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domingo, 24 de julho de 2011

Telefonei mais de uma vez mais.

Tentei.Liguei algumas vezes.Liguei algumas vezes porque não obtive resposta desejada.Resposta desejada?Que diabo-santo é esse?É tão somente o que você ,feito qualquer criança,quer aqui e agora e quero mesmo e pronto!
Já se iludiu,portanto está errado.Querer a resposta certa é no mínimo subestimar o que virá do lado de lá.Já antecipou resultado incerto.E todo resultado a priori estará incerto.Estará,realmente,errado.O resultado certo,mais ou menos aproximado do que se diz CERTO ,virá depois.Logo,estamos sempre em atraso com relação às tais ditas certezas.
Certezas...Ah! As tais certezas imprudentes que já levaram mentes brilhantes a crer até mesmo no número primo,nas razões do número de ouro de Fibonacci ,enfim,a Matemática discorrendo sobre as razões do haver.E todos caímos perigosamente nessas armadilhas da vida.São os tais narcisismos nossos.Infantis,por certo.
Quem ,afinal,não transformou hipóteses teóricas em saberes absolutos sobre a tal existência?Ainda que fosse ,tal tolice tão frequente,sobre a nossa existência,tão insignificante quase sempre,seria mais compreensível.A questão é que quando - quero agora ,desse meu jeito e pronto- toda essa tolice narcísica decide se estender ao resto do mundo....Aí a conversa acaba.Vira fascismo travestido de preocupação para com os outros.Catequeses....coisas dessa ordem.
Desisti algumas poucas vezes em continuar meu gesto de discar o tal telefone.Trabalhei,li alguma coisa,mas algo me pertubava.Afinal, em sete anos,jamais a tal funcionária me dera um cano.
Combináramos que por lá passaria para o almoço semanal.Prestaria o meu serviço de tanto tempo,isto é,pagar as contas,supervisionar as despesas,levar a grana para a sobrevivência da tia velha e desfrutar do almoço ,sempre preparado com esmero.
Há o tal "redial" no telefone.Usei-o novamente.Nada.Pensei:'Há merda no mundo'.Novidade!
Liguei para vizinha amiga a lhe pedir um favor.Pedi na verdade um obséquio.Que é um favor antigo.Retornei a ligação e ouvi de uma voz preocupada que nada acontecia naquele meu apartamento,herança familiar.
Decidi, pragmaticamente,ir ao local.Coração preocupado ,mas decidido.Há de se fazer o que se tem que fazer.E é agora e pronto.E do meu jeito.A espada está fincada nas minhas costas no momento.
Telefonei mais uma vez mais.Uma voz ligeiramente grogue respondeu coisas ininteligíveis.
Entendi que algo grave havia acontecido.Corri em busca de socorro.Arrombamos aquela porta sem alarde.Entrei primeiro do que as testemunhas que havia convocado." O senhor fez muito bem - disse-me o chaveiro arrombador.Há um ano atrás ,aqui mesmo na rua ,uma moça que trabalhava para uma senhora idosa,ao perceber que ela tinha morrido,ficou desesperada e tomou uns remédios para ver se apagava a si mesma também.Acordou quatro dias depois com os gritos dos parentes que estranharam a falta de notícias da idosa". Quase lhe agradeci pelo incentivo.
A cena era triste,patética.A cuidadora já não podia mais cuidar.Estava caída no chão.Suja,torta,balbuciando troços ininteligíveis.Ao seu lado ,uma idosa,minha tia ,em choque.
Um Acidente vascular cerebral a derrubara.Logo ela que cuidava.Mas havia o histórico familiar.A mãe,a avó ,por exemplo,também sofreram o mesmo mal.Fora a obesidade,a pressão alta,o sedentarismo de uma vida toda....E tudo isso porque era jovem.Somente 50 anos.Os jovens quase sempre são arrogantes.Fazem coro com Dali,um Salvador: 'Quem morre são os outros'.
Estavam ali, há doze horas, sem conseguir gritar por socorro.
Pragmaticamente,agimos eu e minha mulher,passo a passo.Fizemos o que tinha que ser feito.
Passados mais de um mês do ocorrido,escrevo essas memórias.Menos de duas semanas depois do episódio pavoroso,minha tinha,90 anos,não resistiu à mais essa provação.Morreu em casa,na sua morada-cadeira de um -expressão cunhada de um fato cômico- 'warm room'.
A que lhe cuidou por vários anos, morreu na semana seguinte à sua morte.
Inicio um novo momento em minha vida.Foram mais de duas décadas.Mais da metade do que vivi.Contudo, prossigo inquieto mediante telefones que se recusam a não manter o trato,o combinado.
Melhor resolver isso.E não culparei a companhia telefônica.

domingo, 3 de julho de 2011

Dizem que Roque Santeiro.

