Tentei.Liguei algumas vezes.Liguei algumas vezes porque não obtive resposta desejada.Resposta desejada?Que diabo-santo é esse?É tão somente o que você ,feito qualquer criança,quer aqui e agora e quero mesmo e pronto!
Já se iludiu,portanto está errado.Querer a resposta certa é no mínimo subestimar o que virá do lado de lá.Já antecipou resultado incerto.E todo resultado a priori estará incerto.Estará,realmente,errado.O resultado certo,mais ou menos aproximado do que se diz CERTO ,virá depois.Logo,estamos sempre em atraso com relação às tais ditas certezas.
Certezas...Ah! As tais certezas imprudentes que já levaram mentes brilhantes a crer até mesmo no número primo,nas razões do número de ouro de Fibonacci ,enfim,a Matemática discorrendo sobre as razões do haver.E todos caímos perigosamente nessas armadilhas da vida.São os tais narcisismos nossos.Infantis,por certo.
Quem ,afinal,não transformou hipóteses teóricas em saberes absolutos sobre a tal existência?Ainda que fosse ,tal tolice tão frequente,sobre a nossa existência,tão insignificante quase sempre,seria mais compreensível.A questão é que quando - quero agora ,desse meu jeito e pronto- toda essa tolice narcísica decide se estender ao resto do mundo....Aí a conversa acaba.Vira fascismo travestido de preocupação para com os outros.Catequeses....coisas dessa ordem.
Desisti algumas poucas vezes em continuar meu gesto de discar o tal telefone.Trabalhei,li alguma coisa,mas algo me pertubava.Afinal, em sete anos,jamais a tal funcionária me dera um cano.
Combináramos que por lá passaria para o almoço semanal.Prestaria o meu serviço de tanto tempo,isto é,pagar as contas,supervisionar as despesas,levar a grana para a sobrevivência da tia velha e desfrutar do almoço ,sempre preparado com esmero.
Há o tal "redial" no telefone.Usei-o novamente.Nada.Pensei:'Há merda no mundo'.Novidade!
Liguei para vizinha amiga a lhe pedir um favor.Pedi na verdade um obséquio.Que é um favor antigo.Retornei a ligação e ouvi de uma voz preocupada que nada acontecia naquele meu apartamento,herança familiar.
Decidi, pragmaticamente,ir ao local.Coração preocupado ,mas decidido.Há de se fazer o que se tem que fazer.E é agora e pronto.E do meu jeito.A espada está fincada nas minhas costas no momento.
Telefonei mais uma vez mais.Uma voz ligeiramente grogue respondeu coisas ininteligíveis.
Entendi que algo grave havia acontecido.Corri em busca de socorro.Arrombamos aquela porta sem alarde.Entrei primeiro do que as testemunhas que havia convocado." O senhor fez muito bem - disse-me o chaveiro arrombador.Há um ano atrás ,aqui mesmo na rua ,uma moça que trabalhava para uma senhora idosa,ao perceber que ela tinha morrido,ficou desesperada e tomou uns remédios para ver se apagava a si mesma também.Acordou quatro dias depois com os gritos dos parentes que estranharam a falta de notícias da idosa". Quase lhe agradeci pelo incentivo.
A cena era triste,patética.A cuidadora já não podia mais cuidar.Estava caída no chão.Suja,torta,balbuciando troços ininteligíveis.Ao seu lado ,uma idosa,minha tia ,em choque.
Um Acidente vascular cerebral a derrubara.Logo ela que cuidava.Mas havia o histórico familiar.A mãe,a avó ,por exemplo,também sofreram o mesmo mal.Fora a obesidade,a pressão alta,o sedentarismo de uma vida toda....E tudo isso porque era jovem.Somente 50 anos.Os jovens quase sempre são arrogantes.Fazem coro com Dali,um Salvador: 'Quem morre são os outros'.
Estavam ali, há doze horas, sem conseguir gritar por socorro.
Pragmaticamente,agimos eu e minha mulher,passo a passo.Fizemos o que tinha que ser feito.
Passados mais de um mês do ocorrido,escrevo essas memórias.Menos de duas semanas depois do episódio pavoroso,minha tinha,90 anos,não resistiu à mais essa provação.Morreu em casa,na sua morada-cadeira de um -expressão cunhada de um fato cômico- 'warm room'.
A que lhe cuidou por vários anos, morreu na semana seguinte à sua morte.
Inicio um novo momento em minha vida.Foram mais de duas décadas.Mais da metade do que vivi.Contudo, prossigo inquieto mediante telefones que se recusam a não manter o trato,o combinado.
Melhor resolver isso.E não culparei a companhia telefônica.