Em tempos de Chico Buarque no Rio,saudades do Canecão, e do mate-limão na praia ,sabor de infância,reencontro um conhecido cuja vida correu paralela a minha.Estudamos no mesmo colégio,frequentamos o mesmo clube ,moramos no mesmo bairro e nunca nos vimos.
Tentei lhe perguntar sobre algumas almas penadas em comum,mas ele não havia sido assombrado por nenhuma delas.Já que não era muito afeito às fotos pessoais,minha máquina de época era uma Kodak Xereta e deformava os rostos alheios,não tínhamos provas irrefutáveis da nossa não-amizade ,apesar da trajetória tão próxima.
Passei uma parte do tempo entrevistando-o ,pois a minha presença parecia não lhe despertar nenhum interesse.Nada quis saber a meu respeito.Poderia eu então ser um espião ,um agente secreto....e ele ,talvez,um astro de rock in roll.
Passo parte do meu tempo tentando ser invisível ao me mostrar demais.
Calado,fiz-lhe uma última pergunta: "Você se lembra de um garçom, daquele nosso clube da vida toda em que jamais trocamos duas palavras sequer,e que se chamava Passarinho?"
A resposta que recebi foi a prova de quem ainda pode se surpreender,e muito, com as surpresas da vida.Tal qual aquela frase do ex-Beatle John Lennon " A vida é o que nos acontece enquanto planejávamos outras coisas".
Passarinho,homem tímido e gentil e que servia o melhor milk shake de chocolate do planeta,já que o planeta da minha época era meu clube e nada mais,tinha saído do emprego,há algum tempo.
Disse-lhe então que a última vez que o avistara tinha sido numa festa de reveillon,onde trabalhava num bar improvisado ,no segundo andar ,logo acima da quadra de esporte coberta.Era noite de bebedeira e ilusões.Desejávamos prosperidade até para os inimigos.Noite de cinismo estrelada e o espocar de fogos de artifícios compondo a cenografia.
Alguns poucos anos antes, eu voltara a frequentar o clube com certa assiduidade.Localizei-o e obviamente voltei aos sabores dos tempos em que comecei a sentir sabores pra valer.Reconheceu-me ou fez um belo teatro.Eu,entrando na Universidade, e ele ali,o mesmo.Ao menos para meus olhos não tão cansados.E era isso que importava.
Agora,Passarinho não se fez gavião.Assaltou bancos e foi preso.Vive numa outra gaiola.Confinado,humilhado.Não sei o que o levou a tal ato de herói.Em bancos não há alpiste,e sim muita grana e também desejos cínicos de prosperidade.
Passarinho não serve mais milk shake de chocolate, à beira da piscina dos burgueses do clube, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas,à beira do paraíso,sempre com o mesmo sorriso de canto de boca.
Está no centro do inferno.
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