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quinta-feira, 23 de maio de 2013

E vai rolar a bola.

O futebol é uma batalha de meninos. Nos EUA e nos países escandinavos as mulheres também o praticam com afinco. Pelos nossos cantos tropicais tivemos uma Pelé menina, chamada Marta. Teve que se mudar para a estranja a fim de ganhar o seu dinheiro merecido. Modalidades esportivas que não gozam de muita popularidade e que não incomodam a patifaria, que comanda o jogo oficial e a patuleia ignorante que lhes confere prestígio, não sobrevivem por muito tempo. Acariciam a vaidade dos dirigentes e seus cúmplices- nós que já nos chamamos de Voyeur e viramos torcedores por causa de um lenço de seda massacrado por uma dondoca nas Laranjeiras, bairro carioca,  início do século passado, quando triunfam com medalhas, troféus e titulações.
Aquilo é uma guerra quase insana se não fosse o apito final de quem arbitra. Ali, saímos carregando as nossas loucuras, as nossas neuroses ( ou coisa pior), as nossas projeções paranoicas  o nosso amódio. Organizamo-nos em bandos desorganizados. Pagamos o preço que for para a catarse final. Aturamos a espera em longas filas, em busca do ingresso salvador. Felizmente, ela pode passar. Para retornar em algum momento pós jogo, pós batalha. É uma espécie de cessar fogo, armistício esportivo. Uma trégua pois a guerra não pára. Jamais. A paz almejada seria o gol absoluto!!!!Marcado à moda do chefe, ou seja: à moda do torcedor. No penúltimo minuto. Penúltimo porque se fosse no último não se poderia contemplar o sofrimento do adversário maldito. O time oponente aflito, desesperado, sofredor. Seus torcedores molhados pelas lágrimas de ódio, raiva, uma nova desilusão. Um esquema tático imbatível no que diz respeito à vingança perversa.
Um aforismo célebre de Clausewitz, citada pelo Francês Foucault em sua vasta obra, afirma que a política se tornou uma continuação das guerras através de outros meios, outras mediações. Há de se pensar sobre, mas em princípio concordo. É uma batalha disfarçada por parlamentos, ministérios, secretarias de Estado, poderes judiciários com seus supremos seres, embaixadas, cinismo geral e a ilusão de que se pode se fazer representar por outro. Não pode. Outro é um outro. Você adere, aposta, faz coro, financia, mas aquele fulano ou fulana lá, gêmeo univitelino, constitui uma outra Pessoa, uma outra formação. No gol absoluto, no narcisismo absoluto do espetáculo, o outro vira ele mesmo em última instância. Mas na partida do dia a dia o que se tem é aquela outra forma de haver. Pode ser parecidíssima, mas é uma outra coisa. Estamos no teatro da vida.
O jogo de futebol, popular pelada uniformizada, tem todos os ingredientes para se tornar uma batalha campal. Se você disser a um estadunidense convicto que ele não passa de um 'mother fucker', ele ou ela podem lhe dizer impropérios de volta. Mas se você lhes disser que eles são uns 'losers' prepare-se para o bombardeio devastador, para uma invasão bélica com tropas e tudo. O argumento: você usou armas químicas devastadoras contra a nossa arrogância expansionista, imperialista, ainda que jamais encontradas essas armas, anti-esportivas. Se as encontrarmos a forca será o destino de vocês. Um gol quase absoluto. Seu fim, sem a vossa presença. Essa história de julgamento, tribunais internacionais, funcionam para os outros, o tal narcisismo baixo. O velho-oeste impera e pronto. O atacante que batia escanteio e achava que podia chegar a tempo na área de jogo para cabecear, Saddan Hussein, que nos diga. Não pode mais. Nunca mais. E o nunca mais é fundamental pois traduz a irreversibilidade do resultado final, arbitrado pelo fantoche com apito na boca. Fantoche necessário.
Nos jogos profissionais não conseguimos ter o mesmo nível de civilidade que muitas peladas, aquele jogo sério e de brincadeira de todos nós meninos/meninas, no qual quem arbitra são os atores principais do jogo, isto é, os soldados peladeiros.
Certa vez, uma colega me dizia que para alguns estudiosos da obra do vitalista genial, peladeiro alemão, Sr. Nietzsche, esse fato, esse reconhecimento de solidão radical e de que cada um que se vire com todos os outros, exemplificaria um dos seus mais importantes e polêmicos aforismos em que nos diz que Deus está morto. A pensar. Na brincadeira, seríssima, Salvador Dali pintava e bordava: 'Se morreu é porque houve. Então serei católico agora'.
