Queria mesmo é fazer umas carícias num animal feroz, perigoso. Passar-lhe o dedo, tocar seu pelo. Estaria o bichano com alguma carência específica? Tem fome? Um titã lhe perguntaria sobre essa fome. É fome do quê?
Primeiro flerte foi com uma jaguatirica. Apelido bem dado para alguém bastante invocado. Depois, o leãozinho. O leãozinho é aquela formação que se acha. Acha-se, segundo estudiosos e que talvez tenham fetiche pela juba imponente, o rei da selva. Porém, esse reinado se restringe a uma selva específica que ele habita. Porque na selva em que vivemos- tenha ela a constituição que tiver- quem anda rugindo mais é essa nossa espécie meio estranha. O leão tem uma constituição física- apesar dos pareceres- bem pior do que a nossa humana insignificância cósmica diante de uma quarenta e cinco bem engatilhada ou uma espingarda calibre doze. Mas há de se estar acompanhado desse outro bicho de pólvora. Caso contrário, os caninos da realeza da selva causarão estrago irreversível.
Um pouco mais que depois, um belo tigre a visitar. Abobalhado pelo cativeiro criado pela tal espécie humana. Trancam o animal ali para contemplá-lo e sacaneá-lo. Seria inveja? Seria uma resultante da fome insaciável do boneco gente? Imaginemos uma cena inusitada: a mamãe tigre trancafiada em sua suíte de grades e lambendo com seus caninos o bonequinho filho de gente que embala no seu colo de patas e garras. Caminhadas, protestos, manifestações. Faríamos um barulho danado em defesa do filhote de gente. Acontece que eles não têm essa competência sígnica, articulatória. Eles não são tão malucos. Não frequentam, por exemplo, salas escuras com seus projetores e sons que exibem ilusões. Nunca vi um deles por lá. Muito menos frequentando o divã de analistas. Aliás, divã é uma peça de mobiliário pouco comum na cultura dos trópicos abaixo do Equador e sua linha imaginária. Seria constituída de cinema e ilusão essa linha? Tudo então se faz cinema. Uma tela de sonhos na sala escura com gente desconhecida.
O tigre continuou a sua brincadeira. Quem disse que não era só brincadeira? Que formações podem garantir que aquilo que estava sendo mordido e arrancado não era um brinquedo para pular-sacudir ou cuspir-engolir?
O importante era poder acariciar aquele monstrengo lindo. Aquela carcaça colorida de pelos e aquele corpanzil. Olhos claros. Seria um galã? Por que raios não se pode brincar com o gatinho cheio de testosterona? Ele passou no antidoping? Vai participar do próximo 'ultimate rinha de galo fight'? Tem galo que briga.
Não. Não se deve. Poder pode. E perder o dedo, o braço e a vida, também se pode. Não se deve. Mas esse não se deve também é moralismo e intromissão de quem ainda arrisca supor que sabe o que é menos ruim para o outro. E esse outro bate na gente que pensa que é gente mesmo. Portanto, se queres arriscar partes do corpo que poderão lhe faltar já tens um atalho a trilhar. E que merda também. Só porque o corpo impotente de cá tem essas vontades e o tigre a me arrancar o braço-alma. Digamos assim: papai. Perdoai-vos porque o tigre não sabe o que faz! Não sabe? Claro que sabe. Se tem algo que o tigre sabe é o que ele tem para fazer. Seu programa etológico é perfeito. Mas se quiser convidá-lo para ir ao cinema, ele não topará. E se por lá der pinta, pode-se comportar bem mal. Mal para quem? Para a humana convenção de como se comportar em certos locais. E isso pode ser amplo......
O tigre não está confuso. Ele estava somente agitado com o estranho amiguinho a lhe aporrinhar a paciência. Quem sabe para retirá-lo do tédio diário? ''Poderiam ao menos pintar aquela grade. Com as mesmas cores que enfeitam o meu pelo vistoso''- resmunga com sobriedade e sem cerimônia o felino acorrentado. E acrescenta: ' Não tenho esse tal de fair-play'. O novo amiguinho, contudo, parece decidido em não saber o que faz. Como não? Claro que sabe. O quê parece até agora não saber é sobre alguns riscos. Sobre a vida que se exibe dentro e fora das grades. No mais é só entretenimento. Princípio do prazer e suas diversidades. Diversidades de meninos e meninas.
Dizer portanto que o menino está, ou estava, assim ou assado, é especulação delirante. Quem ousa fazê-lo deve estar parecido com o tigre. Que também anda falando muito. O bichano exige até um advogado, já que querem assassiná-lo. Acusam-no de tentativa de homicídio com dolo. Que é aquele onde se presume alguma intenção. Mais ou menos como penalidade no futebol. E quem avalia as intenções? Nunca se percebeu um ator de fato? Aquele que é fingidor pessoal, poeticamente?
Havia também um responsável pelo guri no circo humano. Pai desse mesmo menino que tem idade menor. Diz que não viu o flerte entre a última fera e o mancebo porque cuidava da outra cria. O menino que não sabia o porquê fazia essas coisas de brincar com feras indomáveis tinha total liberdade para prosseguir fazendo o quê queria sem saber bem ao certo o quê fazia. Ao menos do risco que corria. Cansamos. Desse cansaço pode emergir um ponto. Vírgula para respirar.
Recuperado, pergunta-se: e o quê ou quem não corre riscos? Há uma estatística que determina que certas práticas apresentam perigos maiores. Bem como uma outra certa estatística que afirma que o menino por achar que jaguatirica, leão ou tigre são bichos de pelúcia e mansos feito o coelhinho de páscoa, implica em delírio ou maluquice de sua parte.Consideram assim-assado porque eles e uma maioria de outros - ditadura epistemológica- acham que o coelhinho da páscoa é realmente mais manso do que os animais listados e visitados pelo garoto naquela manhã de inverno ao sul do Brasil. Mesmo que tal coelhinho não exista de fato. Pois ele há de direito. Caso contrário não falaríamos dele e nem besuntaríamos o mundo com serotonina de cacau, vulgo chocolate benzido.
No último final de semana, o garoto, Destemido- Sem Saber-O- Porquê- Da- Silva, falou à imprensa. Gesticulou com um braço só. O pai- provedor de sua vida- só faz chorar. Ele talvez possa reger uma orquestra. Um novo modo de regência. Já está disponível na grande rede a imagem. Só falta pagar os direitos ao tigre. Senão, ele vai rugir de novo. E está certo.
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