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domingo, 7 de fevereiro de 2010

O automóvel,o délírio,o bloco e as moças

Sobrevivo a um calor cruel.Clamar pela água que brota dos céus carregados é temerário.Na metrópole maior já se cogitam barcos ao invés de outros veículos gravíticos.Aliás, será que haverá automóvel num futuro não tão distante? Gosto muito dos automóveis desde pequeno, quando da janela do meu quarto debruçava-me sobre o parapeito a contemplar as máquinas de então.
O filho da síndica - já falecido- possuía um dos modelos mais novos do mercado precário do país.E ele o tratava com cuidado extremo. Essa perna a mais ,ou ainda, essas pernas mecânicas eficientes também podem matar e o fazem em demasia por esses lados.Mas quem é o comandante da jeringonça?Ela ,por enquanto,não sai sozinha estrada afora.E tem, como o resto de nós,de nossas tripas, de outros órgãos,limitações.Não se movem nem para cima e nem para os lados.
O s automóveis daqui nos invadiram no fim dos anos 50.Seu mentor, em companhia com os estadunidenses,fora o presidente Bossa-Nova,Juscelino K. De Oliveira.Como se escreve o nome do meio mesmo?Será que já se enquadrou na nova reforma ortográfica?
Ao invés dos trens,eficientes ,menos perigosos,a um bom custo,a nação Brasilis tornar-se-ia um país dos automóveis. A atual capital (sempre tenho a esperança de que um outro Presidente terá um outro sonho e mudará pela quarta vez a sede da nossa capital), Brasília, tem mais de um milhão de carros e um sistema público de transporte precário.O tal metrô de lá ,encoberto por denúncias de corrupção,é insignificante e desprezado pela classe média e alta burguesias locais.Parte dessa população é oriunda de pequenas cidades do inteiro do país ou de Estados Nordestinos, onde automóvel funciona quase como um título ,um brasão,uma comenda ,uma conquista importante. Em algumas cidades brasileiras o motorista ,seu nome, ocupação ou o último poema escrito pouco importam. Sua identidade está atrelada ao modelo de automóvel que ele tem.'Ah! Aquele fulano do calhambeque tal"!Claro que eu o conheço.É um canalha que dirige o....Não gosto dele ,mas a minha filha gosta'! Seria um plágio daquela versão musical de Chico Buarque?E assim se estabelecem alguns vínculos importantes para certas criaturas motorizadas.
Conheci um sujeito num boteco certa vez.Homem que hoje está com quase 80 anos e bem doente.Sempre achei que ali habitava algum comprometimento emocional um pouco mais sério,visto que ele acreditava demais nos próprios delírios. Era o recordista de cartas para o falecido Jornal do Brasil.Alertava os jornalistas na redação sobre o que estava a produzir e que aquilo que fora publicado tinha ressonância com a sua obra.
Engenheiro de formação,é homem culto.Fascinado pelo cinema ,desistiu do mesmo.Iria perder muito tempo ali dentro.E ele não poderia perder tanto tempo,afinal a sua produção lhe consumia muito.Desenhava muito bem e as artes plásticas o atraíam mais.
Desenvolveu afeição por mim ,não só pelo meu trabalho e estudo em torno da Psicanálise,mas pelas minhas aventuras pelos textos políticos,obras literárias, etc. Chamava-me de Carlinhos.
Diversas vezes fugi dele.Era cansativo. Parecia uma usina de força que não cessa de não cessar.Outras vezes,deixava-o falando só para ir ao banheiro.Quando retornava ,ele estava a prosseguir com sua matraca delirantemente disparada. Num desses ataques,perguntei-lhe:
-Não entendi o que disse.
O silêncio foi ruidoso,quatro oitavas. Ele estava mexido.Teria que organizar as loucuras de um modo mais inteligível.Sorriu e mudou de assunto.Eu ,precavidamente, não insisti que voltasse ao tema.Não estávamos num consultório de psicanálise e nem ele havia demandado tal intervenção para mim.Contudo,desenhava-se um quadro cada vez mais claro de como funcionava,ao menos um pouco, a sua mente.
Freud sempre tivera razão quanto aos sintomas psicóticos.
Os delírios nada mais são do que uma produção de idéias,frases,imagens,sons,dentre outras inúmeras formações possíveis que tentam dar conta do que se chama realidade.Seja ela virtual ou não.E quem pode garantir o contrário?Todavia,ao chamar aos fatos aquele que a anuncia ,ou seja, a fala, a articulação de idéias,conceitos, etc, costumamos surpreender os que realmente não sabem o que estão a dizer.Aquilo quase sempre não se deu ou não foi bem daquele jeito que o rebolado aconteceu.Agora, por exemplo, estou escrevendo esse texto e escutando uma canção.Não estou num avião rumo à China ou submerso na métropole molhada.Há pelo menos uma testemunha.
O engenheiro não gostava de automóveis.Considerava-os todos armas do demônio.Parece que perdera amigo querido em acidente.O que apreciava mesmo era caminhar pelas ruas ensolaradas de nossa cidade ex-maravilha a contemplar as mocinhas e suas minúsculas fantasias de verão.Chamava-as de deusas com venenos mortais! Era também inventor.Fabricava por conta própria utensílios domésticos brilhantes.Copos gelados para bebidas,guarda-sol portátil e fácil de carregar, cadeira elétrica feita com rodas de poliuretano para não arranhar o assoalho de casa e facilitar o deslocamento na mesma, controle multiuso -muito antes de colocarem no mercado-, entre outros inventos.
Não sei se continua vivo o meu então amigo.É que hoje ,retornando para casa numa tarde ensolarada de meninas vestidas venenosamente,não vi os carros abominados por ele.Estavam de castigo para ver o bloco de carnaval passar. O diabo estava de repouso.

3 comentários:

carluchodantas disse...

entusiasmado com o sotaque soteropolitano , délirei ao colocar acento agudo em délírio.É Delírio demais com sotaque baiano.
CARLUCHIANDO

andrea dutra disse...

hmmm, ele tá velhinho, na cadeira de rodas. vi outro dia no calçadão, levado por aquela acompanhante dos últimos anos. Juro que me deu uma puta vontade de chorar, ao lembrar dele, a todo vapor, no Clipper. A vida, essa piada de mau gosto!

carluchodantas disse...

Que bom e que horror a notícia que você me dá.Ele está ainda por aí.Infelizmente,do jeito que você me relata.
beijo,
Carlucho