Fatos e eleições.
O ato de votar se torna algo quase sagrado no que diz respeito àquele ou àquela que por alguma convicção pessoal, ideológica, conveniência ou sobrevivência, mediante a obrigatoriedade desse ato imposto pelos códigos de conduta junto à sociedade brasileira, dirige-se às urnas. Antigamente, elas não eram eletrônicas, e sim jurássicas para os padrões atuais. Lembremos do velho e querido orelhão que vinha a ser aquele telefone público enorme e que também funcionava como guarda-chuva para pedestres desprevenidos. Foi bastante útil. Foi. Também não deixemos de recordar que existe o cinismo oportunista e/ou lamúria patética diante de uma possível derrota anunciada.
O quase sagrado resulta por sua vez das posturas populistas, assistencialistas e do me engana que eu gosto típico do modo de existir da maior parte da nossa população. As precariedades em quase todos os níveis de civilidade mínima da nossa gente reforçam esse fato. Funcionam para isso mesmo há décadas e décadas.
Luiz Antônio Simas, historiador, escritor e observador sofisticado dos fatos, já disse que não há nada errado com o país. Se pesquisarmos um pouco mais, encontraremos muitas pistas que apontam para isso. Botafoguense histórico, Simas, concordaria com Nelson Rodrigues, Fluminense, e o seu óbvio ululante.... Para quem sabe observar com cuidado, sem chiliques reativos. Recentemente, obra importante de Laurentino Gomes sobre a Escravidão esclareceu ainda mais sobre o tema que denegamos desde sempre.
O eleitor médio brasileiro supõe, engane-me que eu me iludo bem feliz, que se vota em messias, ‘Padres Cíceros’, em substituição às figuras monárquicas, realezas, que já partiram há mais de dois séculos. Contudo, restaram não somente no imaginário das pessoas. Agora pouco, duas semanas atrás, morbidamente, trouxeram o coração de um Pedro, o Primeiro, para ‘descansar’ em paz na terra Brasil. A televisão mundial também aprontou das suas: vestiu-se de luto por pelo menos 10 dias por conta da morte de uma rainha britânica. Monarquia com aquela opulência toda em 2022, século 21, depois do moço (D.M). Para quê? Aonde pensam que vão? Para trás? Para frente? Sei não...
Na pandemia isso ficou mais claro, sobretudo, nas posturas horrorosas de quem, mesmo que se soubesse tratar de falso comandante, deveria, ao menos, oferecer exemplo de civilidade. É obrigatório, portanto, votar para escolher mandatários do poder legislativo e executivo nacionais. Por conseguinte, alguns mandatários em tribunais superiores serão indicados posteriormente pelo presidente eleito, etc e tal. Logo, não é algo pequeno ou irrelevante. Estão aí os três poderes da praticagem política constituídos oficialmente. Em espírito e elevado à condição legal.
Autores importantes sobre as nossas transas políticas afirmam ou afirmavam que, como é o caso do saudoso Wanderley Guilherme dos Santos, se o voto obrigatório deixasse de existir, o desinteresse político só aumentaria. Isso tem sido notado em alguns países que adotaram o voto facultativo, há menos tempo. É o caso do vizinho Chile. País que atravessou uma ditadura sanguinária até o fim dos anos 1980. Apesar dos especialistas do mercado da grana considerarem isso um detalhe insignificante. ‘ O país cresceu economicamente’- avisa o deslumbrado ao pisotear uma série de cadáveres. De qual economia se trata? O que é crescimento para um país? É só financeiro? E para aqueles de sempre? Os mesmos sócios? A mesma concentração absurda de recursos para número cada vez menor de pessoas? Em todos os campos. Uma singela indagação:
Será que a propaganda brasileira considera apenas 3 ou 4 figuras midiáticas capazes de fazer boa figura na divulgação dos seus produtos? O meio artístico se ferrou nessa pandemia tal e qual outras artes, outras atividades. A população é que decide, mas quem sabe hipnotizá-la sabe o suficiente sobre as maldades e suas demandas e receitas...
O canibal americano, título de série televisiva contemporânea, está em alta junto aos conhecidos queridos/as e não é ficcional, isto é, não foi baseada tão somente nas impressões e delírios de um certo escritor, roteirista ou um amontoado disso tudo. O cara esteve. Matou e comeu à beça, o Tupinambá estadunidense.
Não precisamos tão somente recorrer ao cinema. Nosso cotidiano tem monstros do mesmo tamanho. Mudam apenas as guloseimas, os quitutes, os órgãos. Fetiche é sempre fetiche independente das partes envolvidas. E toda fantasia é sexual. Na série brasileira, Rota 66, baseada no livro de uma jornalista pra valer, Caco Barcelos, constatamos a existência de alguns dos nossos canibais oficias. ‘Serial Killers’?- indagaria alguém vindo de longe ( Quem sabe alguém recém saído dos funerais da rainha mãe?).
Patifarias à parte (olha o monstro aí de novo), o voto termina sendo inconsciente em última e primeiríssima instância. Tem que se mapear muitas formações de um prezado/a eleitor/a para sacar o que real-men-te ( Chacrinha na área. Se ele aparecer para votar é fraude; porém, já deu pinta mais de uma vez em votações políticas da agremiação esportiva da qual era seguidor) está no comando da sua, da tua, da minha, da campanha dele/a.
As campanhas são sofríveis tal como os debates. São poucos os que estão interessados nos programas de governo ou nas plataformas dos parlamentares candidatos. Nessa discrepância abissal e social do Brasil, o interesse é pelo conflito, pela discórdia, pelo xingamento, pela boçalidade, pela avacalhação geral. Há quem considere que esse movimento tenha que acelerar para poder avessar, passar ao contrário radical e rapidamente. É uma boa perspectiva, mas confesso receio considerável. Quem tem certa anatomia, tem medo?
Porque nada garante que aquilo que virá será algo bom, belo e barato. Se na micropolítica das análises pessoais há de se ter muita cautela e prudência no que tange ao manejo do tratamento, no que diz respeito ao macro então... A loucura é muito maior do que se imagina ou gostaríamos. Pós pandemia houve uma intensificação de sintomas nada meritocráticos. Justificáveis, assim os reconhecemos. E tantos outros que ainda estarão por vir, em potência ou vigorando e a nossa precariedade no olhar e na escuta não estão dando conta. Nosso tempo próprio, ficcional, indica que quase tudo é da ordem do tarde demais. No tempo de Freud era ‘um só depois’-
Certa vez, um gringo me dizia que uma pequena mostra do bom nível civilizatório de um povo poderia ser observado no funcionamento do chamado trânsito, ou seja: o nosso deslocamento; nosso momento nômade no cotidiano. Seja através das limitações das nossas pernas e afins bióticos ou através das nossas pernas mecânicas (carros, trens, ônibus, barcas, motocicletas, pássaros voadores mecânicos e, salve salve, a internet). Essa última viabilizou nossas viagens mais longas, duradouras, inimagináveis para certos períodos da história, e viva, viva, passeios com boa preguiça. Pode-se alçar esse voo sem sair da cama. Mas o esforço para que chegássemos até aqui, esses avanços, foi brutal. Houve sangue; teve guerra.
Catequeses, santinhos e esses desencontros-debates são quase nada contemporâneos. É um mundo que já foi. Sem futuro profícuo algum. Aqui entre em nós: é um mundo muito chato, cafona, tosco. Semelhante a quem ‘comanda’ o país. Diria que é mundo- perversidade.