Há tempos atrás, alguns carros pretos, os temíveis veículos oficiais, traziam senhores taciturnos com seus ternos estranhos. Os carros da cor preta eram raros no país, idos dos anos 70/80, porque podiam ser confundidos com os tais oficiais. Compunham desse modo uma formalidade pretensiosa, o tal tipo palaciano, na sua pretensa limusine. Diziam-se autoridades, de autoria falsa, naquela cidade em que todo mundo, apenas por estar ali, acha-se tão importante. "Com quem pensas que está falando"?- "arroganteia" o pretenso egrégio cidadão. Afirmou categórico, a voz sem hesitações, sobre o verbo 'arrogantear' e que sequer existe na norma culta. Mas existe no mundo. E o mundo era só ele. Não se trata pois de um egoísta, importante virtude, mas sim de um egocêntrico incurável. Suas preferências, seus tesões, pretendem governar o mundo. Não só o que supõe seu, mas o daqueles que ele supõe serem outros. Isso faz grande confusão entre mundos iguais.
Os outros até então eram feitos de assombrações. Igual a um filme de terror que esconde a melancolia que nos aguarda lá na frente. Tanto para vivos quanto para assombrados. Os outros, aqui entre todos, são parentes. Feitos da mesma matéria, de uma mesma pulsão.
O cidadão que conduz aquela fumaça de um automóvel balança caminhos à beira do oceano. Dobrou à esquerda, depois à direita. Arrumou o corpanzil e se lançou rumo ao destino que lhe fora indicado: uma zona central. Seu brinquedo de metal está cansado, velho. E quase todo velho é triste. Conduz nos ombros uma eternidade de manobras.
Sua suspensão começa a ranger quando inicia qualquer novo movimento. Corpanzil para lá e para cá. E recomeça a dança. "Seu rolamento está gasto"- uma voz quebra o silêncio da tal corrida. Ele finge não ouvir. Não quer mais escutar, pois está bastante cansado para obviedades. Por isso não ouve. Afinal, obviedades existem para não serem escutadas.
Sua suspensão começa a ranger quando inicia qualquer novo movimento. Corpanzil para lá e para cá. E recomeça a dança. "Seu rolamento está gasto"- uma voz quebra o silêncio da tal corrida. Ele finge não ouvir. Não quer mais escutar, pois está bastante cansado para obviedades. Por isso não ouve. Afinal, obviedades existem para não serem escutadas.
Bem próximo ao local da despedida, um outro semelhante dá-lhe uma bronca. Solta aquele xingamento-buzina de advertência. É um grito rouco, irritado. Todavia, perfeitamente audível mesmo com as intimidades, as tais janelas, fechadas. Tanto que os faróis, olhos de vidro que enxergam ao longe o que a escuridão guarda só para ela ( seria a escuridão um egocentrismo mal visto?), arregalam perplexidades uns para os outros. Resmungam combustões, gases, e claro, mais e mais fumaça. Contudo, perplexos! Já que ninguém quer reconhecer que se pode errar. Até porque não se faz outra coisa no vai e vem desses quadris de ferro, de lata. Oxidações?
No interior daquele carro da cor da prata, modelo ultrapassado mas eficaz, e que resmungara primeiro, esconde-se uma senhora. Irritada, triste, e no comando da máquina. Tem os cabelos claros e o seu farol está baixo. Aonde iria? Onde estavas quando sonhávamos que a cidade Guanabara não havia envelhecido tanto? Apesar desse oceano camaleão, já que oscila por entre cores, e que refresca o dorso nu, feito de pedra, cimento, vastos matagais e gente. E essa gente toda, inclusive suas águas Guanabaras, sacralizam suas curvas e a proclamam de cidade. Sob a benção do anjo-mau, aquele menino serelepe crivado de flechas e amódio, conhecido Sebastião: cidade tesão.
Ponto final. Ficarás onde?Logo ali, seu moço. Numa distância incalculável, mas que há. Feito de arrogâncias e seus " arroganteios ".
Ponto final. Ficarás onde?Logo ali, seu moço. Numa distância incalculável, mas que há. Feito de arrogâncias e seus " arroganteios ".