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quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Pirlimpimpins e Emílias.

Abaixe-se caso contrário vai levar bala!
 Catatônico, permaneceu em pé  naquela esquina contemplando o bandido com pinta de pobre- tinha fisionomia e pele muito maltratadas- correr e se jogar dentro do automóvel desbotado. Um veículo velho e velhaco ( só se prestava para ações violentas e criminosas), e cuja cor desbotara de tanta vergonha, infâmia. Nos últimos anos, havia trocado de dono tantas vezes que submetia-se a qualquer comando. Tornara-se escravo definitivo. Uma espécie de moribundo de lata com carnes à mostra. Suas entranhas se espalhavam dentre painéis, relógios, pedais e outros comandos analógicos. Vida digital só em sonhos até então. Todavia, havia uma sonoplastia particular. Advinda de um bravo rádio am/fm que presentificava pedaços do mundo aos ocupantes fugidios. Sucessos musicais dos anos 70 e suas patéticas recordações reverberavam sem parar. Mas o som que ali ressoa mais alto também era bem outro. Era um bang-bang faroeste mal feito. Esses dois ocupantes fugitivos, meliantes oficiais na concepção pequeno-burguesa e seus códigos de conduta, decidiram trocar tiros com o segurança do supermercado do bairro afamado. Balas desorientadas espocavam pelos ares. Fachadas de edifícios eram autografadas pela pólvora assassina. Pânico de um Deus Pã sem humor. Não era a primeira vez. A lata velha, codinome do carro, também era resultante de roubo armado e tiros certeiros. Imaginem! Aquele monte de formações, cheias de tétano e outras pragas, sendo capaz de causar tantos problemas e cobiças! E quando decidia pela birra, pelo choramingar infantil da teimosia, a fingir-se de morto em plena turbulência da via expressa da cidade, e cuja ordenação cotidiana é o caos?
Justo nesse Sábado ensolarado- o que acirra os tesões na Guanabara ( dia nublado é sinônimo de brochura para alguns)- a lata velha não fez qualquer malcriação. Ficou ali: paralisada, feito neurótico que se mete a tagarelar letrinhas e a tela - metáfora para folha- reluzindo o vazio. Vazio nesse caso é alucinado na cor branca ou colorida dependendo da proteção de tela-folha que o freguês cibernético optar.
 Na mesma esquina, esquina contrária a dos espectadores congelados e no interior das vísceras da carroça metálica, escondia-se o motorista, profissão bandida, com um revólver numa das mãos. A outra mão segurava o volante com tamanha força e fé que quase o partiu em dois. Dava para notar o tremor, ainda que tentasse disfarçar. Tremia tudo. Desde o para-choque até o último fio de cabelo. E sobre um último fio de cabelo existem aqueles outros que negociariam, colocariam até no prego, a mamãezinha querida.
Nesse fato criminoso que se descreve não havia mais papo. Era guerra mesmo. Uma guerra péssima, covarde, pois não existia área demarcada, alvos específicos, comunicação prévia. Enfim, a baixaria belicosa oficial. Não há inocente numa guerra, bem sabemos. São todos culpados, já que inocentes também os são. Quando se pede paz, - algo que jamais houve na história dos homens e outros bichinhos- não pedimos pela pacificação certa. Qual seria então a guerra menos ruim, a mais profícua por haver? De guerra não se escapa. Supor uma paz é supor que uma entidade transcendente , perfumado permanentemente de Nirvana  número 5, governará os nossos desejos e sonhos. Os tais destinos que são fantasias deliciosas da turma da Emília. Aquela da obra de sonhos de um Lobato, O Monteiro. Delirava um som de pirlimpimpim  com olhinhos cerrados- estaria em êxtase a bonequinha de pano?- e o mundo revirava em coisas maravilhosas! E maravilhosas para cada um, o que daria um trabalho louco. Talvez por isso demore tanto. Ou seria a  vetusta entidade transcendental um alemão bem pragmático e mais ágil com o que fazer com os fatos, que insistem em ocorrer, no desenrolar do tempo? Caminhar dos sonhos, esse tal de tempo.
Emília não estava presente pessoalmente ( garantem alguns) , mas os que se faziam presentes, naquela esquina do bairro zona sul carioca, clamaram pelos seus milagres fantasiosos. É que num certo momento seguinte, o comparsa daquele treme-treme, e que permanecia ao volante da lata velha, corre em disparada - mais ágil que o próprio veículo- com sua arma em punho e tiros para o além. Acaba de balear o tal segurança do mercado onde roubaram quinquilharias. Não se disse que eram pobres? Tanto estardalhaço por tão pouco! Se ainda fosse um carro forte ou o banco todo!
Seu rosto crispado por uma única ruga odienta exprime o que se chamará num  só depois de dor. Fora atingido por uma bala certeira  vinda da arma do segurança que desmaiou na soleira da porta da lojinha que consertava as bicicletas de Pedrinhos e Emílias. A lojinha, falecida pouco depois do tiro que atingiu o segurança vizinho, revirou em algo mais snobe. Nunca mais  Pedrinhos e Emílias foram vistos por lá.
Cambaleando dolorosamente, o velocista assaltante jogou-se dentro do carro desbotado , mas tinhoso. Ronco forte, bravo combatente, saiu arrancado com seus dois inconsequentes cidadãos brasileiros. Teriam sido heróis? Desistiram de limpar as latrinas dos nossos banheiros?
Brasileiro, sobretudo da média e alta burguesia, somente aceita limpar latrinas estrangeiras. Tudo lá fora. Dizem que pagam direitinho ao brejeiro cidadão.
E quanto ao brejeiro cidadão que paralisado permaneceu - dizem que ainda está por ali feito assombração a escorar pilastras que escaparam ilesas das balas tresloucadas-  vislumbrando cada efeito especial, feito espectador hipnotizado, na sala escura do tradicional cinema do bairro e que exibe as mais diversas entranhas, estranjas ou locais, logo ali em frente?  Aquele mesmo do outro lado de uma outra esquina, agora esquina terceira? Ao menos nesse texto é da terceira que se fala. As outras duas ficaram para trás. Como se a lata-velha avançasse em marcha ré, o bandido caísse ferido de tanto amor, o segurança  tivesse atirado com balas de verduras e frutas, o supermercado fosse mini e incluísse a Cuca, o Tio Barnabé, a Dona Benta e os quitutes da Tia Nastácia.
Numa próxima vez, se houver, não esperes pelo pirlimpimpim de Emílias. Certas balas dessa vida, além das guloseimas para todas as idades e pica-paus , foram feitas para matar.