Brasília completou 50 anos .Poucos, talvez, ainda permaneçam incrédulos ,mas a capital do país fica no planalto central,Estado de Goiás,no meio do mundo.
Foi sonhada numa das nossas constituições e reclamada por um homem em comício presidencial. JK, que também era marca de automóvel, ouviu a prece e cumpriu a promessa.
Construída em tempo recorde , o delírio-maravilha de Lúcio e Oscar ganhou quadras,catetinhos palacianos ,lago artificial ,monumentos.Cinquenta anos em cinco era lema Jusceliniano.
Enquanto carioca -apaixonado-bairrista (isso tudo é substantivo superlativo),mas com vergonha na cara, espiei Brasília aos 10 anos de idade quando para lá me mudei com a família,nos anos 70. O Plano Piloto que abarca as asas Sul e Norte ,seu Lago imponente, a região central e outros tais, não estava completa. As super-quadras do final da Asa Sul não tinham comércio e endereços como 114 Norte ,por exemplo, só existiam nos projetos de então. Olhei Brasília e fiquei perplexo! Primeiro porque me roubaram o oceano. E ele me era caro,pois ali me banhava desde sempre.Aquela brisa Bossa-Novista de Ipanema se encarregava da sonoplastia.E eu a tinha perdido.Por quanto tempo? E os meus coqueiros?E o Meu Maracanã? E a minha região serrana vizinha?E os meus prezados amigos de recreio escolar?" Menino!? O que você mais gosta de fazer na escola"? - perguntava alguém que não sabe conversar com criança. E eu lhe respondia sem fingimentos: "Fazer bagunça".E a minha bagunça?Subiu o planalto?
Acostumado a não dizer a verdade quando o tema provocava polêmica e discussão,meu pai fez o que costumava fazer :mentir um pouquinho.
- Acredito que ficaremos uns quatro anos.
Depois de oito anos ,pulei fora de volta para minha pátria ....mas aí é outra história.
O que importa aqui é que a perplexidade permanece na minha retina e suas recordações seletivas.
Aqueles prédios horizontais de 6 andares e as tais quadras que me lembravam casernas camufladas foram um choque estético.Achei tudo um horror,exceto o apartamento a ser habitado que era - e ainda é - ótimo.Grande,bem dividido,um belo jardim à frente,tudo novinho.Acho até que a minha família reside mais num apartamento do que na cidade.Parece que o tal imóvel é algo transcendente á cidade.
O certo é que havia até uma empregada loirinha,magrinha,educada. Pensei: Brasília é igual a Suécia?AH! Havia também um amigo que me aguardava na garagem. Foi um dos gestos mais generosos que recebi .Lá estava o vizinho que morava no andar abaixo, nascido em Curitiba,criado em Recife,morador do Centro-Oeste.Era uma babel. Na garagem,somente um ou dois carros portavam orgulhosos placas com o nome da cidade-capital.Os demais eram todos oriundos do Rio,São Paulo, Minas Gerais, Paraná e até da cidade de Manaus existia.
Sorrindo,convidou-me para jogar bola,mas educadamente recusei.Estava em choque. A desculpa no entanto foi o cansaço da viagem.Viagem esta que for feita em dois dias com um carro-herói abarrotado de tralhas e saudades. Uma prima fora conosco e nos entretinha com truques da nova dúvida que brotava em sua mente : comunicar-se com os mortos.Tinha até um copinho ,uma mesinha ,um violão....
Levou algum tempo até que eu me adaptasse àquela geografia inusitada.
O primeiro passeio foi a uma loja imponente que lembrava a falecida e cosmopolita Sears.O trajeto em zigue -zague de SQSs e balões -aqueles círculos enormes que funcionam como sinalização para os carros contornarem ,dobrar à esquerda ou direita, etc- foi feito em tempo demorado já que o pai não sabia dirigir tão bem pela nova cidade-adolescente ,à época com 15 anos.
