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domingo, 18 de setembro de 2011

Entre pipocas e balas.

Quisera fazer cinema.Desde pequeno se vai ao cinema.
Existe aquela liturgia de cinema.Pipoca,balinha e refrigerante são sujeitos de cinema.
Confesso que tentei driblar a tal liturgia e quase estraguei o filme.Sentia-me estranho,desconfortável naquela poltrona semi-vazia.Algo não funcionava.Concentração dispersa.Faltavam-me balinhas e pipocas .
Nunca mais tentei burlar o ritual.Só numa outra ocasião em que a sala do cinema presunçoso estava lotada,e o ingresso fora comprado nos acréscimos,a desgraça quase se repete.
Era um Sábado à noite.Lembro-me bem.Passados quase dez anos ,a companheira naquele dia eterniza-se para mim.
Sentamos numa fila conhecida como gargarejo.Horrível essa fila.Você fica com o seu pescoço numa posição de grau inclinado sei lá qual (45 º?) e se o filme for de ação ,movimentos de cena rápidos,corre-corre ,estás perdido.A não ser que o seu labirinto seja muito bem sinalizado.Caso contrário o mundo dará provas a ti que ele gira.
E graças a competência Copernicana e Galileana, a gravidade e outras forças nos mostram que alguns fatos existem e não precisam ser experimentados necessariamente.O desconforto desse gargarejo pode ser grande....Além da tontura pode haver censura,prisão e assassinato.
Contudo,havia outro desconforto.O filme em questão abordava tema e local que foram pesquisados por mim e pelo meu grupo de trabalho,durante um bom tempo.Quase sempre havia sol e nuvens a consolar por perto.
Tentativas em contactar o autor do livro , no qual foi baseado o filme, fracassaram.O autor estava em seu momento "deslumbramento pleno".Nem sei se pousou para fotografias eróticas,à época.Prometera conversa e não cumpriu.Queria retornar à casa de seus tempos de menino,onde haveria o nosso papo.A conversa então prometia,mas o efeito celebridade-vulgaridade interfiriu.
Mereço pois esse novo gargarejo!!
Nesse filme, porém, as bicicletas não voavam.Nos meus filmes idealizados de pipoca em pipoca as bicicletas são iguais aos ETs e alçam as alturas.
Já trabalhei com a falecida pantera Farrah Fawcett - aliás tivemos um 'affair' sigiloso- e dancei com Michael,o também morto Jackson.Participei de um motim com Brando e quis lhe falar do seu brilhante discurso para a patuleia em Julio Cesar,enquanto Marco Antônio.Teria sido proveitoso se não fosse a célebre arrogância Brandiana."Porra Brando,acorda,ou melhor,'Wake up man'!!"Você se acha tão brilhante e não passa de um miliquinho de merda - na frente do grande Julio César - e que vai se envolver com aquela cobra venenosa da Cleópatra.Logo ela,amiga de Michael,e que também morreu recentemente.E aqueles olhos hipnose-violeta....E você colocará tudo a perder!Começa por ali a decadência do maior dos impérios.Sou ocidental.Confesso ao chinês que resmunga.
O cinema e algumas de suas trilhas sonoras não me deixam sem afetação.
Taí um exercício analítico bem proveitoso.Aquilo lá é só um filme a mais.A incorporação dessa idéia pode nos salvar até no ou do próprio gargarejo.
Uma noite tentei.Simulei um pouco do exercício.Diante de um filme pesado,violento e excelente.Outro bom filme brasileiro.Amiga minha, e que aceitara o meu convite de ir às balas e pipocas ,levantou-se e foi ao banheiro.Estava nauseada.Afinal,flertara com Sartre por um longo tempo.Visto que demorava a retornar,levantei-me e fui lhe oferecer solidariedade de náuseas.Aproximei-me cuidadosamente da porta do banheiro das moças ,proibitivo porque desejado pelos homens, e lhe disse quase que num sussurro: " Calma.É só um filme a mais".
Após alguns segundos no meu relógio imaginário, a voz-resposta ressoa forte, quase uma soprano: " Vai tomar no c.....!!!!"
Depois dessa experiência,lembrei do artista genial que é Freud - gente como ele não morre- ao poder ouvir de um dos seus mestres,o hipnotista francês ,sem olhos violeta de Cleópatra,Charcot, ensinar-lhe sobre a magia do cinema da vida:'Teoria é muito bom,meu caro Sigmund, o que não impede que as coisas existam".
Feito a gravidade e o mundo.Girando entre pipocas e balas.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Mamãe está cozinhando