O último capítulo de uma novela brasileira do chamado horário nobre costuma mobilizar parte do país.Tempos em que dvds,computadores e outros apetrechos tecnológicos não estavam presentes no mesmo horário.A televisão à cabo também era plano futuro.Logo,milhões de patrícios divertiam-se diante do brinquedinho de hipnotizar que fora introduzido, aqui nos trópicos,no fim dos anos 60.
No início dos anos 80,uma novela censurada pelos "milicos doutos"chamada Roque Santeiro foi ao ar.O falecido escritor imortal - e que já morreu- Dias Gomes,e um outro menos conhecido então, e hoje já consagrado,Aguinaldo Silva, seus autores.Dias fora casado com uma novelista ,a mais famosa do Brasil, Janete Claire,também falecida,no início dos anos 80.
Não vi a novela toda,mas espiava vez ou outra o Zé das Medalhas,o Sinhozinho Malta,a Viúva Porcina que eram alguns dos personagens protagonistas.
O país vivia um trauma recente,nesse 1985/86,que fora a morte do primeiro presidente civil em 20 anos,ainda que eleito indiretamente.Curiosamente a idéia dessa rememoração também passa pela rua próxima da minha existência,Prudente de Morais,nome do primeiro presidente civil do Brasil.Mas aquele presidente eleito por um colégio suspeito,não tomou posse ,morreu e virou uma espécie de santo mineiro.
Retornando à tal novela, o seu derradeiro capítulo ocorreu numa sexta-feira de Fevereiro ou Março de 1986.Chovia muito enquanto Sinhozinhos e Porcinas ensaiavam o adeus final.Dilúvio na cidade maravilha e ruas já alagadas.Roteiro,afortunadamente, mais do que conhecido.
Tinha-se até a impressão de que o céu pranteava pelo fim dos heróis televisivos.
Naquela noite ,fui ao bar que frequentava,pois precisava de uma coragem etílica para o meu encontro,talvez derradeiro.Fazia duas semanas que conhecera uma morena lindíssima e que era menina -propaganda de um automóvel ,na praia do Leblon.A fábrica do automóvel patrocinava à época um campeonato de natação, na tal praia.
Parei o carro,sonado, e vi a morena que um amigo de então falara-me sobre.E ele não havia mentido.A moça era realmente belíssima.
Muito bem: telefones trocados,conversa amena,tesão em alta.Esperei duas décadas- chamadas semanas- a conseguir uma vaga na sua agenda.E a data em questão foi a fatídica sexta-feira do último capítulo.
Mesmo reconhecendo a concorrência quase impossível de ser transposta,arrisquei.A bela moça topou.No início ,tive a impressão de que não se lembrava de mim,depois pude vivenciar que não era uma questão de memória fraca.Não se lembrava mesmo.Assim assim corri o risco.Quem sabe não era mais uma maluquete dessas que, de tão solicitadas,já reconhecem que não sabem o que querem ao certo.
Duas doses caprichadas de caipirinha e fui desbravar os rios que cruzariam o meu caminho.O bar lotado com gente embaixo de toldos protetores contra chuva e chatos,parecia torcer por mim.Depois,entendi também que não era para mim,e sim para o Medalha ou o Sinhozinho do último capítulo, os tais gritos e sussurros.
Entrei no meu limitado carro e parti.Esse meu carro de então tinha fobia à chuva e friagens.Certa vez,na garagem familiar não acordava de jeito algum.Chamei socorro que tinha nome de herói:Touring. O socorro chegou e me disse:" Aqui ,por ficar próximo da praia,tem vento,friagem...Seria bom aquecê-lo.".
Surrealismos automotivos à parte,confiei nisso que não sabemos bem definir,a tal intuição,e não atendi ao mimo do ébrio mecânico.