Brasília cresceu e perdeu mais do que adquiriu.Nesses tempos iniciais as casas do seu vistoso Lago Paranoá tinham cercas vivas.Não se via grades,muros altos. Parecia cenário de filme norte-americano. As garagens dos blocos ,que é como se chamam os edifícios, mantinham destemidamente seus portões abertos. A brincadeira moleque era invadir as garagens vizinhas,sobretudo as garagens militares, comandando um bando de guris e suas bicicletas.
Bicicleta mundo afora,bola de gude, estilingue,subir em árvore,ficar todo sujo daquele barro mais que vermelho eram atividades regulares e novidades para um garoto de cidade grande. Isso foi impagável.Assim como dirigir sem habilitação , aos 15,16 anos . a fim de se exibir para os amores sonhados."Ei JK? E aquela menina-morena-cor de Goiás pode ser minha'? Como pode um peixe vivo..
O primeiro pileque, a primeira transa....
O Planalto deixou marcas ,além do pôr do sol único.
Ano após ano,nesses últimos 26 do meu retorno à pátria +ou - gentil ,retorno a Brasília para rever parentes ,alguns amigos e me desiludir com essa outra cidade. A Brasília que teve encantamento para mim ,descobertas,mudanças ,infelizmente,morreu. Hoje , tornou-se uma grande cidade - mais de 1 milhão de veículos, com direito a todos os horrores que um sanatório desse porte possui. A celebração que houve ,nesse 21 de Abril de 2010, foi patética para quem não é sonâmbulo o tempo todo. A cidade modelo atravessa a pior crise política de sua história tão recente.
Define-se um grileiro como alguém que se apossa de um terreno,de um pedaço de terra com documentos de posse forjados,escrituras de propriedades falsas.
Na capital cinquentona,o que não deve ter sido muito diferente em outras cidades desse país, a grilagem é instrumento de campanha política e exercício de poder oficial. Daí , a sua gradual destruição.
A quem culpe o surgimento de Brasília, nova capital do país, pelo esvaziamento político-econômico do Rio de Janeiro,antiga capital. Creio que foi um fato importante ,mas nenhum candango foi responsável pelas eleições de algumas figuras desprezíveis para o comando da política fluminense.Foram duas décadas de desmando no nosso oceano.Com a nossa cínica conivência.
E o cerrado sonhado vai perecendo. Haja galho de arruda.
quinta-feira, 22 de abril de 2010
domingo, 11 de abril de 2010
Acomodações e conforto.
Nada como um temporal para nos tirar o chão.
Acostumados a uma certa previsibilidade desejada , a uma simetria ilusória, os nossos hábitos narcisicamente bem mantidos desabam quando a chamada natureza - que sempre foi afeita à chiliques - balança as suas estruturas, as suas fundações.
O que se viu por toda a cidade do Rio de Janeiro , em Niterói e outras cidades da região metropolitana ,nessa semana que se encerra - já são 229 mortos- ,foi o pânico instalado ou o cinismo, denegatoriamente sustentado , por parte daqueles que supõem que a cidade que lhes atinge, a cidade que lhes habitam ou são, restringe-se ao seu condomínio,ao seu bairro,ao quiosque em frente sob a brisa do mar de porre.Ela tem dimensões bem maiores e humores e horrores também.
No caos de uma quinta-feira sinistra,deslocava-me pelas ruas que voltavam a se banhar despudoradamente ,sem se incomodar com as testemunhas aflitas que lhes fazem companhia diária.
Aquele tráfego não deslanchava ,mas algo estranho ,pouco usual, ocorria.Havia uma solidariedade perdida no tempo.De repente,mediante férias coletivas do poder público que,deveria se apresentar justamente em estados de exceção , os habitantes tomam as regras nas mãos.Motoristas deselegantemente molhados passam a orquestrar o tráfego.O som do apito vem de dentro dos seus atos.Eles gesticulam e modulam os sons dos motores.Acalmam os mais afoitos.
Qualquer carioca tem com enchentes algum parentesco dantesco.Eu mesmo nasci sob a égide das tormentas.
No verão de 1966, o número de mortos chegou a 300 e com mais de 2o mil desabrigados.Meus pais chegaram num pequeno bote à Clínica Santa Lúcia,em Botafogo, pois não era possível acessá-la de carro ,táxi ou qualquer outro veículo gravítico.Tinha que ser uma formação anfíbio para ajudar o boneco aqui nascer lá. Quem diria : a minha primeira parteira foi um bote.