Um colega me lembrava sobre as confusões que a nossa prezada língua pode nos pregar.
A gente se esquece disso ,pois supomos que podemos nos comunicar pra valer.
Não sei tampouco se é vício de catequese antiga - com o perdão da redundância- ,mas a vontade enebriante de tentar convencer os outros de que aquilo sobre o qual estamos falando é também para valer,cega.
Queremos ganhar todas as discussões. Quando falo a um paciente,tenho que ter cuidado.Ele pode não ter noção alguma do que está sendo dito.E eu ,por aventura , e só por aventura de arrogância,tenho alguma?Aí,o moço silencia e eu acho que ele entendeu algo.Será?
A convenção estabelecida por nossa gente mais antiga de que aquilo que se diz é correlato biunívoco do que se vê é truque bem bolado.Mas é truque.
Temos que ter mais cuidado.
Indagava pois se aquilo que eu supunha enxergar era aquilo mesmo.
'Vocês tem que entender que isso é muito importante.Essa coisa esverdeada aqui ,bem aqui,diante do que chamo meus olhos,é verde mesmo'?
Nenhuma resposta me fora convincente,já que todos os que foram indagados olhavam-me como se estivesse lhes perguntando algo da ordem do absurdo.Repetia,repetia e nada.
Mas nada é o que mesmo?
Alguma resposta me fora dada.O fato da tal resposta não corresponder às expectativas minhas não quer dizer que estejam errados ,aqueles que de algum modo me escutaram.
Essa arrogância de reatividade é o que nos destrói.Juntamente com as vinculações amorosas de cepa cristã. E que nos fora dessas reações todas?
É extremamente difícil permanecer com certa frequência numa posição de menos afetação narcisista ,ou seja, numa postura onde os nossos gostos,nossos interesses,os nossos valores não interfiram.No pior dos casos, isso tudo que foi arrolado acima não só interfere como predomina.É o sintoma hegemônico.
E aí não consigo sequer sustentar a conversa sobre se aquilo lá que eu supunha enxergar era mesmo esverdeado.
Uma criança é uma formação inferior e que passa quase toda sua infância sendo humilhada.E é fácil entender isso,até porque os seus tesões,suas vontades,podem ser perigosas,deletérias para ela mesmo.Daí a tal repressão constante.Dependendo da frequência e da intensidade leva a todo tipo de neurose que bem sabemos.
Noutro momento,talvez mediado por mais uma confusão de línguas,o garoto me dizia entre sorrisos nostálgicos e sadismo peculiar, de quem ainda mantém um infantilismo indestrutível:' Tive uma infância muito feliz'.
Mas como?
Infância feliz?Isso existe?
Claro que sim.Se ele a disse ,ocorreu.
O fato das minhas recordações de pequeno mesclarem belezas e horrores não quer dizer que a de outrem não tenha uma média mais satisfatória!
Quando pequeno lembro,por exemplo,de viagens prazerosas e de partidas também bastante dolorosas.E as dores existiam pelo fato de que uma inadimplência de criança tem menores poderes.Tem lá os seus poderes,mas são pequenos em algumas regiões.Tal como podem ser gigantesco,os tais poderes inadimplentes, em outras.
Depois,os poderes vão crescendo e aí não vale mais culpabilizar somente outrem pela estupidez nossa de cada dia.Se bem que existe a variável fortuna ou sorte.Incidentes...
Mudei de cidade menino,sem querer.Frequentei igrejas ,do mesmo modo.Apaixonei-me pela primeira vez - fora aquela senhora mamãe - aos 14 anos.Não fui correspondido. E logo aquela filha da puta que me pediu ajuda ,num campo de futebol de salão,daquela superquadra da capital horrenda,com o meu skate exibido.Ela de patins e eu ,Romeo, de skate exibido.Não usava sutiã e pude ver os seus peitos.Lindos!!!Dias de banheiro ocupado por tempo indeterminado."Mamãe! Carlucho não sai mais do banheiro!!!!!!!!!!!!!!!!'- minha irmã única tendo ataques pelos corredores.
Minha irmã nunca gostou da minha nova paixão.Imitava o seu andar. E ela,a do andar imitado,tinha uma cadela Dálmata que se chamava Bianca.
A cadela ao menos gostava de mim.Abanava aquele rabo sempre que me via.Mas o rabo abanado que eu queria era outro.
Numa noite de Domingo (lembremos que o Domingo ,por causa do sintoma religioso pavoroso é a ocasião perfeita para se ficar deprimido), ficamos a conversar no parquinho recém inaugurado.Eu ,ela e um gorducho mais velho que se fazia de importante.Era o maconheiro oficial do pedaço.Péssimo aluno na escola,sua maior ambição era se tornar o maior maconheiro de todos os pedaços.Nunca mais soube dele.Aliás,dela e daquele repertório todo também não.
Aquela cadela certamente morreu. E aí não resta dúvida alguma sobre o que ocorreu e o que se pode presenciar e até predizer.A cadela,passados 30 anos ,morreu.
Os cachorros são assim.São mais simples e sabemos mais ou menos quando morrerão.Não criamos expectativas maiores acerca.Sabemos que muito provavelmente atravessaremos esse luto. A não ser que.....
Aquele coisa esverdeada,aquele carro verde,dentro do qual a moça que me encantei aos 14 anos voltava da escola ,todos os dias, a uma hora da tarde, era mesmo verde? Ou era só paixão e erro?
Ei!Mamãe está cozinhando!Tá bom ....Já vou! Quer ajuda?Não sei cozinhar.Não!!Você não entende! Ela caiu na panela e está realmente cozinhando!!!!Venha rápido,pois sempre será tarde e a gente não vai se entender ,por certo.