Marcadores

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Escritor sem público

Esse foi o título de um artigo de um ,parece-me , sociólogo Russo, publicado recentemente no jornal Folha de São Paulo.
O pensador Russo advertia para alguns aspectos ,na verdade alguns entraves, que faz com que os bons romancistas não consigam faturar mercadologicamente e os autores de 'best sellers' clamam, por outro lado, por algum reconhecimento de excelência nas costumeiras asneiras que escrevem.
O artigo é longo e a solução que ele encaminha é visivelmente marxista.Aliás, estão novamente na moda.Basta ver o prestígio de um Balman.
O que me chamou atenção foi que o texto surgiu a partir da declaração de uma poeta ,creio que também Russa e cujo nome não me recordo, declarando não gostar de prosas, pois elas sempre são marcadas por duas sentenças: " Oi , você está bem?".E ...'Você aceita uma xícara de café?'.
O autor então fica irritado e se pergunta se ela não gosta de café ou quem sabe é dotada de certa preguiça para textos mais longos.Se bem que existem poemas que mais parecem inspirações para operetas de tão extensos.
Eu,por exemplo, faz tempo, prefiro os textos mais curtos,mais enxutos.
Lembro-me do sacrifício que fiz para atravessar a obra de Marcel Proust.Genial,mas chato à beça.
Tudo bem que o laço de fita do vestido de Madame Verduran,uma das principais figuras proustianas, descrito em dez ,quinze páginas, condensa o livro quase todo,mas há de se estar realmente cooptado pelo estilo do autor.Senão, você desiste.Afinal, são sete volumes.
Recordo-me entretanto que foi aquela primeira cena, a do beijo de boa noite que, a mãe ocupada ao entreter os convidados que chegavam à casa,esquecera de dar em seu filho.É uma das primeiras passagens do primeiro volume, 'O Caminho de Swan" , e que me marcara de tal ordem que escrevi um artigo ,bem lacaniano à época, e que fora apresentado num simpósio de Psicanálise.O título do artigo era o "Beijo de amor".Título esse do qual não me orgulho muito.
Para quem iniciava um processo analítico , e que perdura até hoje quiçá para sempre, separações entre mãezinhas e suas crianças são munição bem calibrada para investigações,para varreduras.Infelizmente,é assim.Somos muito bichos para separações elegantes.
Minha morreu há quatro anos e eu estou tomado por suas aparições nos meus delírios oníricos.Ainda forneço muito poder a essa transa.Lamentável.
Se eu gosto de café?Sim.Passei alguns anos sem tomá-lo ,pois tenho temperamento - coisa que outros mamíferos também tem, agitado e acreditava que ficaria ainda mais insuportável, quer dizer, agitado ,com doses de cafeína diárias. Hoje, sou fã da cafeína.Estou envelhecendo.
Outrora na Etiópia, creio que ainda é importante produtordo fruto, beber café equivaleria a fumar um baseado, hoje em dia.Bebia-se café escondidinho...Século XIX se não me equivoco.
Pode parecer tolice ,mas ainda aguardo pelo meu texto.Aquele romance ou texto para teatro ou para se jogar no lixo ,isto é, na rede, na 'Web', que comecei e não prossegui.Rejeitei o fato de que a censura vem de fora. Fico antecipando-a eu mesmo.
Aonde foram os ditos escritores?Será que os poetas tornaram-se 'hackers' ,tal como indagou um colega meu?
Os chamados clássicos ainda sobreviverão?Quem se presta a ler ,por exemplo, 'A Divina Comédia' ou a obra difícil, devo lembrar, de James Joyce? Proust então....E o nosso Guimarães Rosa, uma espécie de Joyce brasileiro?Euclides, engenheiro literato, e seu árido e maravilhoso,não menos difícil de percorrer, 'Os Sertões'?
A última vez que falaram de Euclides da Cunha, na grande mídia, foi para encenar na TV os seus derradeiros dias de corno e assassinato sofrido pelas mãos de um sargento qualquer.Não creio que Anna da Cunha ,mulher de Euclides, fosse tão bela quanto a atriz que a interpreta, a belíssima Vera Fischer. E o Dilermando era tão somente um gaiato sargento bonitinho sedutor.Ficou famoso!Matou um herói!E foi absolvido pelas cortes supremas.Claro e também obscuro, até porque quem não é ou terá sido um escritor sem público?Escritores,pensadores, artistas todos , o mundo enfim, sempre estão a formar públicos. Depois, pode-se mudar de turma ou de autor.
Será que alguém vai ler isso?
Eu acabo para continuar.