Na mesma quinta-feira ,ainda não virei a folha, eu liderava um bando de aflitos em direção a um lugar _quem poderia saber ao certo qual ?-,um pouco mais seco. Dirigia na frente e suspeitava daquela gentileza toda que os meus vizinhos motorizados dedicavam a mim.O que seria aquilo? Ingenuamente fiz a suposição de que estavam tão aturdidos que paralisavam-se a si próprios.Não é impossível tal suposição ...Só que ,burro velho de outras cheias, comecei a realizar algumas pequenas manobras,deslizando feito patinador artístico e percebi então que eu era o mais novo boi de piranha ou isca, do mercado ,na noite dessa mesma quinta-feira na cidade ex-maravilha.
Eles só estavam aguardando pela minha falha,pela minha falência motora para decidir se atacavam também aquelas poças convidativas a mergulhos incertos.Nada mais normal. Afinal, sobrevivemos às custas das nossas estratégias. E é assim que foi e assim é que será.Ao menos nos próximos 100 anos.....
Acostumados a uma certa previsibilidade desejada , a uma simetria ilusória, os nossos hábitos narcisicamente bem mantidos desabam quando a chamada natureza - que sempre foi afeita à chiliques - balança as suas estruturas, as suas fundações.
O que se viu por toda a cidade do Rio de Janeiro , em Niterói e outras cidades da região metropolitana ,nessa semana que se encerra - já são 229 mortos- ,foi o pânico instalado ou o cinismo, denegatoriamente sustentado , por parte daqueles que supõem que a cidade que lhes atinge, a cidade que lhes habitam ou são, restringe-se ao seu condomínio,ao seu bairro,ao quiosque em frente sob a brisa do mar de porre.Ela tem dimensões bem maiores e humores e horrores também.
No caos de uma quinta-feira sinistra,deslocava-me pelas ruas que voltavam a se banhar despudoradamente ,sem se incomodar com as testemunhas aflitas que lhes fazem companhia diária.
Aquele tráfego não deslanchava ,mas algo estranho ,pouco usual, ocorria.Havia uma solidariedade perdida no tempo.De repente,mediante férias coletivas do poder público que,deveria se apresentar justamente em estados de exceção , os habitantes tomam as regras nas mãos.Motoristas deselegantemente molhados passam a orquestrar o tráfego.O som do apito vem de dentro dos seus atos.Eles gesticulam e modulam os sons dos motores.Acalmam os mais afoitos.
Qualquer carioca tem com enchentes algum parentesco dantesco.Eu mesmo nasci sob a égide das tormentas.
No verão de 1966, o número de mortos chegou a 300 e com mais de 2o mil desabrigados.Meus pais chegaram num pequeno bote à Clínica Santa Lúcia,em Botafogo, pois não era possível acessá-la de carro ,táxi ou qualquer outro veículo gravítico.Tinha que ser uma formação anfíbio para ajudar o boneco aqui nascer lá. Quem diria : a minha primeira parteira foi um bote.
Na mesma quinta-feira ,ainda não virei a folha, eu liderava um bando de aflitos em direção a um lugar _quem poderia saber ao certo qual ?-,um pouco mais seco. Dirigia na frente e suspeitava daquela gentileza toda que os meus vizinhos motorizados dedicavam a mim.O que seria aquilo? Ingenuamente fiz a suposição de que estavam tão aturdidos que paralisavam-se a si próprios.Não é impossível tal suposição ...Só que ,burro velho de outras cheias, comecei a realizar algumas pequenas manobras,deslizando feito patinador artístico e percebi então que eu era o mais novo boi de piranha ou isca, do mercado ,na noite dessa mesma quinta-feira na cidade ex-maravilha.
Eles só estavam aguardando pela minha falha,pela minha falência motora para decidir se atacavam também aquelas poças convidativas a mergulhos incertos.Nada mais normal. Afinal, sobrevivemos às custas das nossas estratégias. E é assim que foi e assim é que será.Ao menos nos próximos 100 anos.....
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