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domingo, 30 de janeiro de 2011

Napolitanas

Napolitanas
Abri a janela e do alto daquele prédio,recém modelado, avistava as pessoas estrangeiras que se moviam.
Na cidade napolitana ,cuja má fama por vezes não lhe faz justiça ,os pedestres se movimentam caoticamente tal qual gente de toda parte.
Fazia frio. Gosto do frio. Considero o inverno,sem maiores exageros térmicos ,uma estação de pessoas civilizadas. E nós brasileiros mantemos um bom hábito,mesmo no inverno, que é o de nos banharmos cotidianamente. Brasileiro é bom de banho. Herança de índio. Não gosta muito de lavar as mãos,mas as partes mais abaixo recebem sempre atenção devida.
O pior nesses momentos gelados é cruzar com alguns estrangeiros do leste europeu que parecem chegados de uma era glacial e com eles a carregar o odor de alguns dias ou semanas sem se banhar. Todos tão elegantes em seus trajes pesados e fétidos. E aquela língua que eu nem sei ao certo se vem do Leste ou Oeste,mas que agride os meus ouvidos. Seria porque aquilo ressoa mal,esquisito?Ou porque a desconheço? Narcisismo ofendido?Não. Acho-a feia mesmo. E não é tampouco por não ser uma língua latina,pois gosto do inglês. Considero aquilo abrupto,gélido e seco feito as tundras que lhes cercam.
Mas o estrangeiro aqui sou eu e eles,que estão ali embaixo da sacada do quarto do meu hotel,já perceberam. Reparo nos olhares que lançam sobre a minha carne, e mesmo tentando seduzi-los ao pronunciar frases em seu idioma ,não os convenci. Sou estrangeiro. Além do que ,eles mantém um dialeto próprio,singular,do qual se orgulham. O resto do país não.
Na condição de estrangeiro me deixo captar por aquele senhor já idoso que anda cabisbaixo,casaco pesado a vestir,falando para o ninguém. E o ninguém até que tentou lhe responder,mas ele ,passos apressados ,apesar do tempo percorrido,prosseguiu. Estaria triste?O que faria daqui a pouco?O que teria feito desde então?
Atravessei o oceano por cima e agora desejo saber sobre a vida de um senhor andarilho que passa. Era um senhor grisalho,cabisbaixo. Esqueci de alguma coisa por relatar?Sim. O senhor em questão carregava um jornal amassado e um guarda chuva .E para quê?Faz sol,apesar do frio, e a temperatura está agradabilíssima. Vai ver que ouviu algo no noticiário matinal e se previne para o fim do dia, para o fim do mundo. É comum que funcionários da aeronáutica italiana discorram sobre o clima nos canais televisivos. E sempre fardados. Deve ser fetiche de telespectadora. Porém, a imagem do moço fardado a contar histórias sobre nuvens e frentes quentes e frias impressiona a quem se acostumou a ver belas mocinhas e suas saias ensolaradas a fantasiar meteorologias. Somos carnavalescos.
Esse senhor pode ser um homem sábio e sabe muito bem sobre os perigos climáticos,sobre os chiliques de um vulcão. O Vesuvio ,ali bem pertinho,não morreu ainda.
Agora,eu o perdi de vista. Teria virado pedra feito seus antepassados em Pompéia? Mas quem garante que ele tem antecedências em Pompéia? Quem garante que ele não é tão estrangeiro quanto eu?Será que ele virou algum Deus?
Ah!Lá está o desgraçado. Bem na esquina onde repousa um Café chamado ...Brasil. Quis o haver e alguns dos seus caprichos que diante do hotel existisse um Café chamado Brasil. Só de pirraça não passei sequer na porta,mas ele há e o velho também. E continua ali. Olhando para os lados e torturando ainda mais aquele pedaço de jornal,agora um trapo. Bebe alguma coisa e gesticula. O ninguém,que é quase tudo o que está a sua volta, parece lhe dar alguma atenção. Pouco importa.
Sumiu de novo. Agora, acho que para sempre .Cansou até mesmo de mim e desse voyeurismo impertinente. Não o vejo mais. Talvez para nunca mais. E isso é o que ele pode me apontar ao sumir e reaparecer : nunca mais. E não há nenhuma melancolia nisso. Só o fato de que nunca mais.
No Café Brasileiro,esteja ele onde estiver, peço uma bebida e gesticulo com nada nas mãos. Peço numa língua brasileira ou seria brasiliana? Não. É brasileira. E todos os zé-ninguéns que, são todos os outros além de mim, encaram-me com o mesmo olhar de outrora. Com o mesmo olhar do velho observado e que agora finalmente diz: estrangeiro.