. A quantidade de tolices e imprudências que se diz na persuasiva e abominável mídia é de estarrecer. Inventaram o trauma "a priori" e foi reaberto o arquivo de xingamentos nosográficos - aqueles manuais psiquiátricos ,repleto de casuísticas e que pouco esclarece - a fim de se estabelecer uma certa lógica para o evento.Esquizofrenia foi termo- e até já foi conceito decente- apareceu à beça.É simples assim: não sabe o que é ou como funciona aquele processo,aquele sistema,aquela complexidade toda,sapeque um Esquizo tal que o pessoal do mundo se acalma.Os tais Esquizos não.Eles sapecam suas armas.E elas podem ser diversas,mesmo quando miseráveis. Por esses lados dos trópicos, já foram fuziladas crianças que dormiam na porta de uma igreja,famílias inteiras chacinadas,maníacos nos parques a estuprar mocinhas que só queriam uma sacanagenzinha na Floresta e por aí vamos.... Somos um país muito violento.Para se ter uma idéia,nos Estados Unidos ,onde as armas podem ser compradas livremente em quase todo o país, ocorrem 15 mil mortes anuais ,em média, por armas de fogo. No Brasil,onde é proibida a venda das mesmas,ocorreram 50 mil mortes violentas no ano passado.A maioria atinge jovens e até crianças.Política de extermínio? Certamente que não...... Alguns afirmam que há uma guerra civil por aqui.Não.É pior.Numa guerra civil existem áreas demarcadas de conflito.Nossa área de conflito é a cidade toda.Certa vez, retornando da Cidade De Deus, antes da fama da God City e bem depois de Agostinho, ao chegar no Leblon ,bairro nobre,quase fomos assaltados violentamente,uma colega e eu.Quase rezei ateísticamente,só com fé portanto,ao Santo João Ubaldo Ribeiro,que por lá reside maravilhas. A Cidade de Deus não tem bom retrospecto em termos de segurança,civilidade,desenvolvimento e quetais.Porém,nunca fomos molestados por lá.Vez ou outra uma metralhadora entoa canto próprio,mas nada é mais normal. O tal moço entrou e fuzilou os seus colegas que ele jamais viu.Mas ele se lembrava mesmo assim.Um gordinho lhe implorou para que não o matasse.Foi atendido.Gordinho,viado,gente feia,careca e outros tais eu poupo!!Parece que gritou algo semelhante.O Maluco então - como muitos de nós- era racista!! Uma imagem me congela.Era uma avó.Ela serenamente está em choque.Perdera a neta no tal atentado.Achei que a tal senhora,cujas rugas e marcas na face apresentam tempos de sofrimento,tivesse acabado de chegar de um terremoto japonês,tamanha a sua sutileza. Ela responde às perguntas de sempre,pois o roteiro caducamente se repete.Diz que Deus sabe.Só não disse o que ele sabe.Aguardei pelo segredo jamais revelado,afinal o Tal Deus proclamado é onisciente.Seria sádico?Seria racista?Teria ele perdoado o tal matador?Era esse o seu destino,o seu desígnio?E se Deus não gosta de criança?Ou então está morrendo de medo dessa gente que somos nós e resolveu sequestrar as criancinhas com ele? Deus pode ser pedófilo?"Mamãe !!-eu gritava; Por que a terra treme tanto e as co isas caem e morrem e se quebram e não voltam e se sofre e se vive?'. Mamãe me achava esquisito desde sempre.Nessa hora eu virava filho só do meu pai. "Responde lá para o seu filho que ele hoje está inquieto"- dizia mamãe ao papai inábil. Um dia fui para escola.Não queria.Coloquei o termômetro no forno e entrei para o livro dos recordes: 60 graus.Mamãe disse que eu estava morto.E eu vivinho...Passei a ficar com raiva dela.Fui para o colégio ,mas lhe avisei: "continuo vivo e parto para guerra.Nem você poderá me deter,pois me enganou o tempo todo.Se quem me trouxe foi uma marginal de uma cegonha sem rosto ,nome ou endereço conhecido,e não você,estamos rompidos".A moça riu.Nunca vi uma cegonha sorrir tão lindamente. Cheguei no colégio e apontei a minha arma.Pronto. Misturei todas as cores nos copos possíveis com os pincéis trocados.Guerra,guerra,guerra santa! A sala vazia a espera dos alunos para a aula de artes.Já que é arte,fiz a minha.Sacanearam-me na semana anterior em que o termômetro foi um aliado fiel e menos estabanado.Faltei sim e não nego.Só por isso tiraram o meu lugar na mesa acolhedora.E ali estava aquela moça linda com nome de flor: Maria Rosa.Uma das primeiras punhetas e paixões.Era essa a ordem afetiva? O irmão da Rosa ,talvez um Lírio,tournou-se cumplice em outras peraltices.Queria me aproximar dela e não dele.Ele não desconfiou e ficamos amigos.Convidou-me para o seu aniversário.Uma casa adorável na rua Nascimento Silva,em Ipanema,bairro bacana,até nasci bem perto.E estou careca e esse meu ex-amigo é gay!! Faz tempo inclusive que por lá só se adoram os edifícios.Uma pena. Chegando na festa , eu a vi com outro.Quase morri,quase os matei.Na verdade,eu os matei.Senão não estaria aqui escrevendo sorrindo sobre isso.E eles? Acho que se casaram e são infelizes,graças a Deus. Ninguém me escutou.Agora estão -onde nem a vovó consegue ainda me dizer-, arrumando as cores que mal enxergam.