Avançamos poças a fio.Passei uma ,duas,Praça da Bandeira Tijucana à frente,quarta poça,dez mil...AiAi!Cheguei.
Endereço na mão,rua escura,prédio austero.Interfonei.Olhei para o carro e ele lá estava:parado,pois cumpliciava cada momento.Naquele instante, perdoei todas as suas falhas de outrora.
Uma voz envelhecida respondeu:"Suba que a Ângela não está,mas volta logo".
Tremi e pensei:Como não está?!Será que tens idéia do esforço que fiz para cruzar rios e poças e praças e angústias e sonhos e tesões!!!Porra!!!Subirei mesmo assim".
O carro concordava comigo e ensaiou um buzinaço.Tive que acalmá-lo.
Porta aberta e a velhinha sorridente me convidou para o último capítulo."Venha ,venha!Sinhozinho e Porcina estão finalmente se entendendo!"
Sentei minha bunda naquele sofá velho,careta e austero.E lá estavam os tais personagens a rir da minha cara de babaca.
Esperei um tempo eterno.Aquele troço acabou,lágrimas rolaram,sonoplastia de fim de festa e eu e a velha ali...feitos dois babacas!
"Ela já vem -disse-me vovó.Foi ver o último capítulo na casa dos primos".
Na casa dos primos!!!!Caralho!Tem sempre uns primos na minha vida!E por certo são vascaínos!!!
A velhinha percebeu o horror que se apoderava de mim e ofereceu-me um café.Recusei,pois naquele momento um saco de vômito ou mais uma caipirinha seriam apropriados.
Quando pensei no suicídio ,pulando daquele segundo andar de prédio austero,a porta se abriu e a deusa surgiu vestida de branco.Mais parecia uma assombração!
E com o rosto com jeito de assombração ,olhou-me espantada e indagou:"Você por aqui?"
Antes que eu a mandasse tomar naquele lugar,peguei-a pelas lindas mãos e lhe falei simplesmente:vamos,por favor.Hoje, poderá ser o meu último dia.
Bravamente,carro morro acima ,estrada da Usina,agora morro abaixo,chegamos no bar-restaurante monarquista,Barra da Tijuca,face a face com a casa do pecado.Havia um motel que fora estrategicamente construído ao lado do tal restaurante que se chamava Vice-Rei.
Ex-amigo é que me alertara.Construa o clima e depois aproveite.Já que era mais velho,bonitão,experiente,acatei sua sugestão libidinosa.
Pedi aquele vinho branco horroroso,alemão,que podia matar até uma barata , e umas comidinhas.A deusa em frente.E eu ali,tentando agradá-la.Menti como nunca!Era o máximo naquele momento.Parecia até um nosso ex-presidente que ,segundo um grande pensador brasileiro,achava-se mais inteligente que ele mesmo.
Ela sorria,mexia nos cabelos.Tentei beijá-la,mas ela não deixou.Ficou corada na face.Pensei então:É tímida tadinha.Tenho que agir com prudência.
Conta fechada,carro aquecido,musiquinha no tocas-fitas de bandeja e .....nada.Traído de novo.
O carro não pegou ,nada de motel.Nada de nada.
O gênio da computação me atende de novo.Touring!Sistema de socorro mecânico eficiente à época.
Desolado,quase morto,ao lado do boçal ,douto em motores e fracassos, e da deusa, morro acima ,morro abaixo novamente.O elemento perfumado de graxa me pergunta:" Aonde vamos?".Não lhe respondi. Ele então perguntou:" Assistiram ao último capítulo da novela?".Quase o fuzilei com os olhos.
A mocinha quase muda ,decidiu posicionar-se:"Você poderia me levar para Tijuca,rua tal,casa da vovó".
Chegando lá,olhei para aquela beldade e senti o adeus do último capítulo.
O tal elemento condutor arriscou : " Para onde agora?"
Conheces o vão central da Ponte Rio-Niterói?
Tenho certeza que aquele veneno de quadris mágicos era uma assombração de verdades.Tal qual Roque Santeiro.