domingo, 21 de novembro de 2010

Um anjo revelador

"O anjo exterminador" de Luís Buñuel é uma beleza de fotografia do que a nossa tão prezada neura de cada dia engendra,produz,multiplica.Multiplicai-vos, ó Cordeiros de Deus!!
E eles se multiplicam e invadem o edifício sagrado onde pastam seus súditos.Essa é a cena final do filme que fora lançado no início dos anos sessenta.
Buñuel genialmente, assim como alguns dos chamados surrealistas importantes, retrata com sutileza ímpar a nossa paralisia cerebral.
Tudo se passa numa festa ,da alta burguesia,onde se encontram importantes figuras com diferentes atividades profissionais.Por profissão leia-se também aquela senhora que organiza jantares, aquele vagabundo profissional que cafetiza a própria irmã ( o tesão dela por ele é visível) dentre outros egrégios cidadãos.
Jantam divinamente.Os empregados, movidos por uma ansiedade curiosa, saem bem antes da festa acabar, exceto um: aquele que vos serve.A bebida cara e preciosa continua a circular e as seduções e provocações ditam o ritmo do baile.
De repente, alguém toca uma bela música no piano branco e a partir daí todos são reféns uns dos outros e de si mesmos.Na verdade, sempre estiveram reféns.
Recusam-se a sair alegando não conseguir.Passam-se dias,semanas e a degradação e muito do comportamento animal que nos compete emerge: assassinato, traições,conspirações, roubo...Também existem os mais nobres,apesar de raros, tais como a consideração, a generosidade,....E emerge ali,naquele belo salão ,daquela bela casa, com aqueles convivas ,alguns até eruditos.
E porque não saem da casa? Da mesma forma como entraram,ou seja, por aquela imensa e bela porta principal ou até - mesmo que isso custasse uma certa ferida narcísica para gente tão ilustre- pela porta dos fundos?
O culpado passa a ser o dono da casa ,afinal, quem mandou convidar para aquele teatro efetivo aquele bando de animais?O sujeito é um cavalheiro e corno também o é ( Na verdade está ,já que o filme um dia acaba).Sua digníssima senhora mantém um romance com amigo bem próximo.
É mais ou menos o que ocorre numa análise ,onde o analista é sempre o culpado pelo analisando estar em análise.Ele só se esquece, ele ,o analisando, que foi ele mesmo quem procurou o analista.
De onde não se quer sair?Por que tanta recusa?
A exemplaridade do filme é relembrar que estamos condenados a uma não saída radical.O simples fato de buscarmos o que não há e nunca haverá - chamemos isso de transcendência , Nirvana, Paz Absoluta,Gozo Absoluto,completude, etc - nos prende às ferragens do haver. Porém, ali a descrição é também a da baixaria dos vínculos afetivos, da recusa em deslocar alguns comportamentos, hábitos, conceitos, enfim , de sair do lugar em que se pasta faz tempo.Por isso a presença daqueles animaizinhos no "casting".
Ele encerra o filme repetindo o aprisionamento ,dessa vez após uma missa ,numa igreja católica.
A igreja,qualquer uma, certamente é uma formação extremamente recalcante,opressiva ,reacionária,mas não há imperativo algum, ao menos no Ocidente em tempos pós inquisições, que faça com que não se possa dizer não a tudo de nefasto que ela apregoa e mudar de partido.
Quem faz aquele bando de gente rememorar a posição em que se encontrava ,antes da paralisia, após a bela música tocada no piano ,daquela bela casa,daquele belo jantar,daqueles convidados , foi a moça que ,segundo as boas falas, era virgem.Intocada em certo ponto,mas não é daquele pontinho embaixo que se trata, ela pode se distanciar um pouco da estupidez vigente e apontar uma saída.Ela na verdade não era virgem, ela era tão somente e solitariamente alguém mais disponível para olhar o que não se queria ver, a tal obviedade.Recalque demais estupidifica,paralisa, adoece,mata.Não produz,por exemplo, uma obra como a de Buñuel.
Então uma virgem que transa diz: quanto mais cedo inicio um processo de análise mais portas se oferecerão ao meu périplo de retornar sempre para dentro e para dentro e para dentro.Logo, tornei-me uma saída.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Paranóias urbanas

Quando saio à rua de minha cidade louca,armado de atenções paranóicas, recuo o passo ainda seguinte, escutando o silêncio de certas oitavas.Acho que uma sirene acaba de passar.E ela prossegue sem que eu jamais a alcance.