domingo, 3 de abril de 2011

Gota d'água.(Em tempos de Tsunamis)

Uma Gota D'água foi tema de redação num vestibular.Um aluno,bastante inspirado ( e sabe-se lá o que isso significa) ,deslocando a ansiedade que lhe ,por certo acometia,respondeu: ' E nela eu me afoguei". Recebeu a nota zero. Nunca entendi muito bem os critérios de avaliação da turma que julga certos concursos.Parâmetros pouco flexíveis.E eu ia quebrando a cara em todos eles. Na época do meu vestibular,e aquilo foi horível,pois ofertei poderes demasiados a essa babaquice tipicamente brasileira,sofri à beça.Na tal da família minha a cobrança sobre esses fatos eram cruéis.A gente adoecia,passava mal,sentia-se estúpido mediante alguma fracasso.Era quase uma humilhação.Se bem que sempre existiram aqueles menos doentes,capazes de um desvio pra lá ,acolá.Admiro essas pessoas. No primeiro exame,em que a febre alta me perseguiu em todas as avaliações,lembro-me da reação do meu pai diante do resultado não desejado:balançava a cabeça em sinal de reprovação,e não quis muito papo.Minha irmã que,experimentara algo semelhante,acompanhou-me ao clube ,à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas.Lá,permanecemos sentados e eu fiquei um longo tempo olhando aquela gota d'água imensa. Frequentara à beira daquela lagoa desde sempre.Fui moleque travesso de calça curta e sonhos longos.Jogava pedras ao longe para não machucar. Uns gatos desgarrados nos seduziam - a mim e aos outros pirralhos- e lá íamos nós atrás da caça.Jamais tocamos num bichano qualquer ,mas o sem jeito,a pouca prática - expressão maravilhosa cunhada de uma loteria humana que ganhei na vida- de alguns fedelhos,fez com que um incidentezinho ocorresse: um garoto caiu na gota d'água.Escândalo. A deslumbrada da mamãezinha dele teve um ataque ,não ficou somente à beira ,e eu fui responsabilizado pelo fato.Era tido como o chefe do bando,ou seja, era bastante importante para o meu meio-metro. Lembro-me dele todo ensopado,o tal garoto. E ele estava feliz e me agradecia com os olhos azuis.Enquanto isso a senhora minha mãe me passava uma descompustura pública e prometia a ela mesma que não me levaria mais a nenhuma festa."Você não sabe se comportar"- dizia mamãe.Momentos de felicidade que existiram em dias de festa. Não fora preciso tal promessa existir,já que um ano depois fomos exilados no Planalto Central para uma temporada que parecia não ter mais fim. Tudo isso me acossava naquela tarde de céu límpido e águas serenas de um verão carioca,fim de tarde,na verdade,fim de mundo para mim.O mundo havia terminado pela segunda ou terceira vez .E agora?O quê fazer com esse mundo que terminara novamente? Aquela gota d'água inteira na minha frente e eu sem me afogar com o mínimo de elegância.Afinal,tinha mamãe na parada! Não sabia nadar direito e o passo adiante não vinha.Se bem que...o que faço mesmo direito? Há gente tão pretensiosa no mundo que cursa até.... o Direito. Eu que sempre fui "maladroit",uma espécie de Mr.Bean carioca,cursei faculdades erradas.E na errância, a gente até acerta.Ainda que sem querer.É a tal da sorte,fortuna,paranormalidade,magia,lá sei. Creio que dei meia volta ,ao lado da irmã, e retornei.Um papel ,agora tela em branco, aguardava-me.Rabisquei algumas coisas,outras letras,mesmo troço.A gota d'água e eu somos coisa só.