O certo é que a gente tem que se virar, driblar, pois estamos sem a sagrada companhia de fato. Somente de direito. Podemos requisitá-lo, falar o nome.. De direito portanto temos todos os direitos de evocar o que bem se quer. Com o devido custo a ser pago, obviamente. Sem as cômodas mediações,  sabe-se eu fazer gol a favor?
O jogo de bola tem apitaço e nos outros jogos existe o pistolão ( pull the strings para os estadunidenses que atrelam isso à ações  não muito legais. Sobretudo, levando-se em conta que  a cultura por lá valoriza certos méritos).
Vem à mente o primeiro clássico futebolístico que se viu ao vivo. Não foi um Flamengo contra o resto todo - time escolhido desde pequeno- , e sim um Vasco da Gama - chamado de Vasco da Grama nesses 8 anos de vida de então, por ignorância histórica, mas com lógica pertinente-  contra o time do Mané, o Garrincha: Botafogo, o seu nome. Resultado final: 3x2 para os gramáticos do Vasco. O tento derradeiro fora feito pelo atual Presidente do Clube e que tinha Dinamite nos pés. Havia campeão mundial jogando nas quatro linhas e no banco de reservas um deles, o mais célebre Lobo do futebol brasileiro, comandando o time, O ano marcava 1974. Além do mais, os gramáticos acabavam de se consagrar campeões do Brasil, no dia do aniversário de um primo que era torcedor- sem lenços de seda a prantear- do clube de origem lusitana.
Um dos amigos que estavam no estádio a fazer companhia era irmão da minha primeira Rosa importante. Seu nome era Jorge. E se não era, passa a ser. Era bonito e calado. Quando se indagava sobre a irmã, ele tornava-se  feio e falastrão. Revirão sem mediação no corpinho mediano juvenil. E tinha cabelos negros com franja. E eram lisos. Tentava-se seduzir o rapaz porque o alvo desejado não estava presente. Aprendi depois de muitos anos que ele jamais estará. Aprendi, mas não se está confortável,. Não se conforma e persiste-se.
A brincadeira séria de gente grande era essa. Era o jogo da pátria. Calçava as chuteiras para fazer o gol. E quem não soubesse calçá-las com destreza sofria nas mãos das outras crianças e suas perversões.
Deus portanto tinha porta-vozes futebolísticos, decantados e uniformizados. Gritávamos seus nomes. Os clubes de futebol profissional  pertenciam a uma multidão de loucos que se achavam proprietários dos seus projetos, dos seus destinos. Eles eram de tal time. O que é curioso, pois os proprietários costumam ter coisas e não sê-los. É a herança cartesiana-judaico-cristã do verbo ser e suas ontologias que confundem a todos. Desde que os irmãos Wright- estadunidenses 'no losers'- e Santos Dumont colocaram asas na  espécie-homem que a humanidade resolveu se borrar um pouco mais de medo diante das disponibilidades atectônicas,ou seja, sem chão por um tempinho. Sai pra lá gravidade! Mas a gente retorna, porque não há outro jeito. Dr. Nietzsche tinha razão com o seu eterno retorno.
Foram muitos jogos. Um dia a pátria de chuteiras, expressão de Nelson Rodrigues, celebrou o que virara sonho, fantasia, isto é, outras formas de realidade. Conquistou-se o mundo da bola. Presenciei 3 desses feitos. Ainda que na primeira vez, fosse uma criança carregada nos ombros da euforia alheia. Eram só 4 anos de idade e a memória ainda se debatia entre lobos frontais e afins e um hipotálamo zagueiro, daqueles que resguarda o resto do time e suas conexões sinápticas, sobre projetos futuros. Feito torcedor com seus lenços. Hoje temos as bandeiras enormes, vuvuzelas insuportáveis, cânticos de guerra. Há de tudo nessa guerra. Inclusive certa beleza. Um soldado que passa a bola para outro soldado que não ama o soldado do time contrário. Ciranda de  Carlos Drummond de Andrade na negativa. Teria o general Clausewitz apitado algo? Um tiro de canhão na nossa arrogância?
Já que não há  a pelada D'A PAZ possível e eterna, estando-se presente, qual será a batalha menos comprometida, menos destrutiva, a mais profícua a se jogar , a construir novos craques soldados, aqui e agora?
 O árbitro se retirou antes do apito final